Caso Aristizábal

Ação: Mandado de Segurança – Data: 12/11/02

Processo: SDI – 00481/2001-6
Espécie : MANDADO DE SEGURANÇA
Acórdão: 2001020277

EMENTA:
JOGADOR DE FUTEBOL – DEVER-DIREITO DE TRABALHAR – Ilegalidade e inconstitucionalidade de dispositivo contratual e de decisão judicial que impede o jogador de futebol(ou qualquer pessoa) de exercer suas atividades profissionais e de cumprir o dever-direito de trabalhar. Constituição Federal, artigos 1º, 3º, I e 5º, II.

Finalizando julgamento iniciado em 09.08.2001, por unanimidade de votos, tornar definitiva a liminar concedida à fl.244 e CONCEDER a segurança para que, nos autos da Medida Cautelar Inominada Processo nº 156/01 da 4ª Vara do Trabalho, fique anulado o despacho que determinou o pagamento de caução.

Voto Relator

PROCESSO TRT/SP Nº SDI 00481/2001-6
MANDADO DE SEGURANÇA
IMPETRANTE: VICTOR HUGO ARISTIZABAL POSADA
IMPETRADO: ATO DA EXMA. JUÍZA TITULAR DA MMª 4ª VARA DO TRABALHO DE SÃO
PAULO
LITISCONSORTE: SÃO PAULO FUTEBOL CLUBE

EMENTA

JOGADOR DE FUTEBOL ; DEVER-DIREITO DE TRABALHAR – Ilegalidade e inconstitucionalidade de dispositivo contratual e de decisão judicial que impede o jogador de futebol (ou qualquer pessoa) de exercer suas atividades profissionais e de cumprir o dever-direito de trabalhar. Constituição Federal, artigos 1º, 3º, I e 5º, II.

I – RELATÓRIO

Victor Hugo Aristizabal Posada impetra Mandado de Segurança contra ato da Exma. Juíza titular da MMª 4ª Vara do Trabalho de São Paulo que, em sede de Medida Cautelar Inominada e depois de concedida a liminar pleiteada, atendeu a pedido do requerido São Paulo Futebol Clube e fixou uma caução de R$ 2.376.000,00 para garantia do juízo. Diz que a figura da caução não existe no processo do trabalho, reputando “um despropósito a fixação de caução suficiente às custas e honorário de advogado no valor de R$ 2.376.000,00”.

Pede a reforma da decisão. Junta documentos (fls. 18/237).

O despacho de fl. 240, que determinou o processamento da ação, não deferiu o pedido de liminar. Acolhido (fl. 244) o pedido de reconsideração de fls. 241/243, foi concedida a liminar. Informações da d. autoridade dita coatora às fls. 251/252. Citado (fl. 247), o litisconsorte necessário, São Paulo Futebol Clube, não se manifestou. Parecer do Ministério Público do Trabalho às fl. 259/262, pela concessão da segurança.

É o relatório.

II – FUNDAMENTOS DO VOTO

1. Da admissibilidade

Conheço do Mandado de Segurança porque se encontram presentes os pressupostos de admissibilidade. Revela-se desnecessária a providência requerida pelo Ministério Público do Trabalho, relativa à regularização da representação processual do impetrante Victor Hugo Aristizabal Posada. Com efeito, é perfeitamente admissível a utilização de cópia xerox do instrumento de procuração outorgada para o ajuizamento de Medida Cautelar e trasladada daqueles autos (art. 365, II do CPC). O STF já entendeu que a procuração com poderes ad judicia, embora mencione que tais poderes são concedidos para determinada ação, habilita o advogado a praticar todos os atos de outra ação, salvo os excetuados pelo artigo 38 do CPC (Ação Rescisória nº 1037/SP; Tribunal Pleno; Rel. Ministro Alfredo Buzaid, publ. 3/5/84, in RTJ 119/506).

2. Do Mérito

Cumpre consignar, antes de mais nada, que, em 1º de fevereiro de 2001, o São Paulo Futebol Clube impetrou Mandado de Segurança também contra ato da Exma. Juíza Titular da MMª 4ª Vara do Trabalho de São Paulo, que, em sede de Medida Cautelar Inominada, determinara, liminarmente e inaudita altera pars, a entrega do atestado liberatório ao atleta Victor Hugo Aristizabal Posada. Como se verifica do despacho do Exmo. Sr. Juiz Presidente deste Tribunal, o presente Mandado de Segurança, ajuizado em 07 de março de 2001, foi distribuído a este Relator, por dependência.

Do exame conjunto dos autos, verifica-se que, em 22 de julho de 1996, o atleta profissional Victor Hugo Aristizabal Posada (litisconsorte no MS nº 208/01-2 e impetrante no MS nº 481/01-6) foi contratado pelo São Paulo Futebol Clube (impetrante no MS nº 208/01-2 e litisconsorte no MS nº 481/01-6) para atuar como jogador de futebol.
O contrato, cujo prazo de vigência era de um ano, extinguiu-se em 21 de julho de 1997, sendo sucessivamente renovado até 31 de dezembro de 2000, ocasião em que jogador e clube não lograram chegar a um consenso quanto aos termos de um novo contrato de trabalho.

Desfeita a relação de trabalho, remanescia, porém, a questão relativa ao atestado liberatório, popularmente chamado de “passe”. O jogador, embora não mais prestasse serviços à agremiação, não poderia celebrar contrato com nenhum outro clube enquanto este não efetuasse ao antigo empregador o pagamento de um determinado valor.

De acordo com a correspondência cuja cópia se encontra à fl. 69 do Mandado de Segurança nº 208/01-2 e que foi enviada pelo São Paulo Futebol Clube ao atleta em 05 de janeiro de 2001, o valor de seu “passe” foi fixado em R$
5.826.000,00 (para empregador no Brasil) e USD$ 3.000.000,00 (para empregador no exterior). Esta correspondência, que foi enviada também à Federação Paulista de Futebol, foi recebida pelo procurador do atleta em 08 de janeiro de 2001.

Pretendendo, no entanto, participar de campeonatos na Colômbia, seu país de origem, e sem conseguir obter a liberação para se inscrever nos certames, Victor Hugo Aristizabal Posada intentou Medida Cautelar Inominada que,
distribuída para a 4ª Vara do Trabalho, tomou o número 156/01. Consigne-se que o prazo para inscrição nesses campeonatos encerrava-se em 31 de janeiro de 2001 e a Medida Cautelar foi distribuída em 24 de janeiro de 2001, uma semana antes desse prazo.

De acordo com as informações prestadas pela d. autoridade dita coatora, às fls. 251/252, recebida a Medida Cautelar Inominada e verificada a presença do fumus boni juris e do periculum in mora, foi concedida a liminar, por meio da qual foi determinado ao São Paulo Futebol Clube que entregasse ao atleta “o atestado liberatório no prazo de vinte e quatro horas, sob pena de pagamento de multa diária de R$ 10.000,00 até o efetivo cumprimento”.

Por força da liminar concedida, o atleta obteve o “passe” e, como é público e notório, já está participando de campeonatos em seu país de origem, atuando, inclusive, em jogos da Seleção.

Todavia, depois de oferecer sua contestação nos autos da Medida Cautelar Inominada, o São Paulo Futebol Clube pleiteou a fixação de uma caução, pedido este que, acolhido pela d. autoridade dita coatora, constitui o ato ora impetrado.

Afirma o impetrante, o jogador profissional de futebol Victor Hugo Aristizabal Posada, que a fixação de “uma caução no valor de R$ 2.376.000,00 (dois milhões, trezentos e setenta e seis mil reais), correspondente a
aproximadamente US$ 1.200.000,00, valor pago pelo requerido pela cessão do atestado liberatório” constitui ato arbitrário e ilegal, que não encontra amparo na previsão do artigo 835 do CPC. Enfim, reputa “um despropósito a
fixação de caução suficiente às custas e honorários de advogado; no valor de R$ 2.376.000,00 (dois milhões, trezentos e setenta e seis mil reais)”.

Assiste razão ao impetrante.

O artigo 835 do Código de Processo de Civil, que fundamenta o despacho ora impugnado, diz o seguinte:

“Art. 835. O autor, nacional ou estrangeiro, que residir fora do Brasil ou dele se ausentar na pendência da demanda, prestará, nas ações que intentar, caução suficiente às custas e honorários de advogado da parte contrária, se não tiver no Brasil bens imóveis que lhes assegurem o pagamento”.

No caso vertente, o autor da Medida Cautelar Inominada, o ora impetrante Victor Hugo Aristizabal Posada, que é colombiano, efetivamente ausentou-se do país na pendência da demanda, regressando à Colômbia. Todavia, é evidente que o valor fixado pela autoridade coatora para caução do pagamento de custas e honorários é excessivo, ainda que se considerem as altas somas envolvidas quando se trata de personalidades com alguma projeção na mídia como são os atletas consagrados ou os artistas famosos.

O instituto da caução é próprio do processo civil. Ao aplicá-lo no processo do trabalho, o juiz não pode deixar de amoldá-lo aos princípios desse ramo do direito, dentre os quais se destaca o da gratuidade do processo.

Registre-se, por oportuno, o que diz a ilustre representante do Ministério Público do Trabalho, Dra. Rosemary Fernandes Moreira, em seu parecer de fls. 259/262, depois de transcrever lição de Manoel Antônio Teixeira Filho:

“De considerar, ainda, que não obstante reconheçamos não se cuidar de trabalhador hipossuficiente, como quer fazer crer a peça inicial, o valor fixado para a caução ultrapassou em muito qualquer pretensão de provisão para pagamento de custas e honorários advocatícios, estes nem mesmo aplicáveis ao caso, nos termos do artigo 14 da Lei n. 5584/70 e Enunciados 219 e 329 do TST. Assim, por não entendermos compatível com o princípio da gratuidade do procedimento a fixação de caução para a concessão de medida cautelar, parece-nos ter sido efetivamente lesiva a decisão prolatada, motivo pelo qual entendemos deva ser concedida a segurança pleiteada”.

Não bastasse isto, a questão envolve um aspecto extremamente relevante, que é o da liberdade de trabalho.
Nos termos do artigo 5º, II, da Constituição Federal, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. E o artigo 1º da Constituição Brasileira consagra, entre os fundamentos do Estado de Direito, “os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”. Ao relacionar os objetivos fundamentais da República, a Constituição coloca em primeiro lugar o objetivo de “construir uma sociedade livre, justa e solidária”.

Há mais de um século, em 13 de maio de 1888, por lei da Assembléia e sanção da Princesa Isabel, foi abolida a escravidão. Não pode o empregador, seja o Estado, seja a Administração Pública, seja uma grande empresa, nacional ou estrangeira, seja um clube de futebol, impedir, proibir, tolher ou cercear o direito ao trabalho de qualquer de seus funcionários ou empregados, e muito menos de ex-funcionários ou de ex-empregados.

São inconstitucionais, ilegais e até imorais quaisquer cláusulas contratuais ou determinações patronais e decisões judiciais que impeçam o direito de qualquer ser humano de exercer suas atividades profissionais e de cumprir o
dever-direito de trabalhar.

Enfim, sob qualquer aspecto que se analise a questão, impõe-se concluir pela ilegalidade do ato ora impetrado. A liminar, que já foi deferida à fl. 244, deve ser confirmada, concedendo-se definitivamente a segurança para que, nos
autos da Medida Cautelar Inominada Processo nº 156/01 da 4ª Vara do Trabalho, fique anulado o despacho que determinou o pagamento de caução.

III – DISPOSITIVO

Fundamentos pelos quais, torno definitiva a liminar concedida à fl. 244 e CONCEDO a segurança para que, nos autos da Medida Cautelar Inominada Processo nº 156/01 da 4ª Vara do Trabalho, fique anulado o despacho que
determinou o pagamento de caução.

FLORIANO VAZ DA SILVA

a Juiz Relator

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