TST – Recurso de Revista – GUARANI FUTEBOL CLUBE x MARCELO TOMÉ DE SOUZA. 29 de abril de 2009

PROC. Nº TST-RR-1049/2002-093-15-00.2

PROC. Nº TST-RR-1049/2002-093-15-00.2 

A C Ó R D Ã O 
3ª TURMA
RMW/ykg/ew

RECURSO DE REVISTA. DIREITO DE ARENA. NATUREZA JURÍDICA. Aplicável, por analogia, ao direito de arena, o entendimento jurisprudencial consagrado na Súmula 354/TST (- as gorjetas cobradas pelo empregador na nota de serviço ou oferecidas espontaneamente pelos clientes, integram a remuneração do empregado, não servindo de base de cálculo para as parcelas de aviso-prévio, adicional noturno, horas extras e repouso semanal remunerado -, merece ser mantido o acórdão regional que, reconhecendo a verba como integrante da remuneração do atleta profissional, deferiu-lhe os reflexos em férias, natalinas e FGTS.

Recurso de revista conhecido e não-provido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de recurso de revista nº TST-RR-1049/2002-093-15-00.2, em que é recorrente GUARANI FUTEBOL CLUBE e recorrido MARCELO TOMÉ DE SOUZA. 

O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, às fls. 289-98, negou provimento ao recurso ordinário do reclamado e deu provimento ao recurso do reclamante para deferir o pagamento, em dobro, das férias do ano de 1998, reconhecer a natureza salarial dos aluguéis, concedendo seus reflexos e fixar o valor da multa prevista no art. 477, § 8º, da CLT, mantendo a condenação ao pagamento da verba relativa ao direito de arena dos anos de 1999 a 2001, com reflexos em 13º salário, férias e FGTS.

O reclamado interpõe recurso de revista às fls. 307-14 em que se insurge contra a condenação ao pagamento do direito de arena e seus reflexos. Aponta divergência jurisprudencial.

Com contrarrazões (fls. 320-7).

Feito não submetido ao Ministério Público do Trabalho para emissão de parecer (art.83 do Regimento Interno do TST).

É o relatório.

V O T O 

I – CONHECIMENTO 

1.PRESSUPOSTOS EXTRÍNSECOS 

Tempestivo o recurso (fls. 306-7), regular a representação processual (fls. 154, 237, 281 e 285) e efetuado o preparo (fls. 232-3 e 316-7).

2.PRESSUPOSTOS INTRÍNSECOS 

DIREITO DE ARENA. NATUREZA JURÍDICA 

O Tribunal do Trabalho da 15ª Região, por meio do acórdão das fls. 289-98, negou provimento ao recurso ordinário do reclamado, consignando:

– Do mérito do pedido referente ao direito de imagem:

Pauta-se o Direito do Trabalho pela verificação do contrato realidade, pelo que efetivamente ocorre na relação entre as partes mantida. É indene de dúvida que o reclamante foi contratado como atleta de futebol e que, em decorrência desta relação, de índole trabalhista, auferiu valores decorrentes do seu -direito de imagem-, e que restou previsto, inclusive, em seu contrato de trabalho (fl.19), como parte integrante de sua remuneração (além, diga-se, do salário em sentido estrito e do pagamento do aluguel). Assim, eventual constituição de empresa, pelo reclamante, não tem qualquer repercussão no deslinde desta ação, porque o direito de imagem foi pago em virtude do contrato de trabalho firmado e do trabalho efetivamente prestado. Ante a ausência de comprovação do pagamento integral das parcelas, tem-se que a condenação, neste particular, deve subsistir, inclusive no que tange aos reflexos e valores, porque razoáveis-. (fl. 295)

Em suas razões recursais, o recorrente sustenta que a parcela -direito de arena- tem natureza indenizatória. Argumenta que, – diante disso é que se torna pertinente discussão acerca da incorreta interpretação jurisprudencial que considera a natureza salarial do -direito de imagem-, vale ressaltar que o v. acórdão contou com voto vencido do Juiz Paulo de Tarso Salomão, que entendeu pelo -afastamento da condenação das diferenças relativas ao direito de imagem bem como sua integração ao salário ou remuneração -.(fl. 309). Transcreve arestos para confronto de teses.

O recurso alcança conhecimento.

O aresto colacionado fls. 311-2, proveniente do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, publicado no DJMG em 11.12.2001, no que tange à natureza jurídica do direito de arena, apresenta tese diversa da esposada pelo Tribunal de origem, verbis:

SALÁRIO. JOGADOR DE FUTEBOL. DIREITO DE ARENA. OUTROS GANHOS PELO USO DA IMAGEM POR TERCEIROS. NATUREZA JURÍDICA. VALORES ALEATÓRIOS E VARIADOS PREFIXAÇÃO EM CONTRATO DE TRABALHO FRAUDE. EFEITOS. O chamado direito de arena, valor que é pago por terceiros, detentores dos meios de comunicação, aos atletas, como remuneração pela transmissão dos jogos dos quais eles são os principais atores e os catalisadores da motivação popular para angariar audiências, não constitui salário, direto ou indireto, no sentido técnico do instituto, sobre quaisquer de suas modalidades, eis que não se destina, nem mesmo remota ou indiretamente, ao custeio do trabalho prestado ao clube contratante, nem tem relação alguma com a execução do contrato de trabalho – .

Conheço do recurso de revista por divergência jurisprudencial.

II – MÉRITO 

DIREITO DE ARENA. NATUREZA JURÍDICA 

O direito de arena foi instituído pela Lei 9.615/98 (Lei Pelé), que regula o desporto no Brasil, e em seu artigo 42 determina:

-Art. 42. Às entidades de prática desportiva pertence o direito de negociar, autorizar e proibir a fixação, a transmissão ou retransmissão de imagem de espetáculo ou eventos desportivos de que participem.

§ 1.º Salvo convenção em contrário, vinte por cento do preço total da autorização, como mínimo, será distribuído, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo ou evento-.

Para compreender a natureza jurídica da parcela ora controvertida, há de se observar a distinção entre salário e remuneração.

O fundamento legal de tal distinção está nos arts. 457 e 458, caput, da CLT, dos quais se depreende que remuneração é gênero do qual o salário é espécie, sendo este compreendido como toda prestação paga diretamente pelo empregador em retribuição ao trabalho prestado pelo empregado e aquela entendida como todo pagamento pelo serviço prestado, podendo ser efetuado diretamente pelo empregador ou indiretamente por terceiros, abrangendo as gorjetas, estas com a definição expressa no art. 457, § 3º da CLT. Eis o disposto nas referidas normas:

-Art. 457 Compreende-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber

§ 3º Considera-se gorjeta não só a importância espontaneamente dada pelo cliente ao empregado, como também aquela que for cobrada pela empresa ao cliente, como adicional nas contas, a qualquer título e destinada à distribuição dos empregados-.

-Art. 458 Além do pagamento em dinheiro, compreende -se no salário, para todos os efeitos legais, a alimentação, habitação, vestuário ou outras prestações in natura que a empresa, por força do contrato ou o costume, fornecer habitualmente ao empregado. Em caso algum será permitido o pagamento com bebidas alcóolicas ou drogas nocivas-.

Dessarte, acerca da mencionada distinção, transcrevo a seguinte interpretação doutrinária:

-Salário é toda contraprestação ou vantagem em pecúnia ou em utilidade devida e paga diretamente pelo empregador ao empregado, em virtude do contrato de trabalho. É o pagamento direto feito pelo empregador ao empregado pelos serviços prestados, pelo tempo à disposição ou quando a lei assim determinar (aviso prévio não trabalhado, 15 primeiros dias da doença etc).

(…) Remuneração é a soma do pagamento direto com o pagamento indireto, este último entendido como toda contraprestação paga por terceiros ao trabalhador, em virtude de um contrato de trabalho que este mantém com seu empregador-. (CASSAR, Vólia Bonfim. Direito do Trabalho. Editora Impetus, 2008, Niterói, 2ª edição, pg. 772-3)

-O art. 458 da CLT considera salário a contraprestação devida e paga diretamente pelo empregador ao empregado, em virtude da relação de emprego. O mesmo diploma legal atribui à remuneração um conceito mais amplo, quando afirma que ela abrange o salário, com todos os seus componentes, e ainda as gorjetas, que são pagas por terceiro-. ( BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. Editora LTR. 2005, São Paulo, 1ª edição, pg. 703).

Assim, verifico a natureza remuneratória do direito de arena, o qual se assemelha à natureza jurídica do percebido à título de gorjeta, pois decorre do pagamento efetuado por terceiro, no caso, a emissora autorizada a transmitir o evento desportivo, pela efetiva participação do jogador no espetáculo transmitido.

Inviável entender que a parcela tem natureza indenizatória pois nítida a sua finalidade de remunerar o empregado pelo serviço prestado. Denota-se, por fim, que ante a natureza jurídica remuneratória com reconhecida similitude às gorjetas, deve-se, por analogia, aplicar ao direito de arena o raciocínio consagrado pela Súmula 354/TST, que reputa incabível sua integração apenas em aviso prévio, repouso, horas extras e adicional noturno, com a consequente manutenção do julgado regional, que deferiu reflexos apenas em férias, natalinas e FGTS, cuja base de cálculo, extreme de dúvida, à luz da lei e da jurisprudência, é a remuneração do trabalhador.

Corrobora esse entendimento a melhor doutrina de Alice Monteiro de Barros:

-A doutrina tem atribuído natureza de remuneração ao direito de arena de forma semelhante às gorjetas que também são pagas por terceiro. A onerosidade desse fornecimento decorre de lei e da oportunidade concedida ao empregado de auferir a vantagem. O valor alusivo ao direito de arena irá compor apenas o cálculo do FGTS, 13º salário, férias e contribuições previdenciárias, pois o Enunciado n.354 do TST, aplicada por analogia, exclui sua incidência do cálculo do aviso prévio, repouso, horas extras e adicional noturno-. (BARROS, Alice Monteiro de, Curso de Direito do Trabalho. Editora LTr, 2005, São Paulo, 1ª edição, p.733/734)

Nesse sentido já se pronunciou esta Corte:

OBRIGATORIEDADE DE SUBMISSÃO DA DEMANDA À COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA Inviável infirmar o entendimento adotado pelo Regional, pois não foram prequestionados elementos fáticos essenciais para a elucidação da lide, tais como, se na localidade de prestação de serviços existia Comissão de Conciliação Prévia no âmbito da empresa ou do sindicato da categoria, e se houve recusa injustificada por parte do Reclamante à tentativa de conciliação. Incidência das Súmulas n.ºs 126 e 297, I, do TST. Recurso de revista não conhecido. 2 – DIREITO DE ARENA – NATUREZA JURÍDICA O direito de arena, previsto no art. 42 da Lei n.º 9.615/98, tem natureza remuneratória, pois não tem por finalidade indenizar o atleta profissional pelo uso de sua imagem, mas remunerá-lo por sua participação nos espetáculos esportivos, cujos direitos de transmissão são negociados pelo clube a que pertence com terceiros. Precedentes desta Corte. Recurso de revista conhecido e não provido. (TST-RR-27781/2000-006-09-00-7, 3ª Turma, Rel. Min.CARLOS ALBERTO REIS DE PAULA, DJ 21.11.2008).

DIREITO DE ARENA. NATUREZA JURÍDICA. Nos termos da Lei 9.615/98, o direito de arena é aquele que a entidade de prática desportiva tem de negociar, autorizar e proibir a fixação, a transmissão ou retransmissão de imagem de espetáculo ou eventos desportivos de que participem. A titularidade do direito de arena é da entidade de prática desportiva e, por determinação prevista na referida lei, apenas o atleta que tiver participado do evento fará jus ao recebimento de um percentual do preço estipulado para a transmissão ou retransmissão do respectivo evento esportivo. Fica claro, portanto, que, embora pago por terceiros, o direito de arena percebido pelo atleta, em verdade, é uma contraprestação pelo trabalho prestado em favor do clube, ou seja, não tem por intuito indenizar o atleta, mas, sim, remunerá-lo por sua participação no espetáculo. Em sendo assim, dúvidas não restam de que o direito de arena tem natureza jurídica de remuneração, guardando, inclusive, similitude com as gorjetas previstas no art. 457 da CLT, que também são pagas por terceiros. Recurso de Revista conhecido e não provido. (TST-RR-1751/2003-060-01-00-2, 2ª Turma, Rel. Min. JOSÉ SIMPLICIANO FONTES DE F. FERNANDES, DJ 02.5.2008).

RECURSO DE REVISTA. DIREITO DE ARENA. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DAS REGRAS DESTINADAS AO DIREITO DE IMAGEM. NATUREZA SALARIAL. ARTIGO 42 DA LEI Nº 9.615/98. Segundo o e. TRT da 9ª Região, as partes celebraram um -Contrato de Cessão de Uso de Imagem, Voz, Nome e Apelido Desportivo, de natureza civil-, que seria relativo ao chamado -direito de imagem-, que ainda segundo aquele c. Tribunal, seria o mesmo que -direito de arena-. Primeiramente, faz-se mister diferenciar-se o direito de imagem do direito de arena, nos termos da Súmula nº 457 do excelso STF: o primeiro decorre da relação de emprego do atleta profissional, ao passo que o segundo diz respeito a um dos elementos essenciais da personalidade. Considerando-se, portanto, que o -Contrato de Cessão de Uso de Imagem, Voz, Nome e Apelido Desportivo- celebrado entre as partes no presente feito diz respeito à fixação, à transmissão ou retransmissão de imagem de eventos desportivos de que participava o Reclamante, como previsto pelo artigo 42 da Lei nº 9.615/98, então não há como se negar a natureza salarial do pagamento decorrente daquele contrato. Com efeito, seria inadmissível, sob pena de estímulo a fraudes de toda espécie, que as partes envolvidas em um contrato de trabalho pudessem celebrar um contrato supostamente civil cujo objeto fosse idêntico ao do contrato de trabalho, ou que estivesse nesse último contido. Precedentes. CLÁUSULA PENAL. ARTIGO 28 DA LEI Nº 9.615/98. DIREITO EXCLUSIVO DO EMPREGADOR. IMPOSSIBILIDADE. Não havendo no artigo 28 da Lei nº 9.615/98 previsão expressa de que a cláusula penal ali definida seria direito exclusivo do empregador, atentaria contra princípios elementares do Direito do Trabalho a limitação de tal direito somente à parte mais forte na relação trabalhista por meio de meros argumentos interpretativos. Acrescente-se que o artigo 33 da Lei nº 9.615/98, ao dispor que -cabe à entidade nacional de administração do desporto que registrar o contrato de trabalho profissional fornecer a condição de jogo para as entidades de prática desportiva, mediante a prova de notificação do pedido de rescisão unilateral firmado pelo atleta ou documento do empregador no mesmo sentido, desde que acompanhado da prova de pagamento da cláusula penal nos termos do art. 28 desta Lei-, também sinaliza no sentido de que aquela cláusula penal é devida tanto por atleta quanto pelo clube, indistintamente. Recurso de revista conhecido e provido. (TST/RR-12720/2004-013-09-00-7, 6ª Turma, Rel. Min. HORÁCIO RAYMUNDO DE SENNA PIRES, DJ 12.9.2008).

Recurso de revista a que se nega provimento.

ISTO POSTO 

ACORDAM os Ministros da Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de revista, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, negar-lhe provimento.

Brasília, 29 de abril de 2009.

ROSA MARIA WEBER CANDIOTA DA ROSA
Ministra Relatora

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