1987: O ano que mudou o futebol brasileiro?

Milton Jordão 

Caros leitores,

Me dedicava a dar seqüência a alguns assuntos que tinha reservado para esta coluna; porém, todo o Brasil, na última semana, se viu assaltado por uma mudança copérnica nos rumos do futebol nacional.

Ruirá o Clube dos 13? O Brasileiro será transmitido pela Globo, Record ou Rede TV? Nascerá uma nova Liga de Clubes? Qual o papel da CBF nisso tudo?

A bem da verdade, fala-se muito e pouco se tem como resposta. Mas, ainda assim, intentarei debater, assumindo o papel de torcedor.

É fato que nos acostumamos a ver os jogos do Campeonato Brasileiro na Televisão aberta pela Rede Globo, assim tem sido quase que na última década. A Vênus Platinada, no limiar do século XXI, garantiu a exclusividade na transmissão das partidas ao negociar com o Cube dos 13, entidade que controla a venda destes direitos desde 1987. Interessante recordar que nem sempre foi assim, veja-se que em 1990/91, os direitos de transmissão dos jogos foi vendido somente à Rede Bandeirantes. Porém, já em 2002, a empresa carioca novamente comprou tais direitos, revendendo-os a Rede Record de Televisão, que também transmitiu jogos até 2006.

Em 2005, renovou-se com a Rede Globo de Televisão pelo triênio 2005-2008, por U$ 900 milhões. Novamente, em 2009, após valorização, este valor subiu para U$ 1,4 bilhões pelo triênio 2009-2011, sendo que novas mídias passaram a compor o pacote a ser vendido: internet, celular, televisão fechada (assinatura), pay-per-view e transmissão para o exterior. O grande dilema que nos leva escrever estas linhas residiu na negociação do triênio seguinte (2012-2014).

O Clube dos 13 (C13) resolveu, após submeter-se a determinação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), em que se afastou o monopólio da Rede Globo, através da extinção do direito de preferência na compra dos direitos de transmissão das partidas do campeonato nacional .
Estaríamos diante de uma mudança? Sim e das mais profundas na geopolítica do futebol nacional.[fusion_builder_container hundred_percent=”yes” overflow=”visible”][fusion_builder_row][fusion_builder_column type=”1_1″ background_position=”left top” background_color=”” border_size=”” border_color=”” border_style=”solid” spacing=”yes” background_image=”” background_repeat=”no-repeat” padding=”” margin_top=”0px” margin_bottom=”0px” class=”” id=”” animation_type=”” animation_speed=”0.3″ animation_direction=”left” hide_on_mobile=”no” center_content=”no” min_height=”none”][1]

Após celebrado o Termo de Ajuste de Conduta, o Clube dos 13 optou por construir uma licitação para concorrência, aberta a toda e qualquer rede de televisão, sugerindo um valor mínimo de R$ 500 milhões por anos, somente para a TV aberta.

A partir daí o Clube dos 13 (C13) começou a sofrer perdas, que, para uns, significou na sua implosão. O Corinthians, por seu presidente, afirmou o desinteresse em negociar em bloco, bem como os times do Rio de Janeiro (Vasco, Fluminense, Flamengo e Botafogo), dentre outras manifestações que somam entre 12 e 13 integrantes do grupo de 20 que compõe o C13. Mesmo assim a licitação foi realizada e a vencedora foi a Rede TV, que ora vive o dilema de saber se os 20 clubes assinarão ou o contrato.

E o que é que 1987 tem haver com tudo isso?

No meio do turbilhão de Cade, Globo e C13, a CBF, estranhamente, edita resolução reconhecendo o Flamengo como campeão nacional daquele ano, dividindo o título com o Sport Club do Recife e, sendo, portanto, consagrado como primeiro pentacampeão nacional. Ou seja, a taça de bolinhas é sua por direito. Muito embora, dias antes o São Paulo tenha recebido-a na sede da Caixa Econômica.

Quanta confusão!

A CBF resolveu uma querela entre ela e o Flamengo de maneira simples, vinte e quatro anos depois, após incessante peleja dos rubro-negros cariocas. Embora sequer, neste episódio, tenha sido provocada por eles. Foi ato unilateral. Anote-se que esta contenda já freqüentou a Justiça Comum Brasileira, o antigo CBD, mas nunca o órgão máximo da organização do futebol nacional havia se inclinado a reconhecer o título flamenguista.

Sem contar que a briga velada entre C13 e CBF remonta à eleição da primeira entidade…mas, isso é história para outro momento.

Com esta tacada, o Flamengo se viu livre e desimpedido para romper com o C13 e trilhar seu caminho independente. Ou seja, a marca mais expressiva e rentável do futebol nacional está disponível.

Tudo isso, para mim, não passa de cortina de fumaça!

O que está por detrás de esse disse-me-disse, dos arroubos de independência e discursos de lealdade a quem sempre creu no futebol brasileiro?

O poder e o dinheiro. Mais aquele do que este.

É verdade que a exposição de marca pela rede Globo tem um incrível potencial de vendas da marca do clube, de atletas, camisas ou de produtos licenciados. Com efeito, falamos da maior empresa de comunicação do país (talvez da América do Sul), que influencia deveras no cotidiano do brasileiro, nota-se isso nos modismos lançados em novelas, a criação de celebridades, na formação da opinião pública por meio de matérias jornalísticas, etc. E, também, no futebol serve deveras para fomentar o apreço a clubes e criar ídolos.

Ademais disso, some-se uma considerável quantia em dinheiro pela transmissão, óbvio que nunca se atingirá o valor que os clubes possam achar justo; porém, compensado de outras maneiras, como matérias jornalísticas, jogos transmitidos, etc.

Até o momento nenhum clube protocolizou pedido de desfiliação do C13. O que me faz crer, ainda existir dúvida. Enquanto isso, os “independentes” afirmam que irão negociar isoladamente os seus contratos, seja com a Globo, seja com a Record.

Não creio que este tipo de negociação vingará.

A transmissão dos jogos, ao longo de oito meses do ano, duas vezes por semana (quarta e domingo), demandará que qualquer televisão reúna uma quantidade considerável de equipes (dos 20 clubes pelo menos uns 14 ou 15). Afinal, nos termos do art. 42, da Lei Pelé, a cessão da imagem é dos clubes que disputam o jogo, ou seja, se o clube A joga na casa do clube B, sendo que este mantém contrato de televisionamento das partidas, somente terá direito de exibi-la com a autorização do primeiro clube, a título oneroso ou gratuito.

Além de tais questões, outra me chama a atenção, qual o preço médio que, por exemplo, a Rede Globo negociará os direitos de transmissão com cada clube?

Veja-se que na licitação, o preço médio foi de R$ 25 milhões, se dividirmos o montante mínimo pela quantidade de clubes. Nas manchetes de jornais estampa-se que os clubes “independentes” pedirão alto – pelo mais do que ganham atualmente, crê-se. Imagine-se que Corinthians demande R$ 60 milhões, o Palmeiras, por seu turno, para aderir não aceitará valor menor do que o oferecido ao seu rival. E os clubes do Rio de Janeiro, também aceitarão perceber menos? Grêmio, Internacional ou Cruzeiro se contentarão?

É certo que se se der vazão à vontade dos grandes a venda dos direitos de transmissão ultrapassará os tais R$ 500 milhões por ano. Então, quem vai pagar o pato? Os médios e pequenos: times como Bahia, Coritiba Atlético-PR, Goiás, Vitória, Sport, Avaí, Figuerense sofrerão uma grande desvalorização e o abismo em relação aos clubes de ponta somente crescerá.

Estes, penso, são o fiel da balança nesta disputa tensa pelos direito de transmissão do campeonato nacional. Não se faz campeonato somente entre clubes grandes, ou mesmo entre aqueles donos das maiores torcidas, que, por acaso, estão localizados no Sudeste do país. Senão, até hoje o Rio-São

Paulo seria uma realidade até hoje.

Optar por seguir os mais ricos poderá significar uma morte a médio ou longo prazo para estas agremiações pequenas ou medianas, que, constantemente, viverão freqüentando num ano a primeira, no outro a segunda divisão.

Para as redes de televisão é melhor negociar em separado, sem que os clubes avaliem entre si os preços que cada um receberá.

E o torcedor? Será que no Brasil só há interesse para jogos entre times do eixo Sul-sudeste? Melhor, reduzo: do eixo Rio-São Paulo, sendo mais econômico ainda, entre Flamengo e Corinthians?

Trata-se de fato que as torcidas destes clubes somam a grande maioria da população nacional (30,6%). Inclusive, revelando-se expressiva noutras regiões além das cidades onde estão sediados.

Observe-se que o Corinthians tem uma grande torcida no estado do Paraná, sendo superior aos números de torcedores dos dois tradicionais clubes locais (Atlético-PR e Coritiba), tal qual o Flamengo que ocupa a liderança em estados bem distante do Rio de Janeiro, especialmente em todo o Nordeste brasileiro (até bem pouco tempo ocupava a liderança entre os torcedores baianos, sendo que atualmente, está no segundo posto de maior torcida do estado, perdendo somente para o E.C. Bahia) .[2]

Naturalmente, que qualquer rede de televisão ante estes números somente desejará transmitir, ou dará generosa preferência a exibição de certames envolvendo estes clubes, afinal, estas empresas de comunicação visam ganhar mercados e divulgar as marcas dos seus patrocinadores. Mas, insisto, os outros times têm público, basta haver interesse em divulgá-los. Os grandes clubes, como Flamengo, Fluminense, Corinthians, São Paulo, tem torcidas espalhadas por todo o país porque sempre estiveram na mídia, seus jogos sempre foram televisionados, até mesmo em detrimento dos certames envolvendo equipes locais.

O momento de afirmação dos clubes é agora. Dos grandes, médios e pequenos. É preciso garantir a independência e autonomia.

Os clubes grandes precisam enxergar que sem os médios ou pequenos não tem como se montar um campeonato que dure quase que um ano, nem mesmo o título será legítimo. A negociação isolada poderá, inclusive, repercutir negativamente para os seus torcedores, que nalgumas oportunidades poderão se ver privados de assistir às partidas por questões contratuais. Somente para concluir, as principais ligas européias (a exceção de Portugal e Espanha) negociam os seus direitos coletivamente e os resultados têm sido expressivos .[3]

Enfim, como dito acima, fala-se muito e pouco de concreto se tem. Triste é ver que os clubes optam por trilhar caminhos sozinhos, quando em grupo podem perceber mais. Por enquanto, o impasse ainda vige. E, pelo visto, não irá findar tão cedo.

Aguardemos os próximos capítulos desta novela.

Notas

[1] Ver: Cade determina fim da preferência da Globo nos direitos de TV do Brasileirão. Disponível em: www.esporte.uol.com.br/futebol/campeonatos/brasileiro/serie-a/ultimas-noticias/2010/10/20/cade-determina-fim-da-preferencia-da-globo-nos-direitos-de-tv-do-brasileirao.jhtm>. Acessado em 14 jan 2011.
[2]Confira a Pesquisa Lace!-Ibope. Disponível em: www.lancenet.com.br/noticias/10-08-11/806236.stm. Acessado em 14 mar 2011.
[3] Interessante analisar matéria do site Futebol Finance. Disponível em: http://www.futebolfinance.com/ranking-de-direitos-de-transmissao-tv-2010. Acessado em 14 mar. 2011.

Milton Jordão é Advogado Criminalista, Procurador e ex-Defensor Dativo do Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol da Bahia, Diretor Presidente do Instituto de Direito Desportivo da Bahia (IDDBA), membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD).[/fusion_builder_column][/fusion_builder_row][/fusion_builder_container]

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