Da responsabilidade dos gestores de entidades componentes do sistema nacional do desporto

Raimundo da Costa Santos Neto

Membro Filiado ao IBDD

Ultimamente, infelizmente, têm se tornado comum denúncias contra gestores do esporte, com notícias que vão desde investigações por má gestão, à prisão de alguns por práticas de ilícitos penais e até mesmo o banimento do esporte.

Todas estas questões, apesar de não serem exatamente novas, tornaram-se sem dúvida muito mais frequentes após os Jogos Olímpicos do Rio2016. Não por outro motivo, é importante que se traga uma análise jurídica acerca dos limites da responsabilidade do gestor do esporte à luz dos normativos que atualmente regulamentam a matéria.

Em nosso ordenamento jurídico, como regra geral, está disposto que o ato do administrador, desde que praticado nos limites do ato constitutivo, obriga a entidade administrada (art. 47 do CC). Isso significa que um ato, desde que legitimado em estatuto da entidade, cria uma obrigação oponível à entidade administrada sem qualquer consequência colateral para seu gestor.

Para efeitos de responsabilidade do administrador, dispõe ainda, no art. 1.011 do CC, que o administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios. Essa obrigação terá importância ao abordarmos mais adiante a excludente de responsabilidade do gestor sob a ótica da Lei n. 13.155/2015.

Seguindo no mesmo raciocínio, a Lei n. 6.404/76, ao dispor sobre a responsabilidade dos administradores nas sociedades por ações, estabeleceu, em seu art. 158, que o administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão. Entretanto, cria duas situações de responsabilização pessoal do administrador ao determinar que ele responda, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder dentro de suas atribuições ou poderes, mas com culpa ou dolo na prática do ato ou atuar com violação da Lei ou do Estatuto da entidade.

Da mesma forma que no código civil, o limite criado pela conhecida Lei das Sociedades Anônimas é a estrita observância do estatuto da associação ou sociedade administrada e a prática do ato imbuído de boa-fé.

Dado mais interessante ainda, é a responsabilidade solidária do administrador prevista pela Lei 6.404/76, em duas situações. A primeira diz que os administradores são solidariamente responsáveis pelos prejuízos causados em virtude do não cumprimento dos deveres impostos por lei para assegurar o funcionamento normal da companhia, ainda que, pelo estatuto, tais deveres não caibam a todos eles. E o segundo estabelece que o administrador que, tendo conhecimento do não cumprimento dos deveres legais ou estatutários por seu predecessor, ou pelo administrador competente, deixar de comunicar o fato a assembleia geral torna-se por ele solidariamente responsável.

Observe-se que, a Lei do 13.155/2015, também conhecida como Lei do Profut, buscou aproximar bastante a responsabilidade do gestor do esporte à do administrador empresarial, criando figuras de responsabilidade bem semelhantes em seu art. 24, §§ 2º e 3º, dispondo que os dirigentes de entidades desportivas profissionais respondem solidária e ilimitadamente pelos atos ilícitos praticados e pelos atos de gestão irregular ou temerária ou contrários ao previsto no contrato social ou estatuto. Estabelece ainda que o dirigente que, tendo conhecimento do não cumprimento dos deveres estatutários ou contratuais por seu predecessor ou pelo administrador competente, deixar de comunicar o fato ao órgão estatutário competente será responsabilizado solidariamente.

Seguindo nesta esteira, sob um enfoque mais empresarial sobre a administração das entidades componentes do sistema nacional do desporto, a Lei apresentou institutos antes estranhos à administração das organizações da sociedade civil sem fins lucrativos, como a da gestão irregular ou temerária, que nos remete até mesmo à figura penal prevista na Lei n. 7.492/86, também conhecida como Lei do Colarinho Branco, a qual apura crimes contra o sistema financeiro.

Fica cristalino que o legislador, apesar de não alterar a natureza jurídica das entidades do desporto, quer que as responsabilidades do gestor não sejam mais aquelas meramente civis, criando uma gama de novas obrigações de cunho empresarial.

Se por um lado estendeu-se sua gama de responsabilidade, por outro, as hipóteses de exclusão de responsabilidade passaram a ser mais restritivas. O §1º, do art. 25 da Lei n. 13.155/15, em que se apresentam as hipóteses de exclusão de responsabilidade, traz uma redação interessante ao dispor que não será responsabilizado o gestor que não tenha agido com culpa grave ou dolo.

Como culpa grave, define a professora Maria Helena Diniz, aquela que ocorre quando, dolosamente, houver negligência externa do agente, não prevendo aquilo que é previsível ao comum dos homens. (Em Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 2007, p. 43.)

Assim, podemos dizer que, numa interpretação conforme o art. 1011 do CC, exclui-se a responsabilidade do gestor que comprove o cuidado e a diligência na gestão da entidade, evitando-se a atuação negligente cujo resultado seja previsível ao homem médio.

Noutro turno, o mesmo parágrafo determina que não será responsabilizado o gestor que comprove que agiu de boa-fé e que as medidas realizadas visavam a evitar prejuízo maior à entidade. É um caso evidente de inversão do ônus da prova, em que a boa-fé passa a ter que ser comprovada pelo gestor, sob pena de se tornar responsável por ato de gestão irregular ou temerária.

Em ambos os casos nos parece claro que há uma relativização do princípio da não culpabilidade, cabendo ao gestor o ônus de comprovar a legalidade de sua atuação.

Essas explicações tornam-se fundamentais à medida que a Lei n. 13.155/15 disciplina que os dirigentes das entidades desportivas profissionais de futebol, independentemente da forma jurídica adotada, têm seus bens particulares sujeitos ao disposto no art. 50 da Lei no 10.406/03, que trata da figura do abuso de personalidade jurídica e dá ao Judiciário a possibilidade de estender obrigações da entidade administrada, em determinados casos, aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

Observe-se, por todo exposto, que a figura da solidariedade do patrimônio do gestor é instituto jurídico amplamente acolhido pela Lei do Profut, exigindo, de uma vez por todas, uma atuação profissional do gestor, sob pena de ver seu patrimônio amealhado para responder por seus atos que coloquem em risco a gestão da entidade esportiva.

Considerando-se que grande parte dos recursos aportados no esporte brasileiro hoje provém de fonte pública, quer em virtude dos repasses dos concursos de prognósticos, concessão de isenção às entidades componentes do sistema nacional do desporto ou aporte direto da administração direta ou indireta, é fundamental que se aborde, ainda que de maneira breve, a Lei 12.846/13, também conhecida como Lei de Combate à Corrupção.

Referida Lei, de aplicação ampla a qualquer pessoa jurídica, independentemente da sua forma de constituição, dispõe sobre a responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira.

Isso quer dizer que a prática de atos lesivos ao patrimônio público, entendidos estes como qualquer ato que atente contra os princípios constitucionais da administração ou contra o patrimônio da União serão imputados à revelia de culpa, à entidade onde houver ocorrido o ato considerado lesivo.

Além da própria imputação objetiva, a Lei prevê que os próprios gestores ou dirigentes podem ser igualmente responsabilizados pelos atos ilícitos na medida da sua culpabilidade. Isso quer dizer que, os atos de gestão temerária na gestão de recursos de fonte pública previstos na Lei do Profut ou fraudes em licitações feitas em processos de compra com recursos públicos podem ser interpretados como atos lesivos ao patrimônio público, levando a responsabilização do gestor e comprometimento de seu patrimônio, senão comprovado que agiu de maneira diligente na administração da entidade.

Só a título exemplificativo, as multas previstas na Lei Anticorrupção para os casos específicos das entidades privadas sem fins lucrativos, caso das entidades que compõem o Sistema Nacional do Desporto, podem ir de R$ 6.000,00 (seis mil reais) a R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais), o que demonstra a importância de que estas entidades passem a adotar instrumentos efetivos de controle interno e programas de integridade para seus colaboradores.

Após esta breve análise acerca da responsabilidade do gestor no esporte, pode-se concluir de maneira inegável que a administração de referidas entidades precisa se modernizar urgentemente, a despeito de não visar ao lucro no desempenho de sua atividade, a legislação ao longo do tempo praticamente equiparou a responsabilidade de seu gestor à responsabilidade do gestor empresarial, criando obrigações legais cujo descumprimento ultrapassa os muros da entidade, o que pode comprometer gravemente o patrimônio do próprio gestor, caso não se adote uma administração moderna, em que se valorize cada vez mais a transparência e os controles internos.

Raimundo da Costa Santos Neto

Membro do IBDD, Diretor do Departamento de Base e Alto Rendimento do Ministério do Esporte, Vice-Presidente da Autoridade Pública de Governança do Futebol, Membro da Comissão de Estudos Jurídicos do Ministério do Esporte.