RAIMUNDO DA COSTA SANTOS NETO
Membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo
Lamentavelmente, tem-se observado com frequência denúncias contra gestores esportivos que vão desde a prática de atos de gestão temerária até desvios criminosos de recursos públicos e privados aportados para o desenvolvimento do desporto.
Em que pese a autonomia constitucionalmente garantida ao sistema desportivo, a incapacidade do próprio setor em se autorregulamentar, através da criação de controles internos efetivos, vem gerando uma ofensiva do Estado regulador, que, buscando coibir condutas indesejadas, lança mão de inúmeras normas regulamentadoras que visam a melhorar a gestão das entidades com a criação de instrumentos de governança corporativa.
Este movimento de regulação do Estado ficou claro com a edição de normas como os artigos 18 e 18-A da Lei Pelé, bem como a Lei 13.155/2015, que buscaram incorporar à gestão das entidades esportivas normas mais claras de transparência, gestão democrática e de fiscalização interna.
Todavia, a construção de um sistema que busque dar efetividade a essa nova realidade legal imposta, não pode passar ao largo de um sistema de regras mais firmes para financiamento público do esporte, quer pela via das descentralizações voluntárias, quer pela via do patrocínio público. É nesse último ponto que repousam as ponderações apontadas neste artigo.
O patrocínio público é descrito na Instrução Normativa 09/2014/SECOM, que disciplina o patrocínio dos órgãos e entidades da administração pública federal, como ação de comunicação que se realiza por meio da aquisição do direito de associação da marca e/ou de produtos e serviços do patrocinador a projeto de iniciativa de terceiro, mediante a celebração de contrato de patrocínio.
Sobre referido conceito deve se ter clareza que o contrato de patrocínio possui características de um contrato bilateral, ou seja, se por um lado o poder público, através das estatais e sociedades de economia mista, aporta recursos em determinado esporte, por outro lado, é seu direito vincular sua imagem à determinada marca ou produto esportivo.
Assim, podemos afirmar que há uma associação da imagem da empresa pública ou da sociedade de economia mista à imagem de um atleta, entidade de administração ou prática desportiva, com vistas a gerar identificação e reconhecimento do patrocinador por meio da iniciativa patrocinada, ampliando relacionamento com públicos de interesse, mediante a divulgação da marca ou produto, agregando-se valor à marca do patrocinador.
Não obstante, o patrocínio público advindo da administração indireta do Estado deve estar inserido dentro de políticas públicas setoriais, sob pena de contrariar o próprio interesse público. A assertiva acima encontra amparo na própria legislação que regulamenta a matéria definindo o que é patrocínio, determinando que no exame das propostas de patrocínio, seja observada a conformidade com as políticas públicas do Poder Executivo Federal (artigo 16, da IN09/2014/SECOM).
Diante disso é claro o caráter híbrido dos contratos de patrocínio esportivo firmado por entidade da administração indireta. Se por um lado ele visa a associação do patrocinador a uma determinada marca ou produto, por outro lado fica claro que essa ação não pode ser dissociada da política pública para o esporte.
Porém, não é isso que está acontecendo com o patrocínio das entidades paraestatais no esporte, os quais vem ocorrendo à revelia de qualquer manifestação do órgão setorial, ignorando as normas que regulamentam a matéria e violando os próprios códigos de integridade dos patrocinadores.
A despeito da norma legal estabelecer como diretriz adicional para atuação do patrocinador, a transparência na divulgação ampla das políticas, diretrizes e normas de acesso ao patrocínio, numa consulta aos sítios eletrônicos da Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil é possível observar que inexiste regra clara e objetiva divulgada acerca dos critérios utilizados para a definição dos patrocínios, sua aderência à política pública esportiva, bem como os valores aportados em cada entidade patrocinada.
Na mesma esteira, apesar da Lei 13.303/2016, trazer regra adicional em seu artigo 27, §3º, determinando que a empresa pública e a sociedade de economia mista podem celebrar convênio ou contrato de patrocínio com pessoa física ou com pessoa jurídica para promoção de atividades culturais, sociais, esportivas, educacionais e de inovação tecnológica, desde que comprovadamente vinculadas ao fortalecimento de sua marca, como regra, não há igualmente informações no sítio eletrônico das entidades patrocinadoras informando sobre parâmetros minimamente objetivos que permitam a avaliação do impacto do patrocínio no fortalecimento da marca.
Esta falta de sinergia entre os órgãos setoriais do esporte e os órgãos patrocinadores compromete o próprio programa de compliance das entidades que aportam recurso no esporte, já que o pressuposto básico do know your partner/client, torna-se prejudicado pelo desconhecimento dos riscos associados à entidade patrocinada. Não à toa, muitos escândalos envolvendo, inclusive, a prática de atos de corrupção, ocorreram no âmbito de entidades patrocinadas por empresas públicas, como é o caso recente da Confederação Brasileira de Handebol, Federação Paraibana de Futebol e Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos, as quais, inclusive passam por processos de reestruturação para evitar novos desvios éticos na gestão.
Conclui-se, portanto, que a concessão pura e simples de patrocínio pelas empresas públicas e de economia mista, sem a devida participação do órgão setorial responsável por fiscalizar o cumprimento das regras legais de governança, configura-se em flagrante dissenso, gerando riscos excessivos à imagem do patrocinador que pode vir a ter sua imagem ligada à atos de corrupção, bem como frustra as próprias medidas corretivas da administração pública que visem a melhorar a gestão do esporte, estimulando a permanência de práticas que violam o fair play dentro e fora de campo.
Sem uma nova consciência acerca da importância do patrocínio público para o desenvolvimento do desporto brasileiro, corremos o risco de perdemos o jogo para velhas práticas pouco republicanas e que cabem cada vez menos no mundo de hoje.
RAIMUNDO DA COSTA SANTOS NETO
Procurador do Distrito Federal e Advogado
Diretor do Departamento de Base e Alto Rendimento do Ministério do Esporte (2017/2018)
Vice-Presidente da Autoridade Pública de Governança do Futebol (2017/2018)
Membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo