PEDRO WAMBIER
Membro Filiado ao Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD)
Todo ano, centenas de atletas sofrem com os calendários dos campeonatos profissionais de futebol no Brasil, uns pelo excesso de partidas e outros pela falta delas. Enquanto os atletas de clubes de Série A e B contam com um calendário saturado, repleto de competições do começo ao fim do ano que os levam ao extremo do desgaste físico, os atletas de Série C e D sofrem com o precoce fim das competições em que atuam.
Isso, somado a amarras impostas pelos Regulamentos da FIFA e da CBF, força atletas a ficarem meses e meses sem a possiblidade de se empregar e, consequentemente, atuar, receber salários e manter o ritmo de jogo.
O Regulationon The Status andTransferof Players’ da FIFA, em seu artigo 5º, parágrafo 3º, delimita que o atleta pode ser registrado por no máximo três clubes durante uma temporada, podendo somente atuar por jogos oficiais por duas destas equipes. A única exceção que este artigo traz é no caso de o terceiro clube pertencer a uma associação cujo calendário é inverso ao do clube anterior, ou seja, caso o segundo clube seja brasileiro (temporada de Janeiro a Dezembro) e o atleta se transfira para a Itália, por exemplo, onde as temporadas se iniciam em Agosto e terminam em Junho.
Como consequência dessa determinação da entidade máxima do futebol, a CBF, em seu Regulamento Nacional de Registro e Transferências de Atletas de Futebol (RNRTAF), mais precisamente no art. 13º, parágrafo 3º, repete essa normativa e inclui mais duas exceções: não computa os certames estaduais (Campeonato Estaduais e Copas Estaduais) e as copas regionais (Copa do Nordeste, Copa Verde, etc.) para fins deste limite de dois clubes por temporada. Ou seja, um atleta que atuou por um determinado clube apenas durante o campeonato estadual, pode atuar por mais dois durante os campeonatos nacionais, independentemente da divisão.
Essas exceções, apesar de bem-vindas, ainda não solucionam um grande problema que afeta centenas de atletas profissionais no segundo semestre: a impossibilidade de atuar durante os últimos meses do ano ou a imposição de ter que diminuir significativamente seu salário para atuar em competições que o regulamento permite.
Imagine a seguinte situação: um atleta atua por uma equipe que disputa apenas campeonato estadual de primeira divisão e a Copa do Brasil nos primeiros meses do ano, e depois disso não possui mais calendário, pois não se classificou à Série D e não disputa a Série C (que é o caso de muitas equipes).
Este atleta disputa regularmente o estadual, e joga uma partida da Copa do Brasil – na qual seu time é eliminado. Após o fim do Estadual, um clube de Série D ou C o contrata para a disputa do Brasileiro. Caso o clube seja eliminado de forma precoce em um destes campeonatos (em 2019, a primeira fase da Série D terminou em 09 de Julho, e a da C em 24 de Agosto), o atleta ficará impedido de disputar qualquer outra competição nacional, seja a Série C (caso o atleta da D tenha sido eliminado na primeira fase), a Série B ou a A, mesmo que tenha recebido uma proposta.
Isso porque ele disputou a Copa do Brasil por seu primeiro clube – mesmo que somente por 90 minutos – e uma das divisões nacionais pelo segundo clube. Durante todos os meses restantes no ano, só haverá uma opção para o atleta poder trabalhar e manter sua forma física e ritmo de jogo: as copas estaduais, que são campeonatos que reconhecidamente pagam salários muito inferiores aos pagos em competições nacionais.
Exemplifico de uma forma mais concreta, com um caso verdadeiro que pude acompanhar neste ano: o atleta disputou o Campeonato Catarinense e a Copa do Brasil pelo Brusque FC, onde recebia um salário de R$ 10.000,00 mensais. Pela Copa do Brasil, fez somente uma partida, pois o regulamento desta competição dá a vantagem do empate ao time visitante, e o jogo na cidade de Brusque terminou em 1×1.
Após o término do Estadual, o atleta se transferiu para o ABC FC, de Natal, para a disputa da Série C, com um salário de R$ 16.000,00. Nesta competição, o clube não avançou para a fase de “mata-mata” e encerrou suas atividades antes do final de Agosto. Desta forma, nos meses de Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro, este atleta se limitaria somente às Copas Estaduais, de onde efetivamente recebeu propostas de salários por volta dos R$ 3.000,00 e R$ 4.000,00, ou seja, muito inferior ao patamar salarial que teve durante o ano. Além disso, o atleta recebeu uma proposta financeiramente e esportivamente interessante de um clube de Série B, competição de importante peso para a carreira de qualquer atleta, e que possui clubes que pagam bons salários – porém, não pôde se transferir em função da limitação do regulamento. O atleta, dessa forma, optou por ficar sem atuar até o final do ano.
Isso demonstra uma verdadeira falha que a letra do regulamento ainda não solucionou. O referido atleta ficou impossibilitado de trabalhar de forma em que pudesse manter seu patamar salarial e inclusive atingir um nível elevado de competição em sua carreira, apenas em função dos 90 minutos que disputou pela Copa do Brasil no início do mês de março.
Essa situação não é rara. Todo ano ocorre com várias centenas de atletas, considerando que na primeira fase da Série D 36 clubes encerram suas atividades, e na Série C, 12. Se considerarmos que, em média, cada clube conta com um elenco de 25 a 30 atletas, esse problema pode, potencialmente, atingir de 1200 a 1440 atletas todos os anos.
Arrisco dizer que essa determinação, tanto da FIFA, como da CBF, infringiriam a Constituição Federal, em seu art. 5º, XIII, que prevê a liberdade do exercício da profissão. Porém, neste caso, estaria entrando em outra seara de discussão, a do conflito que existe – em diversos pontos – entre os regulamentos da FIFA (e que a CBF tem que obedecer) e a legislação brasileira.
Algumas soluções podem ser apresentadas para este problema. Essas soluções, no entanto, devem ser de iniciativa da CBF, pois a FIFA, ao regulamentar esse tipo de situação, não consegue atender a todas as peculiaridades dos calendários de seus mais de 200 membros afiliados. A CBF, portanto, deve ter o tato e a sensibilidade de reformular seus regulamentos e calendários a fim de preencher essa lacuna.
A primeira delas seria a de criar mais uma exceção: a de desconsiderar as primeiras fases da Copa do Brasil no cômputo do limite de clubes. Assim, o atleta que disputar apenas estes jogos iniciais da competição não seria limitado pelo regulamento ao se transferir para um eventual terceiro clube no ano.
A reformulação dos calendários das Série C e D seria uma medida plausível, mas que somente resolveria o problema em partes. A CBF inclusive se propôs a fazer já em 2020: alterou o regulamento da Série D 2020, de forma que o mínimo de jogos de um clube passará de seis para catorze. O da Série C, no entanto, manteve-se o mesmo, apenas com uma extensão do cumprimento do campeonato – o que não muda o fim da data da primeira fase e não soluciona o problema.
O objetivo deste breve artigo foi expor este problema, o qual muitas vezes é esquecido e atrapalha a carreira de centenas de atletas profissionais de futebol no Brasil. Os regulamentos, geralmente, são feitos apenas levando em consideração atletas da elite do futebol, para os quais realmente é plausível impor uma limitação neste sentido, uma vez que não faria sentido um mesmo atleta se transferir para três clubes que possuem calendário cheio numa mesma temporada. No entanto, essa não é a realidade do futebol brasileiro, pois grande parte dos atletas atuam por clubes que encerram suas atividades de forma precoce no ano, sendo obrigados a ficarem desempregados até o final da temporada, ou a aceitarem uma brusca redução salarial para disputarem as copas estaduais.
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Players may be registered with a maximum of three clubs during one season. During this period,the player is only eligible to play official matches for
two clubs. As an exception to this rule, a player moving between two clubs belonging to associations with overlapping seasons (i.e. start of the season in summer/autumn as opposed to winter/spring) may be eligible to play in official matches for a third club during the relevant season, provided he has fully complied with his contractual obligations towards his previous clubs. Equally, the provisions relating to the registration periods (article 6) as well as to the minimum length of a contract (article 18 paragraph 2) must be respected.
RSTP. Article 5.3.
§3o – O registro e a atuação do atleta submetem-se às seguintes limitações:
I) o atleta somente pode ser registrado por 3 (três) clubes durante uma temporada;
II) o atleta que já tenha atuado por 2 (dois) clubes durante uma temporada, em quaisquer das competições nacionais do calendário anual coordenadas pela CBF, não pode atuar por um terceiro clube, mesmo que esteja regularmente registrado.
a) As copas regionais e os certames estaduais constituem exceção e nãoserão computados para fins dos limites de atuação e de registro fixados nos incisos I e II deste §3o.
RNRTAF. Artigo 13º, §. 3º.