Leonardo Andreotti Paulo de Oliveira¹
O Contrato de Patrocínio Esportivo possui, como uma de suas características principais, a vinculação, ou seja, a associação entre a empresa patrocinadora ou a sua marca, ou, ainda, os seus produtos e/ou serviços, com a pessoa patrocinada, seja ela física ou jurídica, na exata medida do interesse por sua reputação ou imagem positiva no mercado, valendo considerar, dada a natureza onerosa do contrato em estudo, que geralmente a contratação relativa à relação patrocinadora se dá por meio de um aporte financeiro, na expectativa de que a referida associação possa gerar um efetivo fortalecimento marcário.
Por obvio, é de se entender que o interesse pelo fortalecimento da marca de uma empresa não constitui privilégio único e exclusivo da iniciativa privada, a despeito de o próprio contrato e, assim, a sua relação jurídica gerada, ter forte relação com o Direito Privado. Também as empresas ditas governamentais, com o intuito de fortalecer a sua marca, seus produtos e/ou serviços, se valem, e isso vem ocorrendo de forma cada vez mais frequente ao longo do tempo, do referido contrato para a sua pretensa valorização marcaria no segmento respectivo e, principalmente, quando atuante em regime de concorrência mercadológica com empresas genuinamente privadas.
De início, cabe trazer à colação o permissivo constante do artigo 27 da Lei nº 13.303/2016, no sentido de que o repasse de verba pública, à entidade privada, a título de patrocínio, resta autorizado, quando vinculado, no entanto, ao fortalecimento de sua marca.
Ademais, defende-se maior liberdade ao administrador público, desde que observados, por obvio, os ditames legais, para a contratação da relação jurídica do patrocínio, principalmente quando da atuação da empresa estatal em regime de concorrência com entidades privadas no mercado. Isso não quer dizer, por outro lado, que as peculiaridades do pacto justificarão, da mesma forma, uma desnecessária prestação de contas de todo o processo, o que, a evidência, representaria burla e falha a um mandamento maior, constitucional.
Esta conclusão é defendida e solidificada pelo próprio Tribunal de Contas da União, que por várias ocasiões enfrentou o tema em estudo, gerando, inclusive, Enunciados diversos, senão vejamos:
“Enunciado de Jurisprudência Selecionada TCU: É obrigatória a prestação de contas dos recursos transferidos por órgãos ou entidades da Administração Pública a entidades privadas por meio de contratos de patrocínio. Compete ao TCU fiscalizar contratos de patrocínio firmados por empresas estatais.Acórdão 3440/2014-Plenário | Relator: RAIMUNDO CARREIRO”
“Enunciado de Jurisprudência Selecionada TCU: Devem ser adotadas avaliações de resultados sobre os ganhos institucionais proporcionados pelos patrocínios concedidos.Acórdão 304/2007-Plenário | Relator: UBIRATAN AGUIAR”
Resta evidente a obrigação de prestar contas do administrador público, independentemente do grau de conveniência e oportunidade, e, claro, discricionariedade, de sua contratação, quando a contratação envolver recursos de natureza pública, valendo ressaltar, nada obstante, que a depender da situação apresentada, a prestação de contas poderá não representar aquela padronizada, comumente levada a cabo em Convênios e Termos de Parceira, por exemplo.
A questão não é simples e merece um olhar atento do intérprete, valendo destacar a interação das normas privadas do patrocínio, e as normas públicas do setor, que determinam, a par da aparente flexibilidade da contratação, e prestígio ao binômio conveniência/oportunidade, um rígido controle, nos limites possíveis, daquilo que se pactuou.
Em outros termos, é de se defender que, sempre que possível, a prestação de contas leve em consideração todos os seus aspectos usuais, em especial a causalidade entre o recurso repassado e a efetiva aplicação na utilidade pretendida. Nada obstante, nas hipóteses, porém, em que tal possibilidade não se verificar, a depender de suas razões, caberá às partes contratantes, e, sobretudo, ao administrador público, a partir de uma expectativa diligente e cautelosa de conduta, a fixação, por contrato, de eventuais prestações a serem concretamente atingidas.
Portanto, em meio a tantas especificidades na relação jurídica do patrocínio, e diante de uma possível incompatibilidade de regimes jurídicos aplicáveis, não deverá descurar o gestor público dos princípios gerais da Administração Pública, bem assim do comportamento diligente que se espera quando da pactuação de relações atípicas, que a par de garantir liberdade na estipulação de seu conteúdo, quase plena, às partes, não deixa de presentear o gestor com um terreno não necessariamente seguro. Tal fato, inobstante, se reverte facilmente, na adoção, por liberalidade, e de comum acordo, expressamente, de mecanismos concretos e objetivos de controle, mensuração de impactos e resultados das ações propostas e, principalmente, de critérios de escolha dos sujeitos e objetos patrocinados, com a devida justificativa, ainda que observada, de forma plena, a conveniência e oportunidade desta eleição.
Vê-se, na prática, diante do que estabelece a legislação de regência da matéria em estudo, relativa ausência de obrigatoriedade de justificação prévia, concreta, à decisão do gestor, o que abre espaços para questionamentos acerca dos motivos determinantes da contratação, que, eventualmente, podem fugir à motivação precipuamente publicitária e se inserir no campo político, o que feriria de morte, além da moralidade em si, a própria natureza do patrocínio esportivo.
Neste particular, as ações diligentes sugeridas se prestam em muito para garantir, dentre outras coisas, que as escolhas feitas não sofram influência de fatores meramente políticos ou de conveniência, na conotação negativa da palavra, mas para atender, sim, a aspectos jurídicos, políticos, visto que importantes, e sociais, que levem o gestor público a tomar a melhor decisão acerca de patrocinar ou não patrocinar um evento, um atleta ou uma entidade, a partir de elementos que, não raras vezes, são ou parecem ser insuficientes para determinar a real pertinência da contratação.
Neste contexto, indaga-se e
reflete-se acerca dos caminhos a serem percorridos com a finalidade de
estabelecimento de mecanismos que garantam de forma eficiente a valorização do
patrocínio, sem descurar dos princípios gerais da Administração Pública, o que,
de certa forma, representa, hoje, grande desafio do gestor.
¹Mestre em Direito Desportivo pelo Institut Nacional d´EducacióFisica de Catalunya – INEFC e Universitat de Lleida – UdL. Pós-Graduado em Direito Contratual pela Escola Paulista de Direito – EPD. Pós-Graduado em Direito Administrativo pelo Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP. Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho da Universidade Positivo – UP – Curitiba/PR. Professor do LL.M. in International Sports Law do ISDE/Madrid-Espanha e do Master in Dirittodello Sport da Universitàdi Roma – La Sapienza. Presidente do Superior Tribunal de Justiça Desportiva da Liga Nacional de Basquete – LNB (2016/2017); Presidente do Superior Tribunal de Justiça Desportiva da Confederação Brasileira de Badminton – CBBd (2014/2018); Presidente do Superior Tribunal de Justiça Desportiva da Confederação Brasileira de Vôlei – CBV (2018/2020); Subprocurador-Geral do Superior Tribunal de Justiça Desportiva da Confederação Brasileira de Futebol – CBF (2016/2020). Titular da Cadeira n. 35 da Academia Nacional de Direito Desportivo – ANDD. Secretário-Geral da Comissão de Estudos Jurídicos Desportivos do Ministério do Esporte – CEJD/ME. Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo – IBDD (2016/2018& 2019/2021). Membro Fundador do Instituto Brasileiro de Direito Contratual – IBDCONt. Parecerista, Árbitro e Mediador. Advogado inscrito na Ordem dos Advogados de Brasil – Seccional de São Paulo.