A TITULARIDADE DOS DIREITOS ECONÔMICOS DECORRENTES DO CONTRATO ESPECIAL DE TRABALHO DESPORTIVO DOS ATLETAS PROFISSIONAIS DE FUTEBOL

Henrique Soares Pinto¹

Membro Filiado ao Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD)

Aprovado pelo Conselho da Fédération Internationale de Football Association (“FIFA”) no dia 15 de março de 2019, o Regulations on the Status and Transfer of Players (“RSTP”) que entrou em vigor no dia 01 de junho de 2019 encerrou uma discussão que há algum tempo se mantinha em relação à titularidade dos Direitos Econômicos dos atletas profissionais de futebol.

Realizando, aliás, um breve histórico acerca da possível titularidade dos Direitos Econômicos, é notório que algumas mudanças importantes ocorreram ao longo dos últimos anos em se tratando de tal instituto.

Antes disso, contudo, vale conceituar a figura dos Direitos Econômicos para que a mesma fique clara e se evite eventuais confusões.

De maneira absolutamente breve e resumida, os Direitos Econômicos, pois, são uma criação mercadológica por meio da qual as entidades de prática desportiva (clubes) celebravam negócios com terceiros cujo objeto era a cessão de todo ou parte do valor decorrente da cessão (transferência) do vínculo federativo (Direito Federativo) de um atleta para outro clube.

Aqui é pertinente lembrar que o Direito Federativo e os Direitos Econômicos de determinado atleta são inconfundíveis, sendo que uma das principais diferenças é o fato de que o Direito Federativo é uno, indivisível e sempre vinculado a um único clube – ainda que em casos de cessões temporárias (empréstimos) – e, por outro lado, os Direitos Econômicos são passíveis de divisão.

Em outras palavras, voltando a tratar especificamente dos Direitos Econômicos, os clubes entabulavam negócios com terceiros cujo efeito prático era o repasse de todo ou parte da receita decorrente da transferência onerosa do vínculo de determinado atleta para outro clube quando e se tal evento (transferência) ocorresse durante a vigência do Contrato Especial de Trabalho Desportivo (“CETD”) mantido entre clube e atleta.

Ocorre que, com o advento da Circular nº 1464, datada de 22 de dezembro de 2014, a FIFA determinou que, a partir de 01 de maio de 2015, os clubes não mais poderiam negociar com terceiros os Direitos Econômicos decorrentes do CETD dos atletas profissionais de futebol.

Por “terceiros”, então, a FIFA definiu todos aqueles que não fossem os clubes envolvidos na transferência (clube cedente e clube cessionário) e eventuais outros clubes pelos quais o atleta tenha sido registrado durante a sua (atleta) carreira.

Assim, a partir de maio de 2015, somente os clubes em que determinado atleta tenha sido registrado é que poderiam ostentar a condição de legítimo titular de todo ou parte dos Direitos Econômicos do respectivo atleta.

À época, e até a efetiva formalização do status em que se encontra o instituto dos Direitos Econômicos, muito se discutiu sobre a possibilidade de os atletas serem titulares de seus próprios Direitos Econômicos.

Inegável é o fato de que seria, no mínimo, curioso diagnosticar que o atleta se enquadra como terceiro em relação à transferência de seu próprio vínculo para outro clube.

No dia 26 de junho de 2018, então, a FIFA anunciou importantes decisões, sobre o tema, proferidas pelo Comitê Disciplinar da entidade máxima do futebol.

Em síntese apertada, tais decisões estabeleceram que os atletas não são considerados “terceiros” em relação aos seus próprios Direitos Econômicos.

Vale salientar que, nessa mesma oportunidade, a FIFA aproveitou para advertir e punir algumas das partes envolvidas no tocante à influência de terceiros nas transferências de atletas.

No intuito de sedimentar o recente entendimento de que os atletas não são considerados terceiros de seus próprios Direitos Econômicos, a FIFA, então e assim, por meio do seu RSTP, expressamente passou a prever que é proibido ceder todo ou parte dos Direitos Econômicos de determinado atleta para algum terceiro, sendo que a figura do terceiro restou conceituada conforme abaixo.

Third party: a party other than the player being transferred, the two clubs transferring the player from one to the other, or any previous club, with which the player has been registered.

Ou seja, até o momento imediatamente anterior à Circular nº 1464, os clubes podiam negociar livremente os Direitos Econômicos dos atletas de futebol com qualquer terceiro, sendo que, a partir de 01 de maio de 2015 e até a oficialização do corrente entendimento da FIFA, houve incerteza jurídica sobre a possibilidade ou não de que os atletas fossem titulares de seus próprios Direitos Econômicos.

Em meados de 2018, contudo, a FIFA já sinalizava que mudanças ocorreriam no sentido de formalizar a impossibilidade de se considerar os atletas como terceiros em relação aos respectivos Direitos Econômicos.

A partir de 01 de junho de 2019, pois, os atletas estão formalmente “autorizados” pela entidade máxima do futebol a ostentar a condição de titular de seus próprios Direitos Econômicos.

A verdade é que grande e principal justificativa da FIFA para, em 2015, proibir que terceiros fossem titulares de Direitos Econômicos era a de primar pela finalidade desportiva das transferências em detrimento da finalidade econômica.

No entanto, muito provavelmente pelo comportamento do mercado, a mesma FIFA viu-se compelida a redefinir o rol de quem seria considerado “terceiro” em relação aos Direitos Econômicos dos atletas.

O fato de, hoje, os atletas passarem a ser legítimos possíveis titulares de seus próprios Direitos Econômicos é muito interessante porque estabelece uma espécie de equilíbrio e meio-termo sobre quem são os “terceiros” e, assim, também concede maior poder de negociação para clubes menos abonados.

Isso porque se, por um lado, alguns clubes não conseguem alcançar o mesmo patamar de remuneração oferecido por outros clubes, tais clubes com menor potencial de investimento podem negociar parte dos Direitos Econômicos com o próprio atleta.

Tal possibilidade acaba trazendo para o horizonte dos clubes não apenas a figura de um novo “parceiro”, mas também faz com que o atleta possivelmente venha a empenhar-se ainda mais em sua performance desportiva.

Em suma, se a relação construída entre as partes for efetivamente saudável, clubes e atletas tornam-se “sócios” em uma espécie de negócio que ambos têm o mesmo objetivo e que, se alcançado, perfectibilizará uma relação onde todos os envolvidos, ao final, ganham.


¹ Gestor do Esporte e Advogado, Pós-Graduado em Gestão do Esporte, Marketing Esportivo e Direito Desportivo, Especialista em Gestão de Futebol e em Gestão de Clubes de Futebol,   Coordenador Regional do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD), Membro da Comissão Especial de Legislação e Direito Desportivo (CELDD) da OAB/RS, Sócio Fundador, Presidente Executivo e Coordenador-Geral do Núcleo de Gestão do Esporte do Instituto Riograndense de Gestão e Direito Desportivo (IRGDD),Ex-Auditor da Primeira Comissão Disciplinar do TJD de Futebol do Rio Grande do Sul, Ex-Auditor Presidente da Comissão Disciplinar e Auditor do Pleno do Tribunal de Justiça Desportiva de Rugby do Rio Grande do Sul.