Adriene Hassen¹
Membro Filiada ao Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD)
O presente artigo tem por finalidade pontuar, sem exaurir o complexo tema, o recente posicionamento da Justiça Desportiva, mais precisamente da Procuradoria do Superior Tribunal de Justiça Desportiva da Confederação Brasileira de Futebol, ao reproduzir a decisão do Supremo Tribunal Federal nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADO) 26 e do Mandado de Injunção (MI) 4733, por meio da Recomendação nº 001/2019.
A Corte Constitucional determinou que atos de homofobia e transfobia devem ser enquadrados como tipo penal definido na Lei do Racismo (Lei nº 7.716/1989) até que sobrevenha legislação autônoma, editada pelo Congresso Nacional.
Importante salientar que este artigo não adentrará em questões como a regulação de condutas por meio do Direito Penal, visto este como último recurso, em contrapartida à adoção de políticas públicas de combate a LGBTfobia; tampouco, se correta ou não a tipificação da conduta pelo Supremo como racismo social; sequer, ainda, na discussão entre a criação de precedente que permita ao STF criminalizar condutas não tipificadas pelo Poder Legislativo e a necessidade de estabelecimento de normas ante a morosidade legislativa; pontos estes que geram divergências de posicionamentos, inclusive dentro do movimento LGBT.²
O Código Brasileiro de Justiça Desportiva, por força do §1º do seu artigo primeiro, tem como jurisdicionados:
I – as entidades nacionais e regionais de administração do desporto;
II – as ligas nacionais e regionais;
III – as entidades de prática desportiva, filiadas ou não às entidades de administração mencionadas nos incisos anteriores;
IV – os atletas, profissionais e não-profissionais;
V – os árbitros, assistentes e demais membros de equipe de arbitragem;
VI – as pessoas naturais que exerçam quaisquer empregos, cargos ou funções, diretivos ou não, diretamente relacionados a alguma modalidade esportiva, em entidades mencionadas neste parágrafo, como, entre outros, dirigentes, administradores, treinadores, médicos ou membros de comissão técnica;
VII – todas as demais entidades compreendidas pelo Sistema Nacional do Desporto que não tenham sido mencionadas nos incisos anteriores, bem como as pessoas naturais e jurídicas que lhes forem direta ou indiretamente vinculadas, filiadas, controladas ou coligadas.
O CBJD tipifica como conduta infracional, passível de ser atribuída aos entes e pessoas acima elencados, a prática de atos discriminatórios em virtude da origem étnica, raça, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência³.
Contudo, assim como constatado no ordenamento jurídico pátrio, inexiste a tipificação específica de condutas discriminatórias em razão da orientação sexual (Lésbicas, Gays e Bissexuais) ou identidade de gênero (Transsexuais).
Neste cenário, utilizando-se do mecanismo da interpretação analógica, tal qual feito pelo STF, e, em observância à determinação da FIFA para adoção de procedimentos que combatam a ocorrência de comportamentos discriminatórios durante as partidas de futebol, bem como que o STJD do Futebol, firmou entendimento quanto a tipificação e culpabilidade de atos considerados discriminatórios em razão da opção sexual pelo artigo 243-G do CBJD, em Recomendação nº 001/2019, a Procuradoria Geral do STJD da CBF aconselhou a partir de 19/08/2019 que:
“os árbitros, auxiliares e delegados das partidas relatem na súmula e/ou documentos oficiais dos jogos a ocorrência de manifestações preconceituosas e de injúria em decorrência de opção sexual por torcedores ou partícipes das competições, devendo os oficiais das partidas serem orientados da presente recomendação, bem como, cumpram todas as determinações regulamentares aplicáveis em vigor;
os Clubes e Federações realizem campanhas educativas junto aos torcedores, atletas e demais partícipes das competições com o fim de evitar a ocorrência de infrações desta natureza, o mais breve possível.”
As medidas recomendadas ainda corroboram com a norma contida no item 13[fusion_builder_container hundred_percent=”yes” overflow=”visible”][fusion_builder_row][fusion_builder_column type=”1_1″ background_position=”left top” background_color=”” border_size=”” border_color=”” border_style=”solid” spacing=”yes” background_image=”” background_repeat=”no-repeat” padding=”” margin_top=”0px” margin_bottom=”0px” class=”” id=”” animation_type=”” animation_speed=”0.3″ animation_direction=”left” hide_on_mobile=”no” center_content=”no” min_height=”none”][4] do Código Disciplinar da FIFA de 2019, que tipifica como ato discriminatório passível de punição aqueles praticados por motivos de raça, cor da pele, etnia, origem nacional ou social, gênero, deficiência, orientação sexual, idioma, religião, posicionamento político, poder de compra, local de nascimento ou por qualquer outro status ou motivo.
Assim, a Recomendação em questão, da mesma forma, esclareceu o tipo infracional em que se deve enquadrar o agente praticante de conduta discriminatória em razão da orientação sexual ou identidade de gênero, tendo, outrossim, o condão de afastar qualquer divergência sobre a possível aplicação do artigo 191, II do CBJD (por afronta ao item 13 do Código Disciplinar da FIFA de 2019).
Abordando-se ainda a atribuição da prática da LGBTfobia no âmbito do espetáculo futebolístico, traz-se o artigo 13-A da Lei Nº 10.671/2003 em que se prevê a realização do tipo pelos torcedores dos clubes, público das partidas.
Referido artigo do Estatuto do Torcedor dispõe:
Art. 13-A. São condições de acesso e permanência do torcedor no recinto esportivo, sem prejuízo de outras condições previstas em lei: (Incluído pela Lei nº 12.299/2010).
(…)
V – não entoar cânticos discriminatórios, racistas ou xenófobos;
(…)
VIII – não incitar e não praticar atos de violência no estádio, qualquer que seja a sua natureza;
(…)
Nesse contexto ainda, imprescindível que se faça um esclarecimento. O supracitado artigo 243-G traz em seu §2º:
§ 2º A pena de multa prevista neste artigo poderá ser aplicada à entidade de prática desportiva cuja torcida praticar os atos discriminatórios nele tipificados, e os torcedores identificados ficarão proibidos de ingressar na respectiva praça esportiva pelo prazo mínimo de setecentos e vinte dias.
Assim, em análise sistêmica da normativa, tem-se na parte destacada da norma a extrapolação da competência atribuída ao CBJD pelo próprio legislador, levando-se a não-aplicação do que está evidenciado.
Isso porque, o já apresentado artigo 1º, §1 do Código elenca, em rol taxativo, os seus jurisdicionados, determinando-se o alcance da aplicação das normas do STJD.
Deste modo, uma vez não constando o torcedor no rol, não há que permitir atribuição de sanção a ele, exclusivamente em virtude da realização do tipo previsto pelo artigo 243-G do CBJD, sendo, contudo, aplicável a sanção prevista pelo Estatuto do Torcedor que deverá tramitar na esfera do direito comum.
A partir desta análise, nos termos deste §2º, em sendo praticada por torcedores a conduta tipificada, apenas a entidade de prática desportiva poderá ser penalizada no âmbito do CBJD.
Da mesma forma como os demais ramos do Direito, o Desportivo regula relações entre sujeitos que se encontram em constante movimento, sendo imperioso que se acompanhe a evolução da sociedade sob pena de se tornar ineficaz.
O grande ponto a ser aclamado no destacado movimento do STJD do Futebol e da sua Procuradoria é a compreensão da sua função social enquanto entidade intrinsecamente ligada à prática do Esporte, e, a partir daí, utilizando do seu poder formador de opinião, promover não apenas a tipificação de condutas, mas a conscientização/educação dos partícipes do espetáculo desportivo (entidades, atletas, torcedores) sobre o verdadeiro sentido de proteção da dignidade da pessoa humana, de RESPEITO!
¹ Advogada; Coordenadora Regional do IBDD – Centro-Oeste; Procuradora do STJD da CBF.
² BARTHOLO, Raquel. Entrevista.
³ Art. 243-G do CBJD.
[4]13. Discriminação
1. Qualquer pessoa que tente contra a dignidade ou integridade de um país, pessoa ou grupo de pessoas que use palavras ou ações depreciativas, discriminatórias ou vexatórias (por qualquer meio) por motivos de raça, cor da pele, etnia, origem nacional ou social, gênero, deficiência, orientação sexual, idioma, religião, posicionamento político, poder de compra, local de nascimento ou por qualquer outro status ou motivo serão sancionados com uma suspensão que durará pelo menos dez partes ou um determinado período ou com qualquer outro ação disciplinar apropriada.
2. Se um ou mais seguidores de uma federação ou clube adotarem a conduta descrita na seção 1, as seguintes medidas disciplinares poderão ser impostas à federação ou ao clube responsável.
a) a) no caso do primeiro crime, a disputa de uma partida com um número limitado de espectadores e uma multa de pelo menos 20.000 francos suíços.
b) no caso de reincidência ou se as circunstâncias do caso exigirem, medidas disciplinares como a implementação de um plano de prevenção, multa, dedução de pontos, disputa de um ou mais jogos a portas fechadas, a proibição de jogar em uma É determinado, uma perda por desistência ou renúncia, a exclusão de uma competição ou a descida de categoria.
3. O órgão judicial competente pode citar as pessoas que foram diretamente sujeitas à suposta conduta discriminatória a dar oralmente ou por escrito uma declaração sobre o impacto que o incidente teve em suas vidas, denominada “declaração de impacto sobre a vítima”.
4. Exceto em circunstâncias excepcionais, se o árbitro decretar a suspensão definitiva da partida por conduta racista e / ou discriminatória, a derrota será declarada por renúncia ou retirada.
[/fusion_builder_column][/fusion_builder_row][/fusion_builder_container]