COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL DA JUSTIÇA DESPORTIVA: UMA BREVE RELEMBRANÇA MATERIAL

Rafael Teixeira Ramos¹

Membro Filiado ao Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD)

O art. 217, § 1º, da CF/88 apresenta a delimitação material da competência da Justiça Desportiva: “disciplina e competições desportivas”, conhecidas também como matérias puramente, tipicamente, meramente esportivas. Este dispositivo prevê ainda o esgotamento (exaurimento) das instâncias da Justiça do Desporto.

Em uma exceção ao princípio da infastabilidade da jurisdição (art. 5⁰, XXXV, da CF/88), o princípio estabelecido pelo Poder Constituinte Originário chamado exaurimento (esgotamento) da Justiça Desportiva concebe um pressuposto processual constitucional ao vedar que se movemente o Poder Judiciário antes de se percorrer todos os órgãos judicantes desportivos.

Em seguida o art. 217, § 2º da CF/88 determina o liame temporal de judicatura da Justiça do Desporto ao minudenciar o prazo máximo de sessenta dias para a Justiça Desportiva proferir decisão final contados da instauração do processo, que se ultrapassados, permitem o ajuizamento de querelas de “disciplina e competições desportivas” no Poder Judiciário.

O princípio da judicatura prévia e temporária de sessenta dias assenta uma garantia mínima à Justiça Desportiva no exercício de sua competência material (disciplina e competições desportivas) outorgada pela Constituição.

Dificuldade maior sempre foi saber os limites dos vocábulos “disciplina e competições desportivas”, teriam interpretações endógenas (restritas) ou exógenas (extensivas)? Parece clarificada que a meta do Poder Constitutinte Originário sempre foi resguardar que os conflitos sobre as matérias tipicamente desportivas fossem solucionadas no ambiente doméstico das instituições desportivas, é o caso das violações às regras do jogo.

Nessa matriz, é competência da Justiça Desportiva com a proteção dos princípios do esgotamente (exaurimento) e da judicatura prévia e temporária de suas instâncias as matérias “relativas à disciplina e às competições desportivas” que sejam unicamente endógenas (restritas), ou seja, sempre que estejam em causa conflitos de natureza estritamente disciplinar das regras do jogo e de organização interna das competições esportivas.

Desse modo, diante dos termos acima destacados, qualquer matéria exógena que extrapole os sutis limites restritivos poderá sofrer controle do Poder Judiciário antes mesmo do esgotamento das instâncias da Justiça do Desporto e do seu prazo de sessenta dias. São exemplos clarividentes os conflitos sobre as eleições em federações desportivas por se referirem ao tema associativismo civil e disputa de reserva de espaço em estádios por entidades de práticas desportivas através de convênio ou licitação com o Poder Público, sendo claramente querelas de competência do Poder Judiciário (arts. 92 a 126, da CF/88; arts. 44, caput, I, 53 a 61, do CC; arts. 21 a 24, 26 a 27-A, da Lei n. 9.615/98).

A disputa de espaços para torcedores em estádios públicos ou privados entre clubes sob qualquer tipo de contratação, ainda que envolvendo federações, é de competência exclusiva e originária do Poder Judiciário (Caso Fluminense x Vasco da Gama no campeonato carioca de 2019).

O mesmo sucede com supostas fraudes, irregularidades, violações estatutárias e legais em eleições de federações que não podem ser apreciadas pela Justiça Desportiva, pois são de competência exclusiva e originária do Poder Judiciário, exemplo do que ocorreu com o afastamento de dirigentes na Federação Paraibana de Futebol em 2018 pela Justiça Comum.

Nessa esfera, em caso recente, o Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol de Salão (STJDFS) jamais teria competência para afastar o presidente da Federação do Rio Grande do Norte de Futsal, suspender as eleições, anular assembleia geral extraordinária e determinar interventor na entidade, pois transgride frontalmente os princípios da unidade, harmonização, concordância prática das normas constitucionais relacionadas ao equilíbrio das fronteiras das competências do Poder Judiciário e da Justiça Desportiva.

Pensar divergente do esposado nesta breve nótula, seria conceder interpretação muito elastecida à competência material da Justiça Desportiva contida nos §§ 1⁰ e 2⁰ do art. 217, da CF/88, e transformar o que deveria ser uma exceção ao princípio da inafastabilidade jurisdicional (art. 5⁰, XXXV, da CF/88) em uma desordenada usurpação da competência exclusiva e originária dos órgãos do Poder Judiciário (arts. 92 a 126, da CF/88).         

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¹ Professor de Direito da Faculdade Luciano Feijão (FLF); Doutorando em Ciências Jurídico-Empresariais; Mestre em Ciências Jurídico-Laborais; Pós-graduado em Direito do Desporto Profissional pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC); Titular da Cadeira n. 48 da Academia Nacional de Direito Desportivo (ANDD).