AS CONSTANTES ALTERAÇÕES DOS REGULAMENTOS ATINENTES AO INTERMEDIÁRIO: Segurança ou insegurança jurídica?

PEDRO ARRUDA ALVIM WAMBIER

Membro Filiado ao Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD)

Nos últimos anos, a regulamentação acerca da função de agentes de jogadores tem sido constantemente modificada. Mais precisamente desde 2015, quando a FIFA extinguiu a figura do Agente FIFA e descentralizou a regulamentação e o licenciamento da função para cada associação nacional, alterando o nome para Intermediário de Futebol.

A partir disso, cada associação nacional – no caso do Brasil, a CBF – teve de formular seus próprios regulamentos para a função de Intermediário e elaborar seus próprios sistemas de licenciamento. Isso gerou, de certa forma, um alto nível de “experimentos”, uma vez que novas determinações, imposições e limitações têm sido criadas e, com o tempo, testadas pelo próprio mercado. Consequentemente, os regulamentos têm sido constantemente renovados para buscar se adequar àquilo que o mercado pede, retirando coisas que não funcionaram, alterando aquelas que precisavam de adaptações e incluindo novas regras.

Além disso, a própria FIFA, por ainda estar se adaptando à nova sistemática do mercado (com a ausência do TPO), tem, não raro, estudado alterar elementos importantes dos seus regulamentos no que se refere à atuação dos intermediários, gerando a angústia destes.

Neste breve artigo, analisaremos ambos os âmbitos de regulamentação (FIFA e CBF), quais são as alterações que têm sido feitas ultimamente e se elas têm sido benéficas ou não aos intermediários. É evidente que, pelo menos na teoria, elas vêm para melhorar o sistema e o mercado – mas será que por gerarem uma certa instabilidade não acabam ocasionando uma falta de segurança jurídica?

  1. REGULAMENTOS FIFA

No âmbito internacional, grande exemplo dessa instabilidade jurídica é a gama de reflexos que o fim do TPO gerou. Em maio de 2015, a FIFA determinou que “third parties”, ou seja, terceiros, não poderiam mais deter direitos econômicos dos atletas. No entanto, naquele momento, os terceiros foram conceituados como todo aquele que não os clubes participantes da negociação, e um antigo clube no qual o atleta tenha atuado no passado. Isso gerou a ira da classe dos atletas, que – com razão – não poderiam jamais ser considerados terceiros em uma situação que trata dos direitos que nascem do seu próprio reflexo econômico.

Assim, após inúmeros debates, quatro anos após essa mudança, a FIFA resolveu voltar atrás. No seu regulamento divulgado em 1º de junho de 2019, devolveu ao atleta envolvido na negociação a possibilidade de ser proprietário dos seus próprios direitos econômicos. A entidade o fez retificando o conceito de terceiro no glossário do Regulation on the Status and Transfer of Players:

14.

Third party: a party other than the player being transferred, the two clubs transferring the player from one to the other, or any previous club, with which the player has been registered.

Na nossa opinião, portanto, a FIFA apenas corrigiu um erro, pois jamais poderia ter considerado o principal foco da transação como um terceiro em relação à mesma. O próximo passo para corrigir este grande equívoco (a extinção do TPO), é a regulamentação da propriedade de direitos econômicos por terceiros – consideramos que sua extinção não foi a melhor solução, uma vez que a presença de terceiros investidores no futebol tem muitos benefícios e, se bem regulamentada e fiscalizada, pode funcionar muito bem.

Além disso, frequentemente a FIFA ameaça implementar significativas novidades e modificações em seus regulamentos. Em meados de setembro de 2019, a entidade apresentou uma série de propostas elaboradas por um comitê interno (Football Stakeholders Comittee, ou Comitê de Partes Interessadas no Futebol), as quais foram encaminhadas para aprovação do FIFA Council (mas até a data atual – Fevereiro de 2020 – ainda não entraram em vigor). São elas:

  • Estabelecimento de um limite para comissões, para evitar práticas excessivas e abusivas
  • Limitação da representação múltipla para evitar conflitos de interesse
  • Reintrodução de um sistema de licenciamento obrigatório para os agentes elevarem os padrões profissionais
  • Criação de uma câmara de compensação da Fifa, para garantir transparência financeira
  • Estabelecimento de sistema eficaz de resolução de disputas da Fifa para tratar de disputas entre agentes, jogadores e clubes
  • Divulgar e publicar todo o trabalho relacionado a agentes e transferências, visando aumentar a transparência, melhorar a credibilidade do sistema de transferência e apoios a implementação de novos regulamentos¹

Dentre elas, boa parte se refere à atuação do intermediário. A primeira seria a criação da FIFA Clearing House, ou Câmara de Compensação. Ela seria responsável por diversos procedimentos relacionados aos agentes. Primeiramente, a volta do agente FIFA, o que seria um verdadeiro reconhecimento de que a novidade que buscaram instaurar não funcionou. A descentralização da regulamentação e do licenciamento da função de intermediário veio, inicialmente, com o objetivo de permitir que as associações nacionais, por estarem mais próximas da realidade do mercado de seu país, pudessem regulamentá-los atendendo as especificidades próprias de cada um.

No entanto, muitas coisas não deram certo, dentre elas a dificuldade de se cobrar comissões em associações diferentes – antes, qualquer agente FIFA poderia reclamá-las nos próprios órgãos da entidade, mas com essa descentralização, as cobranças devem ser feitas no órgão devido de cada entidade nacional, o que gerou inúmeras dificuldades aos intermediários que buscavam seus direitos em países completamente diferentes do seu. Assim, por meio da Câmara de Compensação, a FIFA retomaria o controle da regulamentação, licenciamento e atuação dos agentes, prometendo, inclusive, aplicar medidas de educação permanente a estes, sob risco de perda da licença.

Além disso, a criação dessa Câmara serviria para intermediar toda e qualquer transação internacional envolvendo atletas, clubes e intermediários, centralizando e simplificando os pagamentos associados à transação, tais como o pagamento da solidariedade, as comissões dos agentes, a training compensation, e o valor referente aos direitos econômicos provenientes da transação. Assim, todo e qualquer pagamento de comissão a agentes deveria ser feito por meio da Câmara, a qual também seria responsável por solucionar eventuais problemas dessa natureza, como atrasos ou inadimplementos. Essa possível mudança é vista com bons olhos pela classe dos agentes, pois resolveria o problema da dificuldade de se cobrar as comissões não pagas na entidade nacional do futebol de cada país.

Já não se pode dizer o mesmo a respeito da possibilidade de limitação das comissões pagas aos agentes. Elas poderão sofrer pesadas restrições caso as propostas do comitê sejam aprovadas. A ideia é estabelecer tetos: 10% no caso do clube vendedor, 3% pelo clube comprador e 3% pela remuneração do atleta. Assim, o agente que realizou a transferência representando o clube comprador, poderia ter apenas 3% do valor total da transferência pago como comissão, e, o agente que atuou em nome do clube vendedor, por sua vez, teria direito a, no máximo, 10%. O agente do atleta negociado teria seu pagamento limitado a 3% da remuneração do mesmo. Como consequência disso, pretende a FIFA limitar a representação múltipla, ou seja, restringir que o mesmo agente atue em mais de uma ponta no mesmo negócio, evitando que sua remuneração ultrapasse o teto imposto.

Evidentemente que essa possibilidade tem gerado a ira da classe dos agentes. No dia 22 de janeiro deste ano, uma reunião entre os principais agentes do mundo, em Londres, serviu para firmar o posicionamento destes contra as propostas apresentadas pelo Football Stakeholders Comittee, da FIFA. A classe alega que uma limitação dessa não pode ser imposta, por ir de encontro a importantes conceitos da legislação da Comunidade Europeia, tais como a livre circulação de serviços, mercadorias, pessoas e capitais. Caso aprovada, os agentes ameaçam tomar as medidas legais cabíveis perante o Tribunal da Comunidade Europeia.

Além disso, alegam a falta de diálogo e de expertise da entidade máxima do futebol para tratar do assunto. Na visão dos agentes, a regulamentação deveria ser mais rígida também para os clubes, que muitas vezes firmam contratos de comissionamento, não pagam, e deixam os agentes de mãos atadas, pois não podem acioná-los judicialmente sob risco de prejudicar o relacionamento que tem com os dirigentes do clube inadimplente.

Consideramos válido a entidade criar mecanismos de transparência como a criação da Câmara de Compensação para buscar evitar casos em que comissões efetivamente abusivas são pagas a agentes. No entanto, ao limitar a porcentagem, se está impondo um limite à remuneração por uma prestação de serviço, algo que não é razoável. Além disso, afetaria inúmeros agentes que trabalham de forma honesta e correta e muitas vezes recebem realmente um valor generoso, mas por terem feito apenas um bom trabalho em uma operação complexa, tendo méritos para tanto.

  • REGULAMENTOS CBF

Em âmbito nacional, a Confederação Brasileira de Futebol também tem, por diversas vezes, mostrado falta de convicção na edição de seus regulamentos. Desde 2015, quando foi expedido o primeiro Regulamento Nacional de Intermediários, todo ano diversas alterações são realizadas, gerando uma certa dose de insegurança jurídica nos intermediários a ela filiados.

Cabe ressaltar que muitas das modificações trazidas pela CBF têm sido resultado de sugestões dos próprios intermediários – o que é muito louvável por parte da entidade, pois abre espaço para a classe se manifestar sobre aquilo que não está funcionando e propor mudanças.

A mais recente – e certamente benéfica aos intermediários – foi o aumento do prazo máximo do contrato de representação de dois para três anos. Essa certamente é merecedora de elogios, pois foi fruto de reivindicações da própria classe de intermediários, que acabou sendo acatada pela entidade e incluída na edição de 2020 do Regulamento Nacional de Intermediários.

No entanto, há itens como o reconhecimento de firma das assinaturas dos contratos, a exibição no sistema da data de vigência dos contratos de representação, a forma de envio dos documentos para obtenção do licenciamento, a sistemática referente ao Anexo 3 (documento de comprovação de recebimento de remuneração diante de uma transferência), etc., que são frequentemente modificados, deixando, por vezes, muitos intermediários verdadeiramente perdidos diante de tantas repentinas alterações.

Por si só, o fato de modificar regulamentos não é um mal. O mercado é dinâmico, a realidade do direito também é dinâmica. No entanto, é evidente que isso, quando realizado de forma desmedida, gere insegurança e perda de credibilidade por parte do órgão que elabora o texto. No caso do Regulamento Nacional de Intermediários, é compreensível que, por ser uma novidade, ainda seja necessário testar certas medidas para que, ao final, se chegue na melhor situação para todos os lados – mas, por vezes, certas modificações mostram-se desnecessárias.

  • CONCLUSÃO

Para fins de conclusão, este breve artigo buscou demonstrar mudanças que ocorreram, ocorrem e poderão ocorrer nos regulamentos atinentes à função de intermediário, tanto em âmbito da FIFA como da CBF.

A crítica construtiva às entidades se deve não à tentativa de melhorar o sistema – o que eu genuinamente acredito que exista e que seja a intenção de ambas – mas à insegurança gerada pelas constantes alterações nos regulamentos. É compreensível, no entanto, que por ser tudo muito novo, seja necessário que boa parte das iniciativas sejam testadas no dia-a-dia do mercado.

LINKS RELEVANTES

https://www.fifa.com/about-fifa/who-we-are/news/fifa-and-football-stakeholders-recommend-cap-on-agents-commissions-and-limit-on-

https://www.fifa.com/about-fifa/who-we-are/news/football-stakeholders-endorse-landmark-reforms-of-the-transfer-system

https://globoesporte.globo.com/futebol/futebol-internacional/noticia/principais-agentes-de-futebol-ameacam-ir-a-justica-contra-a-fifa-por-limite-em-comissoes.ghtml

https://www.uol.com.br/esporte/futebol/ultimas-noticias/2020/01/22/fifa-anuncia-reforma-para-regulamento-dos-agentes-de-futebol.htm

https://fcbusiness.co.uk/news/fifa-lays-out-agent-loan-recommendations/
https://fcbusiness.co.uk/news/fifa-lays-out-agent-loan-recommendations/

https://www.reuters.com/article/us-soccer-fifa/stakeholders-recommend-cap-on-agents-commissions-limit-on-loans-fifa-idUSKBN1WA1U1


¹ Disponível em: https://www.fifa.com/about-fifa/who-we-are/news/fifa-and-football-stakeholders-recommend-cap-on-agents-commissions-and-limit-on-