Renato Renatino Pires Ferreira Santos e
Caio Medauar
Membros filiados ao Instituto Brasileiro de Direito Desportivo
O advento do Estatuto do Torcedor, em 2003, propunha maior estabilidade nas competições, incentivando a criação de competições com regulamentos estáveis e critérios técnicos para definição das equipes participantes.
Contudo, é comum que nas principais competições de futebol no país, e no mundo, ocorram alterações no horário ou no dia das partidas, o que pode gerar reclamações de torcedores, principalmente daqueles que compram suas entradas com antecedência. Em um primeiro momento pode-se imaginar que tais práticas seriam abusivas.
Contudo, dispõe o Estatuto do Torcedor, em seu art. 5º¹, que as entidades de administração deverão publicar em seu site a íntegra do regulamento da competição, bem como sua tabela, contendo as partidas que serão realizadas, com especificação de sua data, local e horário, por ser um direito do torcedor a publicidade e transparência na organização das competições.
Na mesma linha, o art. 9º² exige que o regulamento, as tabelas da competição, e o nome do Ouvidor sejam divulgados até 60 (sessenta) dias antes de seu início, concedendo prazo, exclusivamente, para eventuais manifestações com relação ao regulamento, que deverá ser publicado, em definitivo, com 45 (quarenta e cinco) dias de antecedência do efetivo início da competição.
Sendo assim, no que tange à publicidade e transparência exigíveis pelo Estatuto do Torcedor, não há qualquer previsão específica com relação à impossibilidade de alteração de tabela de competição após sua publicação. Ou melhor dizendo, nem ao menos se confere prazo para discussão de tabela, desde sua publicação pela entidade de administração do desporto.
O que se vê, apenas, é a possibilidade de alteração do regulamento da competição em caso de manifestações aceitas pelo Ouvidor, conforme disposto no art. 9º do Estatuto do Torcedor.
Soma-se a isso o fato de que o §5º do art. 9º³ veda, expressamente, a alteração do regulamento, salvo em duas hipóteses dispostas em rol taxativo, não mencionando qualquer situação relativamente às tabelas.
Ora, uma vez que o Estatuto do Torcedor é omisso com relação à modificação da tabela, e não encontramos qualquer vedação em qualquer outra legislação, pressupõe-se, portanto, sua legalidade, com base no princípio constitucional insculpido no art. 5º, II[fusion_builder_container hundred_percent=”yes” overflow=”visible”][fusion_builder_row][fusion_builder_column type=”1_1″ background_position=”left top” background_color=”” border_size=”” border_color=”” border_style=”solid” spacing=”yes” background_image=”” background_repeat=”no-repeat” padding=”” margin_top=”0px” margin_bottom=”0px” class=”” id=”” animation_type=”” animation_speed=”0.3″ animation_direction=”left” hide_on_mobile=”no” center_content=”no” min_height=”none”][4] da Constituição Federal, c/c com o princípio da autonomia desportiva, consagrado tanto no inciso I do art. 217[5] da mesma Carta Magna, como no inciso II do art. 2º da Lei 9.615/98[6].
No mesmo sentido, é fundamental ter noção de que organização de tabelas e da competição são atribuições específicas das entidades desportivas e do sistema do desporto, os quais estão inseridos no contexto de Lex Sportiva, ou seja, das normas próprias do desporto.
Neste sentido, não verificamos qualquer vedação legal para a modificação de tabela de competição pela entidade de administração do desporto após sua publicação, em observância aos artigos 5º e 9º do Estatuto do Torcedor.
Evidentemente, não se trata de um salvo conduto ou uma regra absoluta, sobretudo diante da vigência no Brasil, de um Código de Defesa do Consumidor com normas bastante protetivas com relação a cláusulas e práticas abusivas, igualmente com amparo constitucional (inciso XXXII do art. 5º, incido V do art. 170 e art. 48 do ADCT, todos da CF/88[7]).
Para se resguardar os interesses de consumidores e torcedores, é fundamental que as regras contidas nos regulamentos e normas federativas sejam claras, e respeitem a razoabilidade.
Neste sentido o Regulamento Geral de Competições da CBF traz uma disciplina específica no art. 16[8], no qual franquia aos interessados (Clube mandante, a Federação mandante e a emissora detentora dos direitos de televisão), a alteração, respeitando-se o prazo de 10 dias de antecedência entre o pleito e a efetiva data de realização.
Assim, há critérios objetivos para a alteração das partidas e previsão de prazo, tudo no interesse da competição.
Na mesma linha, as normas da Federação Paulista de Futebol, por seu Regulamento Geral de Competições, prevê expressamente no artigo 3º que “Caberá ao DCO, sem prejuízo das atribuições dispostas no Estatuto e Regimento Interno da FPF: I Coordenar as Competições e fazer cumprir as normas vigentes e estatutárias; Elaborar e cumprir os regulamentos e tabelas de Competições, designando datas, horários e locais das partias, promovendo ainda alterações quando necessário (…)”.
Além disso, todas as tabelas publicadas pela Federação Paulista de Futebol e seu Departamento de Competições, como no caso do Campeonato Paulista Profissional Série A1 – 2020, além da possibilidade de requerimento de alterações peça equipe mandante, apresentam disposição expressa nos seguintes termos: “As partidas poderão sofrer alterações, por solicitação das redes de tv, ou pela polícia militar por medida de segurança.” (anexo).
Em ambos os exemplos, tanto a CBF como a FPF preveem expressamente em seus Regulamentos e normas a possibilidade de modificação da tabela de acordo com a necessidade, bem como, fazendo a ressalva na própria tabela publicada, que poderá ser objeto de alteração por pleito das redes de tv ou polícia militar.
Diante deste cenário, não vislumbramos qualquer obste ou infração legal neste sentido. Muito pelo contrário, foi dada a devida publicidade ao ato praticado, com a publicação da tabela e dos regulamentos nos prazos exigidos pelo Estatuto do Torcedor, e com as mudanças respeitando regras previamente estabelecidas em tais regulamentos.
Apenas para reforçar a conclusão pela legalidade das alterações, e fazendo um exercício de hermenêutica e analogia, o artigo 16[9] do Estatuto Torcedor exige que a entidade de administração do desporto confirme com 48h de antecedência o horário e local de realização da partida em que a definição das equipes dependa de resultado anterior, o que demonstra que o legislador se preocupou com algumas situações específicas, mas não impedindo qualquer alteração de tabela.
Além disso, uma vez respeitado o quanto previsto no art. 20 do Estatuto do Torcedor[10], que exige que as entidades de prática desportiva iniciem a venda dos ingressos com pelo menos 72h de antecedência, não vemos obste ou possíveis prejuízos aos clubes e seus torcedores, por tratar-se de prazo razoável para eventuais modificações.
Por fim, deve-se mencionar a possibilidade de ocorrência de situações excepcionais que obriguem os organizadores a realizar alterações, como recomendações das autoridades de segurança, problemas na praça de desporto (exemplo da enchente na região do Morumbi em São Paulo), em sua maioria para garantir a segurança e/ou o conforto dos torcedores, situações em que, muitas vezes, não respeitarão os prazos predefinidos, sem que isso gere qualquer ilegalidade.
Assim, concluímos pela legalidade
da alteração das tabelas de competições, sempre que cumpridas as exigências
legais previstas nos arts. 5º e 9º do Estatuto do Torcedor, no que tange à
publicação de seus regulamentos e tabelas nos prazos exigidos em lei, e desde
que tais normas tragam regras claras e razoáveis.
¹ Art. 5o São asseguradas ao torcedor a publicidade e transparência na organização das competições administradas pelas entidades de administração do desporto, bem como pelas ligas de que trata o art. 20 da Lei no 9.615, de 24 de março de 1998.
§ 1o As entidades de que trata o caput farão publicar na internet, em sítio da entidade responsável pela organização do evento: (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010).
I – a íntegra do regulamento da competição; (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010).
II – as tabelas da competição, contendo as partidas que serão realizadas, com especificação de sua data, local e horário; (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010).
III – o nome e as formas de contato do Ouvidor da Competição de que trata o art. 6o;
² Art. 9o É direito do torcedor que o regulamento, as tabelas da competição e o nome do Ouvidor da Competição sejam divulgados até 60 (sessenta) dias antes de seu início, na forma do § 1o do art. 5o. (Redação dada pela Lei nº 12.299, de 2010).
§ 1o Nos dez dias subseqüentes à divulgação de que trata o caput, qualquer interessado poderá manifestar-se sobre o regulamento diretamente ao Ouvidor da Competição.
³ § 5o É vedado proceder alterações no regulamento da competição desde sua divulgação definitiva, salvo nas hipóteses de:
I – apresentação de novo calendário anual de eventos oficiais para o ano subseqüente, desde que aprovado pelo Conselho Nacional do Esporte – CNE;
II – após dois anos de vigência do mesmo regulamento, observado o procedimento de que trata este artigo.
[4] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
[5] CF/88 – Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados:
I – a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento;
[6] Lei 9615/98
Art. 2o O desporto, como direito individual, tem como base os princípios: (…)
II – da autonomia, definido pela faculdade e liberdade de pessoas físicas e jurídicas organizarem-se para a prática desportiva;
[7] CF/88 – Art. 5º (…)
XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;
(…)
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
(…)
V – defesa do consumidor;
(…)
ADCT – Art. 48. O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor.
[8] Art. 13 – As tabelas das competições somente poderão ser modificadas se obedecidas as seguintes condições:
I – encaminhamento formal de solicitação à DCO pela parte interessada, observado que:
a) são consideradas partes diretamente interessadas o Clube mandante, a Federação mandante e a emissora detentora dos direitos de televisão;
b) faz-se necessária, em quaisquer dos casos, a análise prévia e aprovação por parte da DCO.
II – entrega da solicitação referida no inciso I com, pelo menos, 10 (dez) dias de antecedência em relação à data da programação original da partida.
III – em solicitações de alteração de horário de partida dentro do mesmo dia, e de local da partida (estádio), desde que na mesma cidade, o prazo para solicitar poderá ocorrer com, pelo menos, 5 (cinco) dias de antecedência em relação à data da programação da partida.
§ 1º – Não será autorizada (i) a inversão do mando de campo ou (ii) que uma equipe mande a partida no estádio habitualmente utilizado pela equipe adversária.
§ 2º – Havendo transferência da partida para outro Estado, cada Federação fará jus à taxa de 5% (cinco por cento) sobre a renda bruta da partida.
§ 3º – Todas as despesas de partida que eventualmente for transferida para outro Estado deverão ser arcadas pelo Clube mandante, conforme estabelece o art. 80 deste RGC.
§4º – Em caso de transferência de partida para outro Estado, o Clube mandante deverá obter, por escrito, a aprovação e concordância de todos os envolvidos, a saber: a Federação ao qual está filiado, a Federação anfitriã e o Clube visitante, cabendo à DCO o poder de veto, levando em conta os aspectos técnicos e logísticos envolvidos.
§5º – Não será autorizada a transferência de partida para outro Estado nos últimos 5 (cinco) mandos de campo de cada Clube em competições de pontos corridos e nas últimas quatro fases de competições de caráter eliminatório (mata-mata).
[9] Art. 16. É dever da entidade responsável pela organização da competição:
I – confirmar, com até quarenta e oito horas de antecedência, o horário e o local da realização das partidas em que a definição das equipes dependa de resultado anterior;
[10] Art. 20. É direito do torcedor partícipe que os ingressos para as partidas integrantes de competições profissionais sejam colocados à venda até setenta e duas horas antes do início da partida correspondente.
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