Wanderson Martins Rocha¹
Membro filiado ao Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD)
Em julgamento na última quinta-feira 05/02/2020, com a relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, o Supremo Tribunal Federal (STF), julgou improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 6193, ajuizada pela Procuradoria Geral da República (PGR), que questionava a Lei Estadual nº 10.524/2017 de Mato Grosso, que permite a venda e o consumo de bebidas alcoólicas nos estádios e nas arenas de futebol.
A PGR e grande parte daqueles que defendem a proibição da venda de bebidas alcoólicas nos estádios e arenas esportivas, sustentam que a proibição está inserida no artigo 13-A que a Lei Federal nº 10.671/2003 mais conhecida como Estatuto do Torcedor, que assim dispõem:
“Art. 13-A. São condições de acesso e permanência do torcedor no recinto esportivo, sem prejuízo de outras condições previstas em lei:
(…)
II – não portar objetos, bebidas ou substâncias proibidas ou suscetíveis de gerar ou possibilitar a prática de atos de violência. ” (grifos nossos)
Conforme os defensores da proibição, apesar do dispositivo não trazer a expressão bebida alcoólica, deve ser interpretado como tal, pois, segundo eles, episódios de violência devem ser afastadas de bebidas como água, sucos e refrigerantes, sobrando apenas para as bebidas alcoólicas a capacidade de gerar ou possibilitar a violência e além de entenderem que o Estatuto do Torcedor traz a proibição, ainda teríamos uma questão formal, uma vez que a “proibição” está inserida em lei federal aprovada no âmbito do Congresso Nacional, não existe a possibilidade do Estado elaborar lei em sentido contrário.
Ao contrário dos defensores acima, data vênia, compartilho do entendimento do STF e entendo que a ação movida pela PGR deve ser julgada improcedente.
Primeiro porque, da simples leitura do dispositivo de lei é possível verificar que ela não proíbe a venda e o consumo de bebidas alcoólicas nos estádios ou arenas desportivas e se assim o que quisesse deveria o legislador trazer expressamente.
Cabe relembrar que a proibição foi expressamente prevista no artigo 10 do Projeto de Lei nº 451/1995 ², que antecedeu o Estatuto do Torcedor, contudo, apesar de prevista no Projeto de Lei, tal proibição não foi inserida no atual e vigente texto.
Segundo porque, sobre o tema consumo de produtos, a constituição brasileira adotou a competência concorrente³, a qual compete à União estabelecer normas gerais e à legislação Estadual por meio de suas respectivas leis complementar a norma.
Assim, entendo que deve o legislador estadual, complementando a regra trazida pelo Estatuto do Torcedor, considerando suas tradições e especificidades locais, definir quais bebidas devem ser proibidas e consumidas pelos frequentadores de estádios e arenas esportivas.
Sem adentrar no aspecto econômico que a venda e consumo de bebidas alcoólicas podem gerar, ao analisar as legislações estaduais que visam “regulamentar” o consumo de bebidas alcoólicas, todas seguem a premissa da maioria dos grandes eventos esportivos no mundo e escolhem permitir a venda e o consumo de bebidas com baixo teor alcoólico, normalmente cerveja e chop, e ainda, determinam os locais e a forma de venda e consumo, demonstrando assim, a clara preocupação em inibir a violência.
Considerando legítima a preocupação daqueles que defendem a proibição das bebidas alcoólicas dentro dos estádios e arenas esportivas, temos que, nos aspectos práticos, tal proibição não garante a inexistência e nem mesmo impede episódios de violência.
Aliás, entendo ser exatamente ao contrário, pois devido a proibição, os torcedores permanecem nos arredores dos eventos esportivos, consumindo bebidas de altíssimos teor alcoólico adentrando aos locais das partidas minutos antes do início das partidas, totalmente embriagados, causando verdadeiras confusões e desordens já fora dos estádios.
Assim, todas a leis estatuais que visem autorizar e regulamentar a venda e o consumo de bebidas alcoólicas dentro dos estádios e arenas esportivas, que levam em consideração as tradições locais e a preocupação em inibir e impedir as práticas de violência, não devem mais ser questionadas em sua constitucionalidade.
Parabéns ao Supremo Tribunal Federal !!!
¹ Advogado, Sócio da Moises & Rocha Sociedade de Advogados; Coordenador da Comissão de Direito Desportivo da OAB – 102ª Subseção Santo Amaro/SP – Gestão 2016/2018; Presidente do Conselho Fiscal do São Paulo Futebol Clube – Gestão 2017/2019; Auditor e Procurador em Tribunais de Justiça Desportiva; Diretor Tesoureiro da OAB – 102ª Subseção Santo Amaro/SP – Gestão 2019/2021
² “Art. 10. É proibida, nos dias de jogos ou de competições esportivas, a venda e comercialização de bebidas alcoólicas dentro dos recintos onde elas estejam ocorrendo, bem como nas imediações do local, dentro de uma distância de mil (1000) metros.” PL 451/1995,
de autoria do Deputado Arlindo Chinaglia – https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=15471
³ Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
V – produção e consumo;
§ 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.