Fabrício Trindade de Sousa¹
Membro filiado ao Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD)
A pandemia do denominado Corona vírus – COVID-19 está acarretando mudanças substanciais nas relações de trabalho, mormente para aqueles setores cuja opção de eventual teletrabalho/home office é inviável, gerando temor, legítimo, de falência de empresas e consequente desemprego em massa.
O Governo Federal editou a Lei nº 13.979 de 06/02/2020, dispondo sobre medidas que poderão ser tomadas caso haja cenário de crise epidêmica como isolamento, quarentena, restrição excepcional e temporária de entrada e saída do país, estados ou cidades. Quando da edição final do presente texto, ainda não havia sido decretado qualquer tipo de obrigatoriedade em relação à restrição de trânsito de pessoas, bem como a quarentena ou isolamento, salvo para os casos que são considerados suspeitos ou confirmados como portadores do COVID-19.
São Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Federal² também editaram Decretos determinando o fechamento de centros comerciais, academias, bares e outros locais passíveis de aglomerações ou trânsito considerável de pessoas. As competições desportivas, em âmbito nacional e estadual, salvo raras exceções, estão suspensas.
Os impactos para as relações de trabalho são imediatos e, por conseguinte, têm demandado esforço dos estudiosos do Direito do Trabalho para implementação de soluções nunca antes pensadas, mormente considerando que o legislador também nunca cogitou um cenário de possível paralisação integral das atividades que não estão relacionadas à cadeia produtiva da área de saúde e subsistência das pessoas, ainda que mediante racionamento de bens e serviços.
Digno de nota, conforme notícias divulgadas reiteradamente, que não é somente o ambiente de trabalho que coloca em risco a saúde do trabalhador, mas também a utilização do transporte público, reforçando a possibilidade de paralisação total de várias atividades econômicas.
Considerando as particularidades de cada atividade, bem como eventuais medidas restritivas de circulação a serem emanadas das autoridades públicas, será impositiva a reorganização do trabalho ou até mesmo a paralisação temporária da atividade empresarial.
Para enfrentar tais desafios, alguns magistrados trabalhistas já divulgaram suas primeiras reflexões³, sugerindo, em síntese:
- Teletrabalho (home office) – com a ressalva da flexibilização da exigência de anuência do empregado;
- Férias coletivas – com a ressalva da ausência de necessidade de cumprimento rígido dos prazos fixados em lei, mas subsistindo a obrigação de inserção do sindicato em tal iniciativa;
- Interrupção do contrato, nos termos do artigo 61, §3º da CLT;
- Redução de salário e consequente redução de jornada. Importante ressaltar, salvo disposição em contrário da Medida Provisória anunciada pela imprensa[fusion_builder_container hundred_percent=”yes” overflow=”visible”][fusion_builder_row][fusion_builder_column type=”1_1″ background_position=”left top” background_color=”” border_size=”” border_color=”” border_style=”solid” spacing=”yes” background_image=”” background_repeat=”no-repeat” padding=”” margin_top=”0px” margin_bottom=”0px” class=”” id=”” animation_type=”” animation_speed=”0.3″ animation_direction=”left” hide_on_mobile=”no” center_content=”no” min_height=”none”][4], que a redução salarial deve ser feita através de Acordo ou Convenção coletiva. Na hipótese de recusa do Sindicato, é possível submeter a iniciativa ao Poder Judiciário.
- Suspensão de contratos mediante bolsa de aprendizagem: Hipótese do artigo 476-A, da CLT, condicionada a acordo coletivo ou convenção coletiva.
- Revezamento de trabalhadores mediante acordo coletivo ou convenção coletiva são indispensáveis.
- Rescisão de contratos por motivo de força-maior, às expensas das autoridades governamentais que paralisaram atividades (art. 486, caput e parágrafo 1 da CLT). Nas palavras do Ministro Alexandre Agra Belmonte[5]: Em tese e por força de lei, de forma objetiva a paralisação de atividades decorrente de ato governamental pode levar ao custeio, pela autoridade administrativa, da suspensão ou rescisão dos contratos.”
O Governo Federal também sinalizou a possibilidade de antecipação de feriados não religiosos e suspensão da obrigação do recolhimento do FGTS.
É assustador verificar, ao menos em análise superficial, que das opções acima, a única hipótese de efetiva possibilidade de implementação, no âmbito do desportivo laboral, seria conceder férias coletivas (A F1 antecipou a pausa de verão)[6].
Em que pese ser possível, em tese, que atletas permaneçam treinando em suas residências, tal treinamento se limitaria ao condicionamento físico e, ainda assim, de qualidade questionável, dada a limitação de equipamentos e profissionais. Em síntese, não se cogita de teletrabalho. Não se pode olvidar, outrossim, que o fechamento das academias também pode impactar ou impossibilitar a manutenção do condicionamento físico dos atletas.
A interrupção do contrato, nos termos do artigo 61, §3º da CLT também não é factível. A ausência de jogos e treinamentos não é “recuperável” com mais horas de treinos ou realização de dois ou mais jogos no mesmo dia ou em dias intercalados.
No mesmo diapasão, não se cogita reduzir jornada, dada a recomendação de não realização de treinos, o que também impacta na possibilidade de redução de salários. Cogitar-se-ia da rescisão contratual prevista no art. 486, caput e §1º da CLT, entretanto, tal modalidade rescisória deveria abranger a integralidade do elenco, não se cogitando eleger um ou mais empregados em detrimento dos outros. Por certo que não é de interesse dos clubes, ao menos dos clubes de futebol profissional, tal iniciativa.
Imperioso constatar que no âmbito desportivo os desafios das relações trabalhistas são ainda mais graves, não apenas em razão da limitação de alternativas legislativas para enfrentar o atual momento, como também em face das seguintes premissas: a) precária condição financeira da maioria dos clubes de futebol brasileiro e consequente agravamento de tal condição diante da suspensão das competições; b) Corolário do item anterior, há diversos clubes brasileiros inseridos em atos de execução concentrada nos Tribunais Regionais do Trabalho, de modo que além das obrigações trabalhistas com o atual elenco, também precisam honrar tais créditos judiciais; c) provável fuga/rescisão de contratos por parte dos patrocinadores sob alegação de caso fortuito ou força maior. Relevante notar que diversos programas de cobertura esportiva estão sendo suspensos, reforçando o prejuízo do patrocinador; d) provável suspensão ou interrupção dos pagamentos dos direitos de transmissão sob o mesmo argumento; e) queda de arrecadação para os clubes e entidades de administração do desporto por força da suspensão das competições; f) provável exigência de nova pré-temporada ou período de retorno aos treinos antes do reinício das competições, mormente diante da perspectiva temporal de aproximadamente 20 (vinte) semanas para combater a pandemia[7], sob pena de exposição dos atletas a riscos elevados de lesões.
Não seria exagero presumir que se já estivesse vigente o PL n.º 5.082/16, nos termos da redação enviada ao Senado Federal, a grande maioria dos clubes buscariam a recuperação judicial como medida imediata para enfrentar os desafios atuais, nem tanto pela eficácia da medida, mas como única solução para suspensão imediata de parte de suas obrigações.
As soluções até aqui pensadas foram amparadas em premissas que não vivenciamos agora. Precisamos de medidas urgentes e temporárias, voltadas, exclusivamente, para enfrentar a crise atual. A inércia da FAAP – Federação das Associações de Atletas Profissionais em promover medidas em benefício dos atletas é inaceitável, mormente considerando o volume de recursos que recebe e gerencia. Os atletas podem e devem cobrar medidas imediatas.
A exemplo do que fizeram outros setores da economia, salutar refletir sobre a possibilidade de uma ajuda financeira por parte das entidades de administração do desporto, em âmbito nacional e internacional[8], sem impedir que tal apoio também venha dos Governos Federal e Estadual[9].
Em paralelo, não nos parece absurdo, por exemplo, advento de acordo coletivo que discipline as relações trabalhistas enquanto perdurar a suspensão das competições, conforme a realidade de cada clube e respectivos atletas, cogitando-se, ilustrativamente, das seguintes hipóteses: a) suspensão do pagamento ou redução do salário com a fixação de condições para o pagamento dos valores residuais no futuro; b) prorrogação do contrato de trabalho pelo período da suspensão das competições, com acréscimo ou não do provável novo período de pré-temporada (a hipótese do artigo 28, §§7º e 8º da Lei 9.615/98 não se enquadra no momento atual); c) manutenção de despesas médicas, plano de saúde ou serviço médico fornecido pelo clube enquanto perdurar a suspensão; d) Para os atletas que possuem contratos com prazos menores, abrangendo apenas os campeonatos estaduais (principalmente de clubes que sequer disputam a série D), a prorrogação do contrato até o fim do campeonato, sem obrigação de pagamento de salários além dos contratualmente ajustados, mormente considerando que, partindo da premissa que os direitos de transmissão de tais campeonatos já forma integralmente pagos, é provável (o clube pode depender de outras receitas, como bilheteria, patrocínios, etc) que os respectivos clubes honrem o pagamento da integralidade das obrigações trabalhistas;
As alternativas acima são mera exemplificação da eficácia da ferramenta do acordo coletivo, que tem a particularidade de se adaptar a cada caso, conforme a realidade de atletas e clubes.
No tocante à cessão de uso da imagem, caso não exista previsão contratual, razoável e proporcional, diante do momento atual, que atleta e clube assinem termo aditivo suspendendo a obrigação de pagamento de tal parcela enquanto perdurar a suspensão das competições, bem como definindo se o contrato será prorrogado pelo mesmo prazo.
O cenário é devastador e demanda soluções criativas, inovadoras, solidárias e, principalmente, coletivas, com a participação do Estado, de representantes dos atletas, clubes empregadores e entidades de administração do desporto.
¹ Fabrício Trindade de Sousa é advogado e administrador de empresas, sócio do escritório Amorim Trindade, Kanitz & Russomano Advogados, Mestrando em Direito, Pós-Graduado em Processo Civil, Pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho, membro fundador da Academia Nacional de Direito Desportivo – ANDD, membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo – IBDD, Membro do Instituto Goiano de Direito do Trabalho.
² https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/03/18/coronavirus-bruno-covas-determina-fechamento-do-comercio-em-sp-ate-5-de-abril.ghtml?utm_source=push&utm_medium=app&utm_campaign=pushg1; acesso em 19.03.2020 – Decreto Estadual do Estado do Rio de Janeiro de nº 46.966 de 11/03/2020, e Decreto Municipal da cidade do Rio de Janeiro nº 47.246 de 12/03/2020; https://www.istoedinheiro.com.br/decreto-do-governo-do-df-determina-fechamento-de-shopping-feiras-e-clubes/ – acesso em 19.03.2020
³ Ministro do Tribunal Superior do Trabalho Alexandre de Souza Agra Belmonte – “Como juridicamente enfrentar, em sede trabalhista, os efeitos do coronavirus”; Juiz do Trabalho Fabiano Coelho de Souza “Informativo Professor Fabiano Coelho n.º 10/2020, de 17/03/2020 – Edição Especial – Coronavírus (COVID-19) e o Direito do Trabalho.
[4] https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/03/18/em-programa-antidesemprego-governo-propoe-reducao-proporcional-de-salarios-e-jornada.ghtml
[5] Ministro do Tribunal Superior do Trabalho Alexandre de Souza Agra Belmonte – “Como juridicamente enfrentar, em sede trabalhista, os efeitos do coronavirus”
[6] https://globoesporte.globo.com/motor/formula-1/noticia/coronavirus-fia-antecipa-ferias-das-equipes-da-f1-e-deixa-agosto-livre-para-corridas-adiadas.ghtml – acesso em 18/03/2020.
[7] https://www.em.com.br/app/noticia/nacional/2020/03/17/interna_nacional,1129802/mandetta-teremos-em-torno-de-20-semanas-extremamente-duras.shtml – acesso em 18.03.2020
[8] https://www.infomoney.com.br/negocios/ifood-cria-fundo-de-r-50-milhoes-para-restaurantes-e-injeta-r-600-milhoes-em-capital-de-giro/ acesso em 19.03.2020;
[9] https://jornaleconomico.sapo.pt/noticias/covid-19-governo-esta-disponivel-para-lancar-linha-de-credito-de-100-milhoes-de-euros-para-apoio-as-empresas-554540 acesso em 19.03.2020;
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