Filipe Orsolini Pinto de Souza¹
Membro Filiado ao Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD)
Pela Circular nº 1417, de 30 de abril de 2014, a FIFA publicou o seu Regulations on Working With Intermediaries (“RWWI”), no contexto da decisão da entidade de conduzir profundas reformas no sistema de agentes de jogadores. Com início de vigência previsto para 01 de abril de 2015, o novo documento, que substituiria os “agentes” pelos “intermediários”, impactaria significativamente o mercado do futebol.
Realmente, o impacto do novo marco regulatório foi contundente, entretanto, a resistência prevaleceu sobre a aceitação, com muitas críticas mesmo antes do encerramento da vacatio legis. Os questionamentos se acentuaram quando as suas regras se tornaram de observância obrigatória, evidenciando obstáculos intransponíveis para o funcionamento do mercado do futebol.
Não é despiciendo lembrar que as associações nacionais foram convidadas a elaborar os seus próprios regulamentos de intermediários, lastreados nas regras gerais estabelecidas pela FIFA. No Brasil, a CBF editou o Regulamento Nacional de Intermediários (“RNI”).
Como outrora anunciado, as regras trazidas para disciplinar a atividade dos Intermediários não funcionaram, haja vista que a própria FIFA, responsável pela sua concepção, passou a reconhecer publicamente o equívoco na criação do novo sistema.
Em 20 de abril de 2018, a FIFA recebeu um grupo de agentes de diversas localidades para promover uma revisão construtiva e colaborativa do sistema de intermediários vigente desde 2015.
Outros encontros foram realizados até que, em 25 de setembro de 2018, o FIFA Football Stakeholders Committee anunciou os princípios sobre os quais passaria a trabalhar em um pacote de reformas do sistema de transferência, incluindo o seguinte:
New and stronger regulations for agents to be established with agreement on the principle of introducing compensation and representation restrictions, payment of agents’ commissions through the clearing house and licensing and registration of agents through the Transfer Matching System. The development of these proposals also followed a lengthy consultation process with a representative group of agents.
Naturalmente que a necessária profunda reforma no sistema de intermediários, ainda mais inserida em um contexto amplo de reforma do sistema de transferência, não traria a imediata edição de um novo regulamento.
Um ano depois do anúncio, o FIFA Football Stakeholders Committee publicou as principais medidas a serem adotadas para “proteger a integridade do sistema e prevenir abusos”, dedicando tópico aos Intermediários.
As medidas são extremamente relevantes inclusive para a remuneração dos intermediários, a seguir:
– estabelecimento de teto para as comissões dos agentes, sendo 10% do preço de transferência para os agentes dos clubes que estão liberando os seus jogadores, 3% sobre a remuneração dos jogadores para os seus agentes e 3% sobre a remuneração dos jogadores para os agentes dos clubes que estão contratando os jogadores;
– limitação da múltipla representação para evitar conflito de interesses.
Outra novidade anunciada é o retorno do sistema obrigatório de licenciamento de agentes, com medidas educacionais e desenvolvimento profissional continuado. Ao que parece, não restará sequer a denominação “intermediário”.
Além dos limites indicados para a remuneração dos agentes, pretende-se que todos os pagamentos das comissões sejam feitos por meio do FIFA Clearing House, que está em desenvolvimento para concentrar o recebimento e distribuição de valores devidos entre os stakeholders do futebol.
De fundamental importância, as medidas ainda incluem a criação de um efetivo sistema de resolução de disputas entre agentes, jogadores e clubes, ao passo que, atualmente, a FIFA excluiu os referidos litígios da competência dos seus órgãos de resolução de disputas.
Em 24 de outubro de 2019, o FIFA Council aprovou as medidas sugeridas pelo FIFA Football Stakeholders Committee, indicando que o texto do novo regulamento deveria ser publicado no final de 2020, para vigência somente no ano de 2021.
Não obstante o advento do COVID19 possa ter influência nas previsões de publicação e vigência das novas regras relativas às atividades dos intermediários do futebol, as bases sobre as quais o seu conteúdo deve ser construído já estão em discussão pelo mercado.
Indubitavelmente que, até o presente momento, em que ainda são desconhecidas outras regras do vindouro sistema de agentes, o principal objeto das críticas é a limitação das comissões. Se, outrora, quando editou o RWWI, a FIFA sugeriu o teto de 3% para as comissões a serem cobradas pelos agentes, agora o faz obrigatório em determinadas hipóteses, ensejando arrazoados debates sobre a sua compatibilidade com os princípios das leis da União Europeia.
As movimentações dos agentes e das associações de agentes de futebol ao redor do mundo demonstram que, invariavelmente, o teto será objeto de disputa nas cortes europeias, tão logo o novo marco regulatório seja apresentado ao mercado.
De qualquer forma, até que se tenha uma decisão que reconheça o descabimento da restrição, as operações envolvendo clubes e jogadores terão que se adaptar às regras vigentes.
Concebido pelo insucesso do sistema de intermediários, o novo marco regulatório dos agentes, que ainda se conhece somente pelas premissas estabelecidas, já enseja muita discussão sobre a juridicidade das restrições anunciadas, bem como sobre os desafios comerciais daqueles que, no desempenho de função essencial ao mundo do futebol, sempre foram livres para construírem os seus negócios.
Referências
https://www.fifa.com/mm/document/affederation/administration/02/33/57/54/circularno.1417-newregulationsonworkingwithintermediaries_neutral.pdf acessado em 08/05/2020, às 12:55.
https://www.fifa.com/who-we-are/news/fifa-and-football-stakeholders-recommend-cap-on-agents-commissions-and-limit-on- acessado em 08/05/2020, às 12:58.
https://www.fifa.com/who-we-are/news/football-stakeholders-endorse-landmark-reforms-of-the-transfer-system acessado em 08/05/2020, às 13:25.
https://www.fifa.com/who-we-are/news/fifa-takes-the-first-step-for-the-establishment-and-operation-of-the-fifa-cleari acessado em 08/05/2020, às 13:43.
¹ Mestre em Direito Desportivo Internacional pelo Instituto Superior de Derecho y Economia – ISDE (Espanha), Pós-Graduado em Direito Desportivo pela Escola Superior de Advocacia da OAB/SP, Pós-Graduado em Direito Empresarial pela FGV, graduado pela FACAMP – Faculdades de Campinas, Participante do Programa de Negociação da Harvard Law School Executive Education, Presidente da Comissão de Direito Desportivo da OAB Subsecção Campinas/SP, membro da Comissão de Direito Desportivo da OAB Seção São Paulo, Conselheiro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo – IBDD, membro do ISDE Sports Law Alumni e Membro da Association Internationale des Avocats du Football – AIAF. Advogado Sócio de Brocchi e Souza Sociedade de Advogados.