Transexualidade no Esporte: Homens Transexuais no Futebol

Por Adriene Hassen¹

Membro filiada ao Instituto Brasileiro de Direito Desportivo

Marcelo Nascimento Leandro², cresceu na cidade de Sete Lagoas/MG e herdou de seu pai, ex-jogador profissional, a paixão pelo futebol.

Iniciou no esporte aos 10 anos, treinando juntamente à equipe masculina de um clube de sua cidade, não lhe sendo permitido, entretanto, participar de competições, por não se enquadrar na categoria. Aos 14 anos recebeu o convite para ser atleta de uma equipe feminina de futsal na cidade de Governador Valadares/MG.

A partir de então, a carreira de Marcelo no futebol feminino refletiu todo seu empenho e qualidade técnica, alcançando 3 títulos mundiais pela seleção feminina de futsal, estando entre as 10 melhores jogadoras do mundo por 3 anos.

Em 2013 decidiu ingressar no futebol de campo feminino, com passagens por vários clubes brasileiros, e, ainda, uma experiência internacional no Spartak da Sérvia, oportunidade em que disputou uma Champions League. Já no ano de 2018 retornou ao Brasil, jogando pelo time feminino do Corinthians, campeão Brasileiro daquele ano.

Apesar de estar no auge de sua carreira, há alguns anos Marcelo vinha se sentindo incomodado com a inadequação entre sua aparência biológica à sua percepção de gênero, lidando constantemente com o impasse entre seguir no futebol feminino ou iniciar o tratamento hormonal afastando-se dos campos.

Ainda no ano de 2018, Marcelo sofreu o pico do seu quadro depressivo, chegando a ser internado em um hospital psiquiátrico, tendo perdido, ainda, a oportunidade da representar a seleção feminina de futebol de campo.

Em agosto de 2019, decidido a iniciar a sua transição hormonal, Marcelo rescindiu seu contrato com o Corinthians e retornou à cidade natal para iniciar o procedimento de hormonização.

No mês de janeiro deste ano de 2020, sob os cuidados de uma equipe médica, Marcelo começou o tratamento que é composto por injeções de substâncias que são transformadas em testosterona no organismo, além da realização de exames periódicos para acompanhamento da evolução clínica, aliado ao treino físico para desenvolvimento de massa muscular.

Após seis meses de tratamento, Marcelo apresenta aumento de pelos pelo corpo, acréscimo de massa muscular, majoração do apetite, redistribuição de gordura corpórea, aumento da libido, mudança de voz, dentre outras alterações, e, planeja para este segundo semestre de 2020 a realização de mastectomia masculinizadora.

Desde que retornou à Sete Lagoas/MG (até o início da pandemia do coronavirus) Marcelo pratica crossfit, musculação e futebol entre os amigos, tudo com o intuito de retornar aos campos na categoria masculina, iniciando por campeonatos amadores na cidade.

Inicialmente, faz-se necessário um breve esclarecimento acerca da transexualidade. Por Maria Berenice Dias³:

A identificação do sexo é feita no momento do nascimento pelos caracteres anatômicos, registrando-se o indivíduo como pertencente a um ou a outro sexo exclusivamente pela genitália exterior. No entanto, a determinação do gênero não decorre exclusivamente das características anatômicas, não se podendo mais considerar o conceito de sexo fora de uma apreciação plurivetorial, resultante de fatores genéticos, somáticos, psicológicos e sociais.

Eventual incoincidência entre o sexo aparente e o psicológico gera problemas de diversas ordens. Além de um severo conflito individual, há repercussões nas áreas médica e jurídica, pois o transexual tem a sensação de que a biologia se equivocou com ele. Ainda que o transexual reúna em seu corpo todos os atributos físicos de um dos sexos, seu psiquismo pende, irresistivelmente, ao sexo oposto. Mesmo sendo biologicamente normal, nutre um profundo inconformismo com o sexo anatômico e intenso desejo de modificá-lo, o que leva à busca de adequação da externalidade de seu corpo à sua alma.

Partindo dessa busca pela adequação da externalidade de seu corpo à sua consciência de ser é que se tem inúmeros casos de atletas, que, como o Marcelo, iniciam tratamentos hormonais e cirurgias de mudança de sexo.

Um dos casos de maior repercussão midiática no esporte brasileiro, mas não o primeiro, foi em 2017, quando a atleta Tifanny Abreu se tornou a primeira jogadora transexual a atuar na Superliga feminina pelo Bauru.

No presente artigo, contudo, abordamos a técnica inversa daquela realizada por Tifanny, qual seja, a transmasculinização. Se trata de caso em que atleta nascido no sexo feminino, mas que, por se identificar psicologicamente com o sexo masculino, decide se submeter a transição física para adequação ao seu consciente.

Ainda sobre a participação de atletas transmaculinizados em competições, no final de junho de 2019 4  foi realizado um amistoso entre equipes compostas exclusivamente por homens trans no Brasil. A partida envolveu o time do Meninos Bons de Bola (MBB) de São Paulo – primeiro time de homens trans do país 5 – e o BigTBoys do Rio de Janeiro – primeiro time desta cidade 6  .

No início deste ano de 2020, foi divulgada amplamente nos meios de comunicação nacional 7  a história de vida e transmasculinização do Marcelo.

Ele ainda enfrentará um cenário incerto para recomeçar sua carreira. Em nota ao GloboEsporte.com 8 a CBF informou a inexistência de experiência neste sentido uma vez que, até o momento do fornecimento do conteúdo, inexistiu provocação formal à entidade no sentido da elegibilidade de um atleta transmasculinizado. Afirmou, ainda, a inexistência de previsão regulamentar sobre o assunto em qualquer esfera do futebol, e, que segue as determinações da FIFA sobre o tem.

A FIFA, por sua vez, ainda em esclarecimentos concedidos ao GloboEsporte.com, apontou que as “situações envolvendo a elegibilidade de atletas transgêneros no futebol são avaliadas pelas associações-membro da Fifa ou pela Fifa (no caso de competições da Fifa) caso a caso”, ainda, que “levando em conta questões como histórico médico, níveis de hormônios sexuais, diagnósticos e descobertas – e que isso será avaliado por um médico especialista e, se for preciso, por um painel independente de médicos especialistas em verificação sexual”.

A Diretoria de Competições da Federação Mineira de Futebol[fusion_builder_container hundred_percent=”yes” overflow=”visible”][fusion_builder_row][fusion_builder_column type=”1_1″ background_position=”left top” background_color=”” border_size=”” border_color=”” border_style=”solid” spacing=”yes” background_image=”” background_repeat=”no-repeat” padding=”” margin_top=”0px” margin_bottom=”0px” class=”” id=”” animation_type=”” animation_speed=”0.3″ animation_direction=”left” hide_on_mobile=”no” center_content=”no” min_height=”none”][9], que exerce jurisdição desportiva sobre os clubes de Sete Lagoas/MG, corrobora o posicionamento na CBF, apontando a inexistência de normativa impeditiva ou permissiva de registro de atleta transmasculinizado à categoria masculina, bem como, não ter havido provocação para referida avaliação.

O direito surge, inicialmente, como meio de controle social, se tornando imprescindível para tutelar as relações entre sujeitos em seus mais diversos vieses.

Com o passar dos séculos, as transformações sociais exigem que lhe sejam atribuídas características que o tornam, cada vez mais, um instrumento de mudança social, sendo, portanto, indissociável da ótica dos direitos humanos o exame dos seus demais âmbitos.

A partir desta análise, a construção de conceitos e normas tuteladas, para que torne o direito eficaz, tem, necessariamente, que acompanhar essa evolução das relações.

Neste aspecto, o estigma e a discriminação vivenciados pela população LGBTQIA+, e, no presente, considerando-se, principalmente transgêneros, têm resultado em graves violações de direitos.

Como não poderia ser diferente, os reflexos dessa “guetização” da população LGBTQIA+ são percebidos também nos esportes, o que deve ser reprimido, primordialmente, ante a observância de sua função social.

Assim, enquanto aguarda o desenrolar da história do Marcelo, a sociedade espera que as entidades de administração do desporto, de forma ágil, encontrem soluções inclusivas às novas necessidades que lhe são apresentadas, todas pautadas no respeito à diversidade.

* O conteúdo do presente artigo não necessariamente representa a opinião do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo – IBDD, sendo de total responsabilidade da Autora deste.


¹Advogada. Coordenadora Regional do IBDD em Brasília. Auditora Suplente do STJD do Futebol.

² LEANDRO, Marcelo. Entrevista.

³http://www.mariaberenice.com.br/manager/arq/(cod2_788)1__transexualidade_e_o_direito_de_casar.pdf, acessado em 15/07/2020 às 12:00.

4 https://midianinja.org/news/bigtboys-o-primeiro-time-de-futebol-organizado-por-homens-trans/,  acessado em 15/07/2020 às 15:48 e https://www.netvasco.com.br/n/234151/depois-de-atuar-no-futebol-feminino-do-vasco-atleta-se-assume-trans-e-hoje-joga-no-1-time-para-homens-trans-do-rj , acessado em 15/07/2020 às 15:58.

5 https://midianinja.org/news/primeiro-time-de-homens-trans-do-pais-reafirma-seu-direito-a-pluralidade/, acessado às 15:48.

6 https://midianinja.org/news/bigtboys-o-primeiro-time-de-futebol-organizado-por-homens-trans/ , acessado às 15:59.

7 https://interativos.globoesporte.globo.com/sp/futebol/materia/a-metamorfose – acessado em 15/07/2020 às 10:00; https://www.espn.com.br/espnw/artigo/_/id/6577744/ex-jogador-do-corinthians-deixa-futebol-feminino-se-assume-trans-e-sonha-em-quebrar-barreira , acessado em 15/07/2020 às 13:00; https://www.meutimao.com.br/noticias-do-corinthians/340013/ex-corinthians-feminino-se-assume-trans-e-sonha-com-carreira-no-futebol-masculino acessado em 15/07/2020 às 12:00; e https://dibradoras.blogosfera.uol.com.br/2_builder_container]