Beline Nogueira Barros¹
Membro Filiado ao Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD)
“Muitas pessoas usam esta analogia, ao dizer que Black Lives Matter é um movimento, mas não é um movimento. Quando você é preto, isso não é um movimento, é um estilo de vida. Nós podemos nos sentar aqui e dizer que é um movimento, ok, quanto tempo este movimento vai durar? Não pare o movimento, não, esta é uma caminhada para a vida toda. Quando você é preto, é assim que a coisa funciona. Tem que ser um estilo de vida, é isso que nós somos.” ² – LeBron James.
“Eu não vou me levantar e mostrar orgulho por uma bandeira de um país que oprime negros. Pra mim, isso é maior do que o futebol americano e seria egoísta da minha parte ver isso de outra forma. Há corpos nas ruas e pessoas escapando de um homicídio.”³ – Colin Kaepernick, ex-quaterback do San Francisco 49ers da NFL – National Football League em 26 de agosto de 2016, no primeiro jogo de pré-temporada contra o Green Bay Packers, onde o mesmo se ajoelhou na hora do hino, se recusando a ficar de pé.
As declarações acima são de grandes astros do esporte e muito fortes, e com um lapso temporal importante. A afirmação do LeBron James, hoje um dos maiores atletas da história do Basquete e da NBA – National Basketball Association, com 72 milhões de seguidores no Instagram e pouco mais de 47 milhões de seguidores no Twitter, é do fim de julho de 2020, pouco antes do retorno da temporada afetada pela Pandemia do Coronavírus Covid-19.
E a declaração e o gesto de se ajoelhar do ex-astro da NFL na hora do hino foi quase que solitária e uma das primeiras de peso no esporte, há quatro anos atrás, e que lhe custou a carreira dentro do Futebol Americano, uma liga formada em sua grande maioria e que sempre teve presidentes brancos. O primeiro negro a presidir um time da NFL foi acontecer somente no ano de 2020 com o ex-running back Jason Wright ao assumir a presidência do recém nomeado Washigton Footbal Team[fusion_builder_container hundred_percent=”yes” overflow=”visible”][fusion_builder_row][fusion_builder_column type=”1_1″ background_position=”left top” background_color=”” border_size=”” border_color=”” border_style=”solid” spacing=”yes” background_image=”” background_repeat=”no-repeat” padding=”” margin_top=”0px” margin_bottom=”0px” class=”” id=”” animation_type=”” animation_speed=”0.3″ animation_direction=”left” hide_on_mobile=”no” center_content=”no” min_height=”none”][4], e isso ocorre apenas um mês depois de a franquia deixar o nome “Readskins”, um nome ofensivo para os nativos americanos.
A NFL foi fundada em 20 de agosto de 1920 e apenas 100 anos depois teve o seu primeiro presidente negro, e possuindo apenas 30% (trinta por cento) dos jogadores da Liga na atualidade brancos, é espantoso que apenas 100 anos depois um presidente seja negro e ex-jogador.
E todo este movimento que estamos vivendo nos esportes americanos nos últimos dias, principalmente na NBA e agora com a NFL depois da estreia da temporada 2020/21, mas que nasceu lá em 2013, com o uso da hashtag #BlackLivesMatter nas redes sociais, após a absolvição de George Zimerman na morte a tiros do adolescente afro-americano Trayvon Martin[5], ganhou peso e discussão no Brasil novamente.
Neymar foi vítima de racismo do zagueiro do Olympique, Álvaro González, que o chamou de “Macaco, filho da puta”, no domingo 13 de setembro de 2020, no dia em que estreava o seu novo patrocinador esportivo após mais de 15 anos com a Nike. E sendo o Neymar a vítima, começou todas as controvérsias em volta de seu nome, que aliás foi antes mesmo do fim da partida, que encerrou com sua expulsão por uma agressão física ao agressor.
Falando ainda do domingo, mas antes desta partida, em outro esporte que o brasileiro sempre amou e no qual um fã de Ayrton Senna, o multicampeão, Lewis Hamilton, foi o vencedor, do GP da Toscana, poderá ser investigado pela FIA (um absurdo diga-se de passagem) pelo protesto pela morte da socorrista americana Breonna Taylor[6]. Ele usou a camiseta com os seguintes dizeres: “Prendam os policiais que mataram Breonna Taylor”. Ademais, merece destaque o fato de que ele é o único piloto negro da Fórmula 1 e critica veementemente a categoria que em sua opinião não leva a luta contra o racismo à sério.
Em números no campeonato brasileiro de futebol de 2020 série A por exemplo, temos mais técnicos estrangeiros hoje do que técnicos negros, sendo eles Wanderlei Luxemburgo e Jair Ventura.
Dentre os inúmeros casos de racismo no esporte em todo Brasil, e por último ao que parece até então, é de Angelo Assumpção[7], ex-atleta do Esporte Clube Pinheiros, que de acordo com o próprio atleta, teria sofrido injúria racial dentro do clube e o Tribunal de Justiça Desportiva abriu Inquérito para apurar os fatos.
Com tantos casos de racismo no esporte e principalmente no futebol, foi criado o “Observatório da Discriminação Racial no Futebol[8]”, com o seguinte objetivo de acordo com o próprio site: “Devido a grande incidência de casos de intolerância racial, o Observatório da Discriminação Racial no Futebol tem o objetivo de monitorar e divulgar, através de seus canais, os casos de racismo no futebol, assim como ações informativas e educativas que visem erradicar a intolerância que tanto macula a democracia das relações sociais.”
Após a criação e a publicação dos relatórios sob a tutela do competentíssimo Marcelo Carvalho, diretor do Observatório, os casos de Racismo no Brasil, ao menos no futebol tem tido repercussão e os debates estão acontecendo. Mas o que chama a atenção é a omissão dos grandes nomes do esporte brasileiro. Por que não se manifestam? Por que os atletas de alto nível não entram nos grandes temas?
No começo do texto citei atletas como LeBron James, Lewis Hamilton e Colin Kaepernick, que hoje é símbolo desta geração na luta contra o racismo, pois é um atleta que perdeu sua carreira pela causa. Esses atletas não se calaram e exigiram que #BlackLivesMatter fizesse sentido e que a causa não parasse. Além destes citados, tantos outros não se calaram, como o Quaterback e MVP da última temporada da NFL, Patrick Mahomes do Kansas City Chiefes.
Em junho deste mesmo ano e no auge da Pandemia, porém, já com retorno de alguns campeonatos de futebol, como a Bundesliga, houve a morte brutal de George Floyd, um homem americano negro e sufocado até a morte por um policial em Minneapolis, outra vez diversos esportistas se manifestaram, com LeBron James puxando a fila da NBA, Hamilton com seus companheiros de Formula 1, na Bundesliga houve diversas manifestações. E mais uma vez vimos o silêncio de grandes nomes do futebol brasileiro, com a exceção de poucos como Vinicius Jr., que mesmo com apenas 20 (vinte) anos começa a se posicionar (em suas redes sociais são algumas publicações pela causa). Mas e Neymar? O seu silêncio foi cobrado[9]!
Talvez o maior atleta norte americano de todos os tempos foi criticado por anos por não se posicionar, a lenda Michael Jordan, e ao que parece foi uma escolha estratégica, pois o atleta chegou a dar entrevistas dizendo que “Republicanos também compram tênis”. Mas o arrependimento chegou e ele buscou reparar diante do momento com uma doação de R$ 100 milhões de dólares para combater o racismo[10].
Vou elencar alguns nomes que lutam contra o racismo por alguns anos, para continuarmos com esse trabalho e ainda pode ser que esqueçamos de alguém, porém, desde já, roga-se perdão pelo eventual lapso. Diogo Silva do Taekwondo; a ex-ginasta Daiane dos Santos; Rafaela Silva do Judô; a eterna Formiga e o goleiro Aranha[11] (vale a leitura deste texto) – ambos do futebol. Importa incluir também o já mencionado jogador, Vinicius Jr. face as citadas publicações recentes, apesar da idade.
Antes da crítica ao posicionamento dos atletas brasileiros ou omissão, devemos entender que vivemos uma democracia mais recente que a dos Estados Unidos e ainda com resquícios de represálias do sistema. No texto indicado logo acima, o goleiro Aranha mesmo em suas palavras trouxe que: “Quem se posiciona no Brasil vai ser perseguido ou cancelado, como é a moda agora. Ninguém protege o atleta que se posiciona; todo mundo cobra, mas ninguém banca. Ele fica abandonado, como eu fiquei”.
Fazendo ainda uma digressão histórica e indo até o fim da escravidão no Brasil, que é recente, mas através de um acordo assinado para libertação e com uma cultura ainda a se entender, e já nos Estados Unidos, com o fim da escravidão um pouco mais antiga que de nosso país, marcada pela guerra civil que teve grandes consequências e a luta pelos direitos civis e a população negra e o seu crescimento enquanto pessoa. Há uma tradição da população negra desde o seu nascimento com o reconhecimento de sua classe e orgulho de sua cor e seu povo, enquanto, ao que parece, não ocorre em nosso país da mesma forma. Somos pacíficos nesse ponto.
Em tempos atuais, smj, não há voz ativa atuando em nosso país, seja na seleção brasileira de futebol ou também em outros esportes, e o que ocorre é isso mesmo, os grandes craques não estão aqui, e com o tempo a própria cultura foi se perdendo, e somada a formação tardia destes atletas muitas vezes com a falta de estudos.
Com uma enorme diferença, já que a formação dos atletas americanos ainda passa muitas vezes (na maioria delas na verdade) pelas universidades, e tão somente depois há a evolução aos níveis profissionais, tem-se portanto o acúmulo de conhecimento e cultura, vivência, que ajuda na tomada de decisões e enfrentamento de questões tão importantes.
Com essa força, ao menos no ano de 2020, observou-se que os atletas da NBA e da NFL tiveram o apoio das ligas, e isso foi um fator preponderante para o sucesso das manifestações. Mas muito do que se fala nas entrevistas aos tabloides americanos é que elas também ou cediam, ou mesmo nem conseguiriam que os campeonatos ocorressem. Portanto, a lição que podemos extrair e que resta claro é a de que: os atletas têm voz! Seja lá, ou aqui. Dentro das 4 linhas todas as atenções estão voltadas para eles.
No Brasil praticamente não há apoio dos Clubes e das Federações, sendo que as atitudes são quase sempre tomadas após um ato de racismo, com a famosa faixa em campo “No racism”, ou “Não ao Racismo”, salvo raras exceções de criatividade do Marketing dos clubes, mas ainda considera-se pouco. Necessitamos de mais.
Não quero então passar a mão na cabeça de nenhum atleta brasileiro, ao apontar todas as dificuldades desta árdua luta, mas deixar as claras, que os atletas negros remam contra a maré, e os poucos que se posicionam ainda são taxados de “problemáticos” e outros adjetivos, mas a luta não pode parar. Mesmo com realidades diferentes dos Estados Unidos e a ausência de líderes, vemos que ainda há uma luz no fim do túnel com os jovens se insurgindo e se posicionando como Vinicius Jr. e Igor Julião, do Fluminense.
Atletas como Neymar poderiam se engajar mais? Sim, deveriam! Atletas como ele são ditam exemplo e são referências para as futuras gerações das crianças de hoje, na medida em que tudo o que ele fala repercute. Somente em seu Instagram são 142 milhões de seguidores.
Os relatórios anuais da discriminação publicados pelo Observatório da Discriminação Racial no Futebol são publicados e estão à disposição sem seu sítio eletrônico[12].
*O conteúdo do
presente artigo não necessariamente representa a opinião do Instituto
Brasileiro de Direito Desportivo, sendo de total responsabilidade do Autor
deste texto.
¹ Advogado, Membro Filiado ao Instituto Brasileiro de Direito Desportivo – IBDD; Pós Graduado em Direito Civil e Direito Empresarial pela Faculdade Damásio de Jesus – SP; Pós Graduado em Direito Desportivo pela Universidade Cândido Mandes; Coordenador do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo – IBDD em Goiás; Membro da Comissão Jovem da Academia Nacional de Direito Desportivo – ANDD; Membro do Conselho Deliberativo da Sociedade Brasileira de Direito Desportivo – SBDD; Coordenador do Curso de Direito do Instituto de Direito Contemporâneo – IDC; Procurador do Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Fisiculturismo – IFBB.
²http://www.hoop78.com/artigos/24/07/2020/lebron_james_diz_que_black_lives_matter_e_um_estilo_de_vida_e_nao_um_movimento . Acesso em 13 de setembro de 2020.
³ http://espn.com.br/noticia/626033_estrela-da-nfl-protesta-em-hino-dos-eua-nao-vou-me-orgulhar-de-um-pais-que-oprime-negros . Acesso em 13 de setembro de 2020.
[4] https://globoesporte.globo.com/futebol-americano/noticia/washington-anuncia-jason-wrightque-sera-o-primeiro-negro-a-presidir-um-time-da-nfl.ghtml . Acesso em 13 de setembro de 2020.
[5] http://g1.globo.com/mundo/noticia/2013/07/ex-vigia-e-absolvido-de-acusacoes-pela-morte-de-jovem-negro-nos-eua.html . Acesso em 17 de setembro de 2020.
[6] https://globoesporte.globo.com/motor/formula-1/noticia/hamilton-pode-ser-investigado-pela-fia-apos-homenagear-americana-morta-pela-policia.ghtml . Acesso em 17 de setembro de 2020.
[7] https://globoesporte.globo.com/ginastica-artistica/noticia/tribunal-esportivo-abre-inquerito-para-apurar-denuncias-de-racismo-e-abuso-moral-na-ginastica-do-pinheiros.ghtml acesso em 17 de setembro de 2020.
[8] https://observatorioracialfutebol.com.br/ acesso em 17 de setembro de 2020.
[9] https://veja.abril.com.br/esporte/esportistas-se-unem-em-protestos-raciais-neymar-e-cobrado-por-omissao/ acesso em 17 de setembro de 2020.
[10]https://veja.abril.com.br/esporte/michael-jordan-doa-100-milhoes-de-dolares-para-combater-o-racismo/ acesso em 17 de setembro de 2020.
[11] https://observatorioracialfutebol.com.br/ninguem-protege-o-atleta-que-se-posiciona-diz-ex-goleiro-aranha/ acesso em 18 de setembro de 2020.
[12] https://observatorioracialfutebol.com.br/observatorio/relatorios-anuais-da-discriminacao/ acesso em 18 de setembro de 2020.
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