REFLEXÃO SOBRE A APLICABILIDADE DA LEI DE INCENTIVO PARA OS ATLETAS DE MODALIDADES INDIVIDUAIS

Tarcísio Miranda Bresciani¹

O presente artigo, fruto do estudo da Lei nº 11.438/06, regulamentada pelo Decreto Lei nº 6.180/07, comumente denominada como Lei de Incentivo ao Esporte, tem como escopo a reflexão sobre quem serão os sujeitos beneficiados por esta Lei.

A constatação que o esporte seria uma forma de inclusão social, bem como que através deste seria possível potencializar a formação do indivíduo e, por consequência, impactar na formação de uma sociedade, foram fatores primordiais para o legislador incluir na Constituição Federal de 1988, o artigo 217, que garantiu a cada indivíduo o direito à prática esportiva.

Observando os principais pontos para inserção de tal garantia constitucional, o legislador fez questão de enfatizar que a destinação de recursos públicos para o esporte seria prioritária para o desporto educacional e, em casos específicos, para o desporto de alto rendimento.

No mais, antes de adentrar ao tema, válido trazer a subdivisão e os conceitos de esporte mencionados no artigo 3º da Lei nº 9.615/98, no qual se divide o esporte em: desporto educacional, de participação, rendimento e formação. O primeiro diz respeito ao desporto praticado nas escolas; o segundo se enquadra no desporto não formal; o terceiro corresponde ao desporto profissionalizado; e o quarto, por sua vez, trata-se da formação do indivíduo, com ênfase no aperfeiçoamento qualitativo e quantitativo da prática desportiva.

Para maior esclarecimento, e de forma objetiva, pontuo que o desporto educacional tem por finalidade o desenvolvimento integral do indivíduo e sua formação focada ao exercício da cidadania e à prática do lazer; e o desporto de rendimento tem por finalidade a obtenção de resultados e integração de pessoas e comunidades ao redor do mundo.

O desporto de rendimento subdivide-se em modo profissional e não profissional, sendo o não profissional identificado pela liberdade de prática, ou seja, sem regras de uma organização, bem como pela inexistência de contrato de trabalho, sendo permitido o recebimento de incentivos materiais e de patrocínio (artigo 3º, § 1º, II da Lei nº 9.615/98). Já nos termos do inciso I, do § 1º do artigo 3ª da Lei, temos que o desporto de rendimento praticado de modo profissional é aquele caracterizado pela remuneração pactuada em contrato formal de trabalho, firmado entre o atleta e a entidade de prática desportiva.

Feito os esclarecimentos pertinentes, trago que apenas em 2006 foi regulamenta a Lei de Incentivo ao Esporte, embasada na Lei nº 8.313/91, a famigerada Lei Rouanet. Neste momento, os esportistas brasileiros, conseguiriam captar recursos para o fomento do esporte.

O artigo 1º da Lei nº 11.438/06 regulamenta que pessoas físicas, ou pessoas jurídicas tributadas em lucro real poderão, durante o período de apuração trimestral ou anual, deduzir os valores despendidos à título de patrocínio ou doação, no apoio direto a projetos desportivos e paradesportivos previamente aprovados pelo Ministério do Esporte. Além de definir quem seriam as pessoas que poderiam deduzir gastos e quando isso seria feito, a Lei também trouxe o percentual do imposto de renda a ser destinado ao esporte, sendo 1% do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica e 6% do Imposto de Renda da Pessoa Física.

No parágrafo 4º do artigo 1º da Lei, foi determinado que tais valores não podem ser destinados a patrocínio ou doação em favor de projetos que beneficiem, direta ou indiretamente, pessoa física ou jurídica vinculada ao doador ou patrocinador. São considerados vinculadas: a pessoa jurídica da qual o patrocinador ou o doador seja titular, administrador, gerente, acionista ou sócio, na data da operação ou nos 12 (doze) meses anteriores; o cônjuge, os parentes até o terceiro grau, inclusive os afins, e os dependentes do patrocinador, do doador ou dos titulares, administradores, acionistas ou sócios de pessoa jurídica vinculada ao patrocinador ou ao doador; e a pessoa jurídica coligada, controladora ou controlada, ou que tenha como titulares, administradores acionistas ou sócios alguma das pessoas a que se refere o item anterior.

O ponto de reflexão deste artigo, será balizado através do § 2º do artigo 2º da Lei de Incentivo ao Esporte que veda a utilização dos recursos oriundos dos incentivos previstos nesta Lei para o pagamento de remuneração de atletas profissionais, nos termos da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, em qualquer modalidade desportiva.

Para melhor compreensão da reflexão, se faz indispensável a abordagem de dois conceitos, sendo eles o de remuneração, que corresponde a soma do salário com as demais gratificações, comissões e adicionais recebidos pelo empregador decorrente da prestação de serviços; e o de atleta profissional, que é aquele que tem remuneração pactuada em contrato especial de trabalho desportivo, firmado com entidade de prática desportiva, no qual deverá constar obrigatoriamente os valores da cláusula indenizatória desportiva e cláusula compensatória desportiva.

Observando que, embora a Lei nº 9.615/1998 seja considerada a nossa Legislação Geral do Desporte, não foi em vão que recebeu o nome de Lei Pelé, não sendo necessário grande esforço para se constatar que muitos dos artigos são pensados para o jogador de futebol, sendo o conceito de atleta profissional mais um deles.

Compactuando com essas considerações, extraímos as considerações de Valed Perry, no seguinte sentido: “E chegamos à ‘prática desportiva profissional’ cujas prescrições deixam evidenciado que a lei só cogitava do futebol”.

Neste momento, verifico que o legislador ao remeter a vedação da Lei de Incentivo aos atletas profissionais, nos termos do artigo 28 da Lei nº 9.615/98, foi feliz, pois assim permitiu que vários atletas de modalidades individuais profissionais utilizassem de tal benefício, haja vista que estes não preenchem os requisitos do mencionado artigo.

Note-se que a grande maioria dos atletas de modalidades individuais não se enquadra no conceito de atleta profissional, uma vez que não foi firmado contrato especial de trabalho desportivo.

Assim, sobre o conceito de atleta profissional, trago uma breve consideração do Exmo. Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, nos seguintes termos: “se o conceito de desporto profissional pudesse ser firmado com base no senso comum, isento de quaisquer interpretações legislativas, sua compreensão estaria imediatamente relacionada a uma atividade originalmente recreativa praticada por determinados indivíduos em troca de remuneração”.

Portanto, avaliando o objetivo inicial da Lei de Incentivo ao Esporte e os conceitos trazidos acima, concluo esse breve artigo com o entendimento de que os atletas de alto rendimento, não caracterizados como atletas profissionais nos moldes do artigo 28 da Lei Pelé, poderão se beneficiar da Lei de Incentivo ao Esporte através da modalidade patrocínio, na qual se utilizará da verba para cobertura de gastos no desempenhar de suas atividades e para a realização de projetos desportivos, lembrando que o objetivo desta lei era dar condições materiais para o aprimoramento do atleta e para que ele promovesse o seu desenvolvimento social, moral e físico através do esporte, podendo se dedicar exclusivamente aos seus treinos e aos projetos fomentadores do esporte.

* O conteúdo do presente artigo não necessariamente representa a opinião do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, sendo de total responsabilidade do Autor deste texto.

Referências Bibliográficas:

– Lei nº 11.438/2006;

– Decreto Lei nº 6.180/2007;

– BASTOS, Guilherme Augusto Caputo. Direito Desportivo. 2ª Edição Revisada, Brasília, 2018;

– MIRANDA, Neves Martinho. O direito no Desporto. Editora Lúmen Iuris;

– PERRY, Valed. Crônica de uma certa Lei do Desporto. Ed. Lumen Juris. Rio de Janeiro, 1999;

– Rezende, José Ricardo. Manual completo da Lei de Incentivo ao espote. Ed. ALL Print.


¹ Advogado, sócio fundador do escritório Bresciani e Almeida, Vice Presidente da Comissão de Direito Desportivo da OAB Santos, Pós Graduado em Direito e Processo do Trabalho, Especialista em Negociação pela FGV e Pós Graduado em Direito Desportivo pelo IIDD, Membro Filiado e Colunista do IBDD, Mestrando em Direito na PUC-SP e Coordenador e Professor da Pós Graduação em Direito Desportivo da Universidade Santa Cecília / Santos-SP.