A FEDERAÇÃO IRANIANA DE JUDÔ E O CASO 2019-3/B (2021), UM ATO DE DEFESA DO OLIMPISMO

Leonardo Lucchese Meinerz¹

Membro Filiado ao Instituto Brasileiro de Direito Desportivo

Recentemente, ou mais precisamente no dia 28/04/21, a capital francesa, Paris, foi palco de mais um capítulo da luta contra a intervenção estatal nos desportos, também um ato de defesa dos princípios do olimpismo. O ato? A decisão do caso n ° 2019-3 / B (2021) publicada pela Federação Internacional De Judô (International Judo Federation), neste texto também tratada como IJF, que decidiu pela suspensão iraniana da condição de membro da federação pelo prazo de 4 anos.²

Para que se entenda melhor o caso, é necessária uma breve retrospectiva dos acontecimentos ocorridos desde o ano de 2018, quando o atleta iraniano Saied Mollaei foi derrotado em confronto válido pelas semifinais do Grand Slam de Abu Dabhi da arte marcial japonesa. Tal situação se repetiu no mesmo ano, no Grand Prix De Haia, com mais uma derrota. Pouco mais de um mês após e ainda não findado 2018, igualmente uma derrota, desta vez no evento Guangzhou World Masters. Por fim os fatos levam o leitor ao ano de 2019, onde mais duas derrotas se seguiram, sendo elas no Grand Slam de Paris e o Campeonato Mundial de Judô, com sede em Tóquio.³

Dada a retrospectiva, permanece a pergunta, o que há de errado em uma sequência de derrotas, principalmente em eventos com competidores de cacife internacional? Afinal, assim como a vitória, a derrota também é algo inerente ao contexto de uma competição desportiva, algo absolutamente natural.

Sob a análise simples do resultado desportivo, essa é uma resposta óbvia, porém os fatores extrajogo são o que motivaram o desenrolar institucional que culminou com a suspensão de federação iraniana de judô e posteriormente a escrita deste breve estudo.

Ainda no ano de 2018, o atleta Mollaei entrou em contato com representante da IJF informando que foi instruído por sua federação nacional que perdesse o confronto voluntariamente. O motivo? Evitar posterior confronto com o Judoca israelense Sagi Muki, que acabou se sagrando ao final campeão do torneio. [fusion_builder_container hundred_percent=”yes” overflow=”visible”][fusion_builder_row][fusion_builder_column type=”1_1″ background_position=”left top” background_color=”” border_size=”” border_color=”” border_style=”solid” spacing=”yes” background_image=”” background_repeat=”no-repeat” padding=”” margin_top=”0px” margin_bottom=”0px” class=”” id=”” animation_type=”” animation_speed=”0.3″ animation_direction=”left” hide_on_mobile=”no” center_content=”no” min_height=”none”][4]

Nos demais eventos citados, o mesmo atleta israelense competia, estando inclusive no mesmo chaveamento que o iraniano. Nestes eventos também houve orientação para que evitasse o combate, destacando-se o evento mundial de 2019, no qual o atleta recebeu múltiplas orientações para manipular o resultado, estas que foram crescendo em gravidade conforme o mesmo se recusava a perder voluntariamente e assim ia vencendo confrontos e passando suas etapas, culminando inclusive em determinado momento em ameaças por parte do ministro iraniano dos esportes e juventude de que agentes nacionais estariam na casa de seus familiares.[5]

Este evento influenciou em sua saída do país para residir na Alemanha e posteriormente na admissão de seu pedido de alteração de nacionalidade, estando hoje representando o judô mongol.

Após houve investigação instaurada pela IJF para apurar o acontecimento ocorrido no campeonato de Tóquio, que culminou na suspensão por tempo indeterminado da federação iraniana de seu quadro associativo, decisão esta que foi interrompida em março de 2021 após julgamento por parte do Tribunal Arbitral do Esporte (TAS), por ocasião da pena de “suspensão por tempo indeterminado” inexistir nos estatutos  e códigos disciplinares da IJF, sendo o caso devolvido para a comissão disciplinar da federação internacional para novo julgamento, que

culminou na punição de 4 anos a contar da primeira decisão suspensiva, de setembro/2019.[6]

Tal decisão ainda poderá ser revista em eventual apelação ao TAS, porém com enorme dificuldade de anulação visto que em sua anterior decisão a corte apenas impugnou a base jurídica da IJF para a suspensão por tempo indeterminado, sendo citado que a decisão final seria da Comissão federativa, devendo se ater as penalidade previstas no artigo 12 de seu código disciplinar, possuindo a recomendação de que a situação seria tão gravosa a ponto de ser válida a suspensão por prazo determinado ou mesmo a exclusão definitiva dos quadros da IJF. [7]

Segundo relatórios de TAS e IJF a federação iraniana cometeu infrações em princípios estatutários da IJF, principalmente os itens 1.1.2 e 1.2.4, sendo eles o “respeito pelo espírito olímpico, que requer a mútuo entendimento e espírito de amizade, solidariedade e fair play” e o “respeito pelos acordos internacionais pela proteção aos direitos humanos em sua aplicação as atividades da IJF e seus membros”, respectivamente.[8]

Fato também consolidado foi a interferência estatal excessiva iraniana no esporte, neste caso o judô, visto que os fatores políticos influenciaram na coerção dada ao atleta e que mais gravemente feriram seus direitos básicos, sofrendo repressão no mínimo a partir do momento em que se recusou a cumprir as orientações de entregar o resultado das lutas no Mundial de Tóquio 2019, vivendo até hoje em local indeterminado e sob esquema de segurança. Os fatores políticos, embora não declarados nas decisões da IJF ou CAS se referem provavelmente as tensões existentes entre a República Islâmica do Irã e o Estado de Israel desde a chamada revolução islâmica de 1979.[9]

Inclusive cita-se que o julgamento disciplinar que suspendeu a federação iraniana de judô teve como objeto a coerção ao atleta Mollaei, porém muito foi falado de que a orientação de se evitar lutas com atletas israelenses era  orientação geral aos atletas iranianos, e tal ato de discriminação contra atletas desta nacionalidade por parte de nações vizinhas não se limitou ao Irã, podendo-se ser citado também caso ocorrido nos jogos olímpicos de verão de 2016, no qual o também judoca egípcio Islam El-Shehaby se recusou a cumprimentar o atleta israelense Or Sasson.[10]

Este caso traz a baila caso parecido com o ocorrido também recentemente com a República da Bielorrússia, cujo comitê olímpico nacional (CON) atualmente se encontra sob uma gama de restrições perante o Comitê Olímpico Internacional, como exclusão de repasses financeiros, exclusão de conversas acerca de possível sede de eventos olímpicos.[11]

Toda a controvérsia gira sob dois pontos principais, o primeiro com relação a nomeação de Viktor Lukashenko como presidente do CON bielorrusso, visto que este é filho do atual presidente do país Alexander Lukashenko, aliado a denúncias de perseguição a atletas contrários politicamente ao regime vigente no país e seu governante. Aos indivíduos, foram impostas punições como o não reconhecimento de Viktor Lukashenko como presidente do CON e a exclusão de convites honorários a figuras políticas bielorrussas como o próprio Presidente Lukashenko.[12]

Estas intervenções estatais são afrontas diretas aos princípios fundamentais do direito olímpico, estabelecidos pela Carta Olímpica, principalmente seu item 5, no qual cita a necessária neutralidade política dos integrantes do movimento olímpico, bem como a repressão ao atleta Saied Mollaei impede o exercício regular de sua prática desportiva e sua própria liberdade e dignidade, ferindo principalmente os itens 2 e 4 dos princípios olímpicos fundamentais. [13]

Na ocorrência destas infrações ao olimpismo a atuação da IJF deve ocorrer tendo em vista que faz parte deste movimento olímpico na qualidade de federação, e

possui o dever de se fazer cumprir a carta olímpica por todas suas federações nacionais filiadas, como o clássico sistema hierárquico piramidal desportivo impõe. Esta afirmação tem base principalmente no artigo 26 do documento olímpico, itens 1.1 e 1.3, no qual cita- se como função a utilização do espírito olímpico (e seus princípios) na aplicação das regras de seu esporte, bem como a contribuição na realização dos objetivos da carta olímpica, como com a difusão do olimpismo.[14]

Sendo assim, a suspensão da Federação Iraniana se enquadrou como a aplicação prática das obrigações que a IJF se comprometeu a seguir na condição de integrante do movimento olímpico, mas mais do que isso, se enquadrou como mais um capítulo da luta pelo olimpismo que nos mostra que os esportes, mais do que apenas competições são também vetores de respeito ao jogo limpo e de não discriminação. Afinal, como a própria carta olímpica nos diz:

“O olimpismo é uma filosofia de vida, que exalta e combina em um conjunto harmonioso as qualidades do corpo, vontade e espírito. Ao associar o esporte à cultura e à educação, o Olimpismo tem como objetivo criar um estilo de vida baseado na alegria do esforço, no valor educacional do bom exemplo, na responsabilidade social e no respeito aos princípios éticos fundamentais universais.”[15]

*O conteúdo do presente artigo não necessariamente representa a opinião do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, sendo de total responsabilidade do Autor deste texto.”


¹ Acadêmico do 7º semestre em Direito pelo Centro Universitário da Serra Gaúcha (FSG). Membro filiado ao IBDD.

² Sanction applied to the Islamic Republic of Iran Judo Federation, following the recommendations of the CAS Award. Disponível em: https://www.ijf.org/news/show/sanction-IRIJF-following-cas-award

³ Tribunal Arbitral Du Sport. CAS 2019/A/6500 Islamic Republic of Iran Judo Federation v. International Judo Federation, CAS 2019/A/6580 Islamic Republic of Iran Judo Federation v. International Judo Federation2021. Disponível em: https://www.tas-cas.org/fileadmin/user_upload/CAS_award_6500_6580.pdf

[4] Ibidem

[5] Ibidem

[6] International Judo Federation, CASE: n° 2019-3/B (2021), 2021

[7] International Judo Federation, Disciplinary Code, 2013

[8] International Judo Federation, IJF STATUTES, 2019. Disponível em: https://78884ca60822a34fb0e6-082b8fd5551e97bc65e327988b444396.ssl.cf3.rackcdn.com/up/2019/09/IJF_Statutes_Swiss_Association-1567758009.pdf

[9] 4 questões para entender o confronto entre Irã e Israel. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/mundo/4-questoes-para-entender-o-confronto-entre-ira-e-israel-a8ff0x66773foigu0poajz7m6/

[10] Egyptian Judo Athlete Refuses Handshake After Losing to Israeli. Disponível em: https://www.nytimes.com/2016/08/13/sports/olympics/egyptian-refuses-israeli-handshake-or-sasson-islam-shehaby.html

[11] Nova punição do COI reforça perseguição política de Belarus contra atletas. Disponível em: https://leiemcampo.com.br/nova-punicao-do-coi-reforca-perseguicao-politica-de-belarus-contra-atletas/

[12] Ibidem

[13] Comité International Olympique, Carta Olímpica vigente a partir del 17 de julio de 2020 , 2020. Disponível em: https://olympics.com/ioc/documents/international-olympic-committee/olympic-charter

[14] Ibidem

[15] Ibidem

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