Igor Gabriel Krüger Poteriko
Membro filiado ao Instituto Brasileiro de Direito Desportivo
Nas Olimpíadas de Tóquio, será visto pela primeira vez uma mulher transgênero competindo no maior cenário do desporto mundial. E mesmo antes do início da competição, já levantaram debates sobre ser ou não justo que uma atleta trans possa competir com atletas cisgêneros.
O caso tratado é o da Halterofilista Laurel Hubbard, que garantiu sua vaga após ser selecionada para fazer parte da delegação da Nova Zelândia. A halterofilista já foi bastante criticada, até mesmo por representantes da modalidade, após levar o título geral na competição dos Jogos do Pacífico da Samoa, em 2019. Na época o presidente da competição, Sr. Loau Solamalemalo Kenet, declarou:
“Eles deixaram uma atleta transgênero, a Laurel Hubbard, levantar peso na categoria das mulheres e não tem nada que possamos fazer. Todos nós sabemos que é injusto para as mulheres levantadoras de peso, mas é a realidade que encontramos no mundo dos esportes no momento. As regras mudaram e não podemos nos desviar das regras. O COI e a IWF (Federação Internacional de Halterofilismo) não descriminam atletas trans, e por mais que seja difícil aceitar, precisamos aprender a nos adaptar às regras porque elas não vão mudar!”.[2]
A atleta tem relação com a modalidade desde jovem, quando disputava a categoria júnior. Laurel, então Gavin, chegou a ter o recorde nacional da categoria de +105kg no país, levantando 300 quilos. Porém, sua carreira na categoria adulta no masculino foi muito curta, devido a sua transição.
Vale destacar que embora Laurel seja a primeira transgênero a competir numa Olimpíada, o caminho até essa conquista para a população trans teve um grande avanço com uma outra figura, o triatleta Chris Mosier, primeiro atleta trans a integrar a seleção dos Estados Unidos da América. Atleta qual teve uma grande influência para a alteração das regras de elegibilidade dos competidores transgêneros.
Mosier foi uma figura muito relevante para o cenário em pauta, tanto em seus resultados desportivos quanto em seu ativismo para uma forma mais justa de inclusão. O atleta se classificou para o Campeonato Mundial de Duatlo de 2016, quando as regras do COI ainda determinavam que os atletas deveriam ter feito uma cirurgia de redesignação de gênero, bem como dois anos de terapia hormonal e reconhecimento legal de seu gênero designado, antes de competir. O triatleta não tinha feito a operação, e tomou frente em uma ação para o COI atualizar suas regras sobre cirurgia, obtendo sucesso[3].
Na época os pressupostos para a participação dos transgêneros era norteada pelo regramento do consenso de Estocolmo de 2003, após participação do norte americano as novas diretrizes do IOC Consensus Meeting on Sex Reassignment and Hyperandrogenism 2015, trouxe uma menor rigidez para a participação dos atletas trans, sob o argumento de que:
“É necessário garantir, tanto quanto possível, que os atletas trans não sejam excluídos da oportunidade de participar de competições esportivas.
(…)
O objetivo esportivo primordial é, e continua sendo a garantia de justiça à concorrência. As restrições à participação são apropriadas na medida em que são necessários e proporcionais à realização desse objetivo.” e que “ exigir alterações anatômicas cirúrgicas como uma pré-condição para a participação não é necessário para preservar a concorrência leal e pode ser inconsistente com desenvolvimento de legislação e noções de direitos humanos.
(…)
Nada nestas diretrizes tem a intenção de prejudicar de alguma forma o requisito para cumprir o Código Mundial Antidopagem e a WADA em
Padrões internacionais.
(…)
Estas diretrizes são um documento vivo e estarão sujeitas a revisão à luz de quaisquer desenvolvimentos científicos ou médicos.”[4]
Trazendo então, como regras para elegibilidade dos atletas transgêneros as normas abaixo:
1. O atleta que faz a transição de mulher para homem é elegível para competir na categoria masculina sem restrição.
2. A atleta que faz a transição de homem para mulher será elegível para competir na categoria feminina nas seguintes condições:
- Após declarada sua identidade de gênero como feminina. Não pode alterar sua declaração, para fins esportivos, por um mínimo de quatro anos.
- A atleta deve demonstrar que seu nível total de testosterona no soro esteve abaixo de 10 nmol / L por pelo menos 12 meses antes de sua primeira competição.
- O nível de testosterona total da atleta deve permanecer abaixo de 10 nmol / L durante todo o período de elegibilidade desejado para competir na categoria feminina.
- A conformidade com essas condições pode ser monitorada por meio de testes. Caso a não conformidade, a elegibilidade do atleta para competição feminina será suspensa por 12 meses.
Regras as quais a Halterofilista precisa estar em conformidade, pois são as diretrizes acatadas atualmente. Mas como citado, são diretrizes! Pois, o COI além de deixá-las sujeitas a revisão, à luz de quaisquer desenvolvimentos científicos ou médicos, também permite que as federações internacionais fomentem e desenvolvam pesquisas sobre a participação de atletas transgêneros, bem como, possam adequar uma regulamentação própria as suas modalidades. Todavia, as regulamentações devem respeitar os Princípios do Olimpismo, como por exemplo o da não discriminação e que o regramento tenha cunho unicamente desportivo.
Como exemplo de Federação que decidiu elaborar suas próprias regras temos a IAAF, a Federação de Atletismo que em 2019, através de alguns estudos e casos envolvendo atletas hiperandrogênicas e intersexo, decidiu atualizar seus requisitos de elegibilidade na categoria feminina, sob a premissa de blindar a integridade da competição. A partir daquele momento, as atletas que buscam estar elegíveis para as provas de 400 a 1500 metros estariam sob as seguintes condições de elegibilidade:
- A atleta deve ser reconhecida pela lei como mulher ou como intersexual (ou equivalente);
- Devendo reduzir seu nível de testosterona no sangue para abaixo de cinco (5) nmol / L por um período contínuo de pelo menos seis meses (por exemplo, pelo uso de anticoncepcionais hormonais); e
- Devendo a atleta manter seu nível de testosterona no sangue abaixo de cinco (5) nmol / L continuamente (ou seja: se ela está em competição ou fora de competição) pelo tempo que deseja permanecer elegível.
Para a Federação, era necessário buscar novas regras que propusessem um maior equilíbrio competitivo. Segundo eles, baseados em comprovações científicas da ação da testosterona em atletas com DDS (distúrbio do desenvolvimento sexual) que trariam um melhor desempenho perante outras competidoras.
“Vimos em uma década e mais de pesquisas que 7,1 em cada 1000 atletas de elite em nosso esporte têm níveis elevados de testosterona, a maioria está em eventos restritos cobertos por estes regulamentos. Isso é cerca de 140 vezes o que você encontrará na população feminina em geral, o que nos demonstra, em termos estatísticos, um viés de recrutamento. O tratamento para reduzir os níveis de testosterona é um suplemento hormonal semelhante à pílula anticoncepcional tomada por milhões de mulheres em todo o mundo. Nenhum atleta será forçado a se submeter a uma cirurgia. É responsabilidade do atleta, em consulta direta com sua equipe médica, decidir sobre seu tratamento ”. – Dr. Stephane Bermon do Departamento de Ciências e Medicina da IAAF .
Estas atitudes das Federações além de estarem respaldadas pelo COI, trazem grandes avanços para as discussões Jus Desportivas, na medida que cada modalidade tem suas peculiaridades. Pois, cada modalidade preza por algum tipo de habilidade ou característica física.
Sendo assim, cada modalidade tem um nível de impacto proveniente da ação dos hormônios androgênicos ou da condição de transgeneridade do atleta. Existem casos em que o impacto é nulo (ex: Hipismo, Saltos Ornamentais e Skate), outras que embora possa proporcionar alguma vantagem física, essa vantagem pode ser neutralizada (ex: Voleibol, Futebol e Tênis), mas também há modalidades em que a condição de transgeneridade e/ou DDS, faz com que os efeitos da testosterona por si, possam decidir o resultado da competição (ex: algumas provas de atletismo e o próprio Halterofilismo).
No último caso, se comprovada a influência dos níveis de hormônios androgênicos no resultado final, há a quebra do princípio Par Conditio, Princípio fundamental para o desporto, pois é o responsável pela justa condição de disputa, com a finalidade de garantir a aleatoriedade do resultado.
Por esses motivos, é inviável que haja apenas uma regra sob este aspecto pautando todas as modalidades, e é preferível que cada modalidade busque desenvolver pesquisas sobre o impacto de atletas trans ou DDS em suas respectivas competições. Podendo assim, buscar a integridade da competição, sem a necessidade de fechar as portas para atletas que dedicaram sua vida toda ao desporto e, que por questão de identidade de gênero ou a descoberta de alguma disfunção hormonal, tenham que abdicar daquilo que, como dispõem os Princípios do Olimpismo, é referente a filosofia de vida.
* Importante destacar que o conteúdo do presente artigo não necessariamente representa a opinião do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, sendo de total responsabilidade do Autor desse texto.
[1] Graduando em Direito na UCP- Faculdades do Centro do Paraná, membro e pesquisador do GEDD – São Judas, e Membro filiado ao IBDD.
[2] Presidente diz que participação de atleta trans entre mulheres nos Jogos do Pacífico é “injusta”. Disponivel em https://globoesporte.globo.com/levantamento-de-peso/noticia/presidente-diz-que-participacao-de-atleta-trans-entre-mulheres-nos-jogos-do-pacifico-e-injusta.ghtml . Acesso em 12 de Abril, 2021.
[3] COI abrindo campo de competição para atletas trans com nova política. Disponível em https://www.espn.com/olympics/story/_/id/31560502/the-many-hurdles-summer-tokyo-olympics. Acesso em 12 de Abril, 2021.
[4] IOC Consensus Meeting on Sex Reassignment and Hyperandrogenism November 2015. Disponivel em https://stillmed.olympic.org/Documents/Commissions_PDFfiles/Medical_commission/2015-11_ioc_consensus_meeting_on_sex_reassignment_and_hyperandrogenism-en.pdf . Acesso em 5 de Abril, 2021.
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