REENQUADRAMENTOS DE TIPIFICAÇÕES EM JULGAMENTOS NO STJD DO FUTEBOL

Julia Gelli Costa

Membro Filiada ao Instituto Brasileiro de Direito Desportivo

Primeiramente convém esclarecer que as reflexões adiante expostas são apenas breves conclusões, objetivando meramente instigar o debate acadêmico quanto a readequação do tipo elencado nas denúncias perante o STJD do Futebol[2], baseadas em recentes Julgados e que não há a ousada pretensão de pacificar o tema ou corroborar com viés opinativo para a formação de jurisprudência majoritária.

Portanto, ao leitor resta necessário advertir desde já a inexistência de uma conclusão e a carência de futuras eventuais Decisões da E. Corte que certamente enriquecerão a discussão.

De plano, é importante observar que o C. Pleno, na atual composição, em outubro de 2021[3], decidiu 2 (dois) processos[4], ambos por maioria, abordando justamente a temática que se pretende neste estudo, ficando evidente a polêmica sobre a interpretação do parágrafo único do artigo 79 do CBJD[5], conforme transcrição a seguir:

Art. 79. A denúncia deverá conter:

I – descrição detalhada dos fatos; (NR).

II – qualificação do infrator;

III – dispositivo supostamente infringido. (NR).

Parágrafo único. A indicação de dispositivo inaplicável aos fatos não inquina a denúncia e deverá ser corrigida pelo procurador presente à sessão de julgamento, podendo a parte interessada requerer o adiamento do julgamento para a sessão subsequente. (AC).

Para a melhor análise da literalidade do parágrafo único, necessária a leitura do caput do artigo que elenca como 3 (três) os requisitos essenciais à confecção da denúncia.

Neste diapasão, tem-se a corrente que destaca, além da ordem dos incisos como critério de importância, a semântica das expressões adotadas: “descrição detalhada dos fatos” e “dispositivo supostamente infringido”. Ou seja, que o julgamento deve ser condizente com os fatos narrados, que são detalhados e imutáveis, independentemente do artigo do CBJD, não sendo adstrito à tipificação escolhida pelo Ilmo. Procurador subscritor da denúncia, já que “supostamente” a conduta representa tal infração.

Paralelamente, esse entendimento sustenta que a análise da pena e dosimetria são realizadas em acordo com o escrutínio e livre convencimento dos N. Auditores Julgadores (artigo 19 do CBJD), capacitados e nomeados para, justamente, apreciar os fatos e provas das condutas perpetradas classificando como típicas infrações disciplinares, verificando possíveis atenuantes e/ou agravantes normatizadas, ou, ainda, absolvendo diante da carência de tipicidade.

Tanto que o parágrafo único oportuniza justamente ao membro da D. Procuradoria presente na sessão alterar corrigindo o dispositivo aplicável aos fatos, adequando-os, deixando expresso que o ato “não inquina a denúncia”, ou seja, que não acarreta qualquer nulidade ou vício.

Em assim ocorrendo, a norma faculta às partes interessadas o pedido de adiamento do julgamento para a sessão subsequente. Entende-se que, assim, as garantias constitucionais à ampla defesa, contraditório e devido processo legal estão asseguradas.

E não fugindo ao objeto do texto, impende o fato de que do julgamento da E. Comissão Disciplinar o Jurisdicionado pode opor embargos de declaração e ainda recorrer voluntariamente.

Nesse sentido, alguns E. Auditores Julgadores consideram a inexistência de pedido de adiamento na sessão perante a C. Comissão Disciplinar como preclusão da possibilidade de alegação de prejuízo à estratégia de defesa.

Entretanto, a corrente oposta defende a “impossibilidade de reclassificação ou nova capitulação diversa da denúncia” quando a readequação é para um artigo do CBJD considerado mais gravoso ao denunciado.

Essa outra linha de argumentação, de certo modo mais conservadora, limita a análise e voto dos Auditores Julgadores das Comissões Disciplinares, considerando que a alteração da tipificação “por vontade unilateral da Comissão” dependeria do prévio e motivado aditamento expresso da Procuradoria. Isso porque, referido Órgão é detentor exclusivo do início do processo disciplinar desportivo, capaz de requerer baixas, aditamentos e arquivamentos. Nos termos dos artigos 21, 73 e seguintes do CBJD, a confecção das denúncias é ato privativo do órgão da D. Procuradoria e jamais “atividade concorrente” dos Auditores.

Destaca-se, contudo, que no entender da referida corrente a desclassificação para normas menos gravosas pode ocorrer unicamente pelos Julgadores, e que assim inexiste ofensa ao Devido Processo Legal Constitucional[6].

Evidente que seria uma missão impossível esgotar tal tema, e menor ainda a viabilidade de definirmos qual seria o entendimento majoritário do E. STJD do Futebol, já que os 2 (dois) R. Julgados do E. Pleno do Tribunal, com o quórum específico daquelas datas, foram pontuais e minuciosamente consideraram especificidades fáticas dos casos em concreto, proferindo R. Decisões distintas, porém amplamente fundamentadas.

Particularmente, corroboro com a percepção daqueles que compreendem a readequação da tipificação, independentemente das penas atribuídas às normas.

Na visão do Autor e Professor Dr. Paulo Schmitt, reproduzida pelo também Coautor e Coordenador da obra “Código Brasileiro de Justiça Desportiva – Comentários – Artigo por Artigo”, da Editora Quartier Latin, observamos os preceitos defendidos pelo Dr. Ricardo Graiche,na página 143, in verbis[7]:

   Paulo SCHMITT ensina que “a denúncia consiste na narrativa concisa dos fatos e fundamentos que indicam a ocorrência de infração disciplinar”.

   Para que a denúncia seja considerada válida, o CBJD estabelece alguns requisitos que deverão nela constar, que são:

  • a descrição sumária da infração, para que o denunciado saiba do que está sendo acusado;
  • a qualificação do autor da infração, identificando-o; e
  • os dispositivos infringidos.

   Caso a imputação legal do dispositivo infringido não se amolde com a infração devidamente cometida, a Procuradoria poderá aditar a denúncia, alterando a capitulação legal, incluindo ou retirando novos dispositivos legais. No entanto fica resguardado o direito da parte de requerer o adiamento do julgamento para a sessão seguinte, caso entenda necessário.

Compreendemos, então, que, na análise da doutrina, o critério é bem amplo e não considera as possíveis dosimetrias das penas ou gravidade como condicionante.

Parte da corrente mais punitiva e menos garantista visa alterar de forma mais rigorosa o cenário do ambiente futebolístico que, pela inerente competitividade e comum rivalidade, autorizaria enxergarmos com normalidade falas mais exaltadas; xingamentos; reclamações acintosas; condutas violentas; agressividade; etc.

As discussões interpretativas das normas engrandecem as sessões de julgamento e colaboram para o aperfeiçoamento da Legislação. Inclusive, no debate do caso mais recente sobre o tema aqui tratado, pelo E. Pleno, foram suscitadas a elaboração de Súmulas Vinculantes e a preocupação tanto com a segurança jurídica, como também a necessidade de ampla análise de cada caso e processo, assim como respectivas especificidades.

Por fim, o artigo 2º do CBJD elenca os Princípios (“sem prejuízo de outros”) que devem nortear a interpretação e aplicação do Código, sendo que, além da “ampla defesa”; “contraditório” e “devido processo legal” (incisos I; III e XV), merecem destaque outros como II. celeridade; IV. economia processual; VII. legalidade; XI. oralidade; XVI. tipicidade desportiva e o fair play, XVIII. espírito esportivo, os quais embasam a tese que defende a possibilidade de reclassificação da tipificação da conduta.

* O conteúdo do presente artigo não necessariamente representa a opinião do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, sendo de total responsabilidade da Autora deste texto.


[1] Advogada, Pós Graduada e Docente em Direito Desportivo; Pós Graduanda em Gestão do Esporte; Coordenadora Regional do IBDD e Colunista, convidada a compor como Diretora Institucional do Instituto no próximo mandato recém eleito; Procuradora da JAD – Justiça Desportiva Antidopagem; Subprocuradora-Geral do STJD do Futebol; Auditora do Pleno do STJD do Voleibol; ex Auditora do STJD dos Desportos Aquáticos e Presidente do TJD-RJ do Remo; membro das Comissões Eleitorais da CBTM, FRERJ, CBHG e Cbsurf; e membro titular do Comitê de Ética nomeado pela UBC – União Brasileira de Cheerleaders; membro da ANDDJ.

[2] https://www.stjd.org.br/

[3] https://www.stjd.org.br/quem-somos

[4] Proc. nº 101/2021 (https://conteudo.cbf.com.br/cdn/202104/20210422151338_747.pdf ) e Proc. nº 244/2021 (https://conteudo.cbf.com.br/cdn/202109/20210930164401_949.pdf )

[5] https://conteudo.cbf.com.br/cdn/201507/20150709151309_0.pdf

[6] https://conteudo.cbf.com.br/cdn/202104/20210428153542_151.pdf

[7] GRAICHE, Ricardo. Coautor e Coordenador da obra – Código Brasileiro de Justiça Desportiva – Comentários – Artigo por Artigo, da Editora Quartier Latin, pg 143.