Henrique Soares Pinto
Membro filiado ao Instituto Brasileiro de Direito Desportivo
Muito já foi abordado (ainda que não de maneira exaustiva, também por conta do caráter relativamente recente de sua implantação) o assunto Video Assistant Referee (VAR) e os efeitos, os resultados até então e as consequências de sua atuação.
Assim, mesmo que o tema “VAR” suscite algumas dúvidas e interessantes debates, o tópico que será tratado de maneira mais objetiva neste artigo é a possibilidade de inclusão do instituto do desafio no futebol, algo ainda bem menos debatido se comparado ao VAR.
Posto isso, incialmente impera conceituar o instituto do desafio, consagrado pela palavra em inglês “challenge”.
O desafio (challenge), pois, consiste em um sistema que, obedecendo a um protocolo previamente estabelecido, confere a oportunidade para determinada equipe (se a modalidade for coletiva) ou para determinado atleta (se a prática desportiva for de natureza individual) solicitar a revisão da decisão do árbitro sobre algum lance específico ocorrido durante a disputa do evento desportivo.
Ainda que, como sabido, o futebol seja diferente de outras inúmeras práticas desportivas, é interessante referir que o desafio já é amplamente utilizado com bastante sucesso em outras modalidades como, por exemplo, no futebol americano, no tênis e no voleibol.
Um dos objetivos pretendidos, então, é instituir cada vez mais controle e segurança para que o futebol seja praticado em absoluto respeito ao que determinam as regras do jogo.
Visando a justiça no futebol e o respeito aos princípios desportivos, pois, é que se entende como necessária e pertinente a imediata aplicação do challenge também no futebol.
Aliás, se em outras modalidades desportivas (tênis, voleibol e etc.) o vencedor é apurado por meio da contabilização de inúmeros pontos disputados durante determinado período de tempo e, ainda assim, se utiliza o desafio, a situação é muito mais sensível no futebol, já que não raro se decide uma partida pela diferença mínima de 1 (um) gol.
Ademais, e como consequência lógica ao exposto anteriormente, um campeonato inteiro igualmente pode ser decidido de modo “injusto” (ou seja, não se cumprindo fielmente as leis do jogo) somente porque os necessários avanços tecnológicos não foram adotados.
Posto isso, e feitas tais considerações, acredita-se que, no início, o mais fácil para fins de garantir ao menos a implementação do desafio também no futebol seria determinar que somente seria possível desafiar as decisões que se encontrassem no rol das 4 (quatro) categorias hoje englobadas pelo VAR, quais sejam: confirmação ou anulação de gol, marcação ou não de pênalti, expulsão por meio de cartão vermelho “direto” e confirmação de identidade para aplicar sanção.
Contudo, pela natureza do futebol e a capacidade de que cada lance pode alterar de maneira direta o resultado final de uma partida (e até mesmo de todo um campeonato), o ideal seria que praticamente todos os lances fossem passíveis de desafio (talvez exceto as faltas), com base em limites e em protocolo a ser claramente estabelecido.
A proposta inicial é a de que cada equipe disponha de 1 (um) pedido de desafio por jogo, a ser solicitado pelo capitão e/ou pelo técnico da equipe, de maneira que, em linhas gerais, e aqui explicitado de modo simplificado, o desafio seria sinalizado pelo capitão da equipe quando o mesmo, por exemplo, atirasse a braçadeira de capitão no campo de jogo após o lance passível de desafio e antes do início da chamada “próxima jogada”, sendo que, após tal sinalização, caberia ao árbitro cumprir o protocolo do VAR e analisar o referido lance.
Ou seja, o ato deveria ser praticado antes de a bola ser recolocada em jogo depois da primeira paralisação ocorrida após o lance a ser desafiado e, além do mais, a sinalização por meio da braçadeira de capitão se mostra adequada porque é ato inequivocamente voluntário, inconfundível, de fácil visualização e não passível de problemas técnicos.
Caso a equipe tenha razão ao desafiar, a mesma permanece com o direito de utilizar o protocolo de desafio por 1 (uma) vez, sendo que, ao contrário, caso o desafio seja improcedente, a equipe não poderá mais desafiar durante a disputa da mesma partida.
Em caso de dúvida, situação em que mesmo após o árbitro analisar o lance desafiado este não se convença se é caso de acerto ou erro em sua interpretação, a decisão original deve ser mantida e a equipe desafiante permaneceria com o direito a 1 (um) desafio na partida.
Outrossim, igualmente há uma ideia que pode ser bastante útil e interessante no sentido de coibir o uso indiscriminado da ferramenta do desafio na prática do futebol.
Isso porque, ainda que o árbitro sempre possa acrescentar minutos ao final de cada um dos tempos de jogo, a ideia, que serve para coibir o uso desordenado do desafio, é similar ao que ocorre com o sistema de suspensão por acúmulo de cartões, de maneira que, a cada série de 3 (três) desafios improcedentes em jogos consecutivos da mesma competição, a equipe não poderia solicitar o desafio no próximo jogo válido pela referida competição.
Importante salientar que, diferentemente do que ocorre nos casos de suspensão pelo acúmulo de 3 (três) cartões amarelos – independentemente se em partidas consecutivas ou não –, a ideia aqui trazida é a de que, para fins de sancionar determinada equipe com a impossibilidade de utilizar o desafio em jogo seguinte válido pela mesma competição, é necessário que haja 3 (três) erros ao desafiar em partidas consecutivas da competição.
Posto isso, outro tópico sempre importante é aquele que versa sobre o custo e a viabilidade de implementação das ideias aqui trazidas, motivo pelo qual cumpre frisar que o custo do sistema do desafio no futebol, individualizado e por si só, é praticamente zero se considerada como sedimentada a implementação do VAR na prática do futebol.
Isso porque, em síntese bastante apertada e absolutamente simplificada, o sistema de desafio não deixa de ser considerado como a possibilidade de que as equipes solicitem a utilização do VAR caso não concordem com a interpretação do árbitro em algum lance.
Ainda assim, é viável a ideia de financiar o VAR (e, consequentemente, o desafio) por meio de estratégias de patrocínio específicas para o uso da referida tecnologia, de maneira que, em linhas gerais, uma marca patrocinadora seria diretamente associada ao sistema tecnológico, fazendo com que, quando o VAR fosse utilizado e quando uma equipe solicitasse o desafio, imediatamente o telão e o sistema de som do local de realização da partida promoveriam o VAR, o desafio e a marca patrocinadora da referida tecnologia.
Igualmente cumpre ressaltar que não há justificativas técnicas para a não divulgação das marcas patrocinadoras nos locais de realização das partidas de futebol porque, no Brasil, e por exemplo, o Estatuto do Torcedor (Lei nº 10.671, de 15 de maio de 2003), em seu artigo 7º, determina a obrigatoriedade de divulgação do público presente e da renda obtida com o espetáculo desportivo via serviços de som e imagem, o que significa a exigência de disponibilização da estrutura necessária para a implementação do que é aqui proposto.
Outro ponto que vale destacar, é evidente que, assim como ocorre com o VAR (em que o árbitro não deixa de agir por saber da existência da tecnologia), os árbitros não poderão deixar de atuar esperando que as equipes utilizem o sistema de desafio e o provoquem.
Aliás, uma provável consequência advinda da adoção do sistema de desafio é a de que os atletas tenderão a diminuir (e mesmo evitar) tentativas de simulação e de agressão, uma vez que, em tese, bastaria a equipe prejudicada acionar o sistema de desafio para que o árbitro, após verificar, fosse cientificado da situação ocorrida e punisse o infrator.
Da mesma forma, em casos de pedidos de desafios improcedentes, com a consequente perda do direito de desafiar novamente na mesma partida, os atletas (e até mesmo os torcedores) tenderiam a reclamar dos próprios jogadores/companheiros em caso de má utilização de tal instituto, sendo mais um benefício para o árbitro, eis que, em sua “defesa”, ele (árbitro) poderá alegar a faculdade da equipe em desafiar e a necessidade de utilizar o recurso de maneira adequada e consciente.
É verdade que se mencionou o fato de a tecnologia auxiliar o árbitro, e tal argumentação se justifica não apenas pelo caráter não profissional da atividade desempenhada pelo árbitro em alguns lugares, mas também porque, com a implementação das ideias trazidas, seria mais fácil para os representantes das entidades competentes avaliarem os árbitros.
Outra possível consequência da inclusão do desafio no futebol seria atrair um público diferente para a modalidade, sem significar a perda do público atual, eis que a essência da disputa da modalidade permaneceria igual, mas novos componentes seriam agregados.
Como conclusão geral, pois, tem-se não apenas o fato de que a utilização do VAR deve desfrutar de vida longa no futebol, mas também que urge a implementação do sistema de desafio na referida modalidade para fins de evolução e adequação aos novos tempos.
Assim, uma vez que o VAR já é realidade nas leis do jogo e, acredita-se, carece apenas de uso mais assertivo, o que se entende como próximo passo é a alteração da lei de número 5 (cinco) das regras do futebol a fim de “flexibilizar” a autoridade do árbitro e permitir que as decisões sejam ao menos passíveis de revisão, ainda que pelo próprio árbitro.
Aliás, para fins de maiores esclarecimentos, note-se que as palavras “flexibilizar a autoridade do árbitro” não são utilizadas para defender que outra figura tenha igual ou maior poder decisório (a decisão final sobre qualquer lance seguirá sendo do árbitro), mas o que se busca é que o árbitro possa ser auxiliado pela tecnologia justamente para facilitar e otimizar as suas decisões, sendo que, pontualmente, poderá existir o pedido de desafio de uma das equipes para dirimir eventual dúvida e/ou corrigir eventual erro.
O que se pretende, então, é também viabilizar que o árbitro, obrigado a decidir inúmeras vezes durante a partida, possa ser encorajado pelas equipes a rever determinados lances, obedecendo o protocolo e sempre mantendo como soberana a decisão final do árbitro, de modo que, considerando o fato de que a utilização tecnológica já está prevista nas regras do jogo, o que se pretende demonstrar é que as próximas medidas a serem adotadas são no sentido de desenvolver ainda mais a modalidade ao consolidar a utilização do VAR e também ao inserir o sistema de desafio no futebol para que, ante o exposto, o “produto futebol” seja melhor e mais atrativo em todos os sentidos e para todos os envolvidos.
* O conteúdo do presente artigo não necessariamente representa a opinião do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, sendo de total responsabilidade do Autor deste texto.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BRASIL. Lei número 10.671, de 15 de maio de 2003. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2003/L10.671.htm
CBF – Confederação Brasileira de Futebol. Regras de Futebol 2021/2022. Disponível em: https://conteudo.cbf.com.br/cdn/202110/20211005110112_949.pdf
IFAB – The International Football Association Board. Laws of the Game 21/22. Disponível em: https://downloads.theifab.com/downloads/laws-of-the-game-2021-22?l=en
PINTO, Henrique Soares. A Utilização do Árbitro Assistente de Vídeo (VAR) e a Possibilidade de Inclusão do Desafio (Challenge) no Futebol. In: RAMALHO, Carlos Santiago da Silva; LARA, Fabiano Teodoro; PERRUCI, Felipe Falcone (Org.). Direito Desportivo Exclusivo – Perspectivas Contemporâneas – Vol. 3 – Estudos em homenagem a Álvaro Melo Filho. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2021.
[1] Gestor do Esporte e Advogado. Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais (Direito). Pós-Graduado em Gestão do Esporte, Marketing Esportivo e Direito Desportivo. Especialista em Gestão de Futebol. Especialista em Gestão de Clubes de Futebol. Filiado e Coordenador Regional do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD). Membro da Comissão Especial de Legislação e Direito Desportivo (CELDD) da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do Rio Grande do Sul (OAB/RS). Sócio Fundador, Presidente Executivo e Coordenador-Geral do Núcleo de Gestão do Esporte do Instituto Riograndense de Gestão e Direito Desportivo (IRGDD). Ex-Auditor da Primeira Comissão Disciplinar do Tribunal de Justiça Desportiva de Futebol do Rio Grande do Sul (TJD/RS – Futebol). Ex-Auditor Presidente da Comissão Disciplinar e Auditor do Pleno do Tribunal de Justiça Desportiva de Rugby do Rio Grande do Sul (TJD/RS – Rugby).