A função social do desporto
1) OBJECTIVO
Analisar em que medida se pode encarar a salvaguarda das actuais estruturas desportivas e assegurar a manutenção da função social do desporto.
2) ACTO COMUNITÁRIO
Relatório da Comissão, de 10 de Dezembro de 1999, ao Conselho Europeu de Helsínquia na óptica da salvaguarda das actuais estruturas desportivas e da manutenção da função social do desporto no âmbito comunitário.
3) TEOR
O presente relatório, apresentado ao Conselho Europeu de Helsínquia em 11 e 12 de Dezembro de 1999, surge na sequência do convite feito à Comissão pelo Conselho Europeu de Viena em 11 e 12 de Dezembro de 1998.
O desporto é um dos domínios de actividade que mais tocam e aproximam os cidadãos da União Europeia, independentemente da idade e da origem social. Mais de metade da população da UE pratica regularmente uma actividade desportiva, quer num dos 700 000 clubes que existem na União, quer fora deles. Quase dois milhões de educadores, monitores ou voluntários consagram o seu tempo de trabalho ou de lazer à animação da vida desportiva, desempenhando um papel fundamental em matéria de educação e de inserção social numa altura em que as sociedades se confrontam com graves problemas de coesão social e de identidade cultural.
Esta função social do desporto, de interesse geral, é afectada desde há vários anos pelo aparecimento de novos fenómenos de carácter diverso que põem por vezes em causa a ética e os princípios de organização do desporto, a saber, a violência nos estádios, a corrupção, a expansão das práticas de dopagem, a exploração de jovens desportistas ou ainda a procura de lucros rápidos em detrimento de uma evolução mais equilibrada do desporto.
A prática e a organização do desporto nos Estados-Membros, independentemente de algumas diferenças de país para país, revelam a existência de características comuns que permitem falar de uma abordagem europeia do desporto.
Desde há alguns anos, vários fenómenos marcam essa abordagem europeia do desporto:
• o aumento da popularidade do desporto em termos de prática e de espectáculo;
• a internacionalização do desporto com a multiplicação das competições internacionais;
• o desenvolvimento sem precedentes da dimensão económica do desporto com o aumento espectacular dos direitos audiovisuais.
Estes fenómenos trazem ao desporto e à sociedade elementos positivos. Assim, o número de empregos criados, directa ou indirectamente, pelo desporto, aumentou 60% durante os dez últimos anos para atingir quase 2 milhões. Importa, todavia, reconhecer que estes fenómenos podem também ser fonte de tensões ou entrar mesmo em contradição com certos princípios fundamentais do desporto:
• a sobrecarga dos calendários de eventos desportivos pode ser considerada uma das causas da expansão da dopagem;
• a multiplicação dos eventos desportivos lucrativos, que pode vir a privilegiar a lógica comercial em detrimento da lógica desportiva e da função social do desporto;
• a tentação de certos operadores desportivos e de certos grandes clubes saírem do quadro das federações para explorar melhor e em proveito exclusivo as potencialidades económicas do desporto. Esta tendência pode pôr em causa o princípio de solidariedade financeira entre o desporto profissional e o desporto amador, bem como o sistema de promoção-despromoção comum à maior parte das federações;
• os perigos que alguns jovens correm ao serem conduzidos cada vez mais cedo para o desporto de alta competição, frequentemente sem formação profissional complementar, com riscos para a sua saúde física e mental e para a sua ulterior reconversão;
• a procura de lucros imediatos (efeitos da comercialização excessiva) ligada à internacionalização do desporto pode conduzir a situações de desigualdade relativamente a certos países mais pequenos ou de menor população cujos desportistas de alto nível optam pela expatriação para exercerem a sua actividade, enfraquecendo assim o nível desportivo dos referidos países.
Reforçar a função pedagógica e social do desporto
A Declaração relativa ao desporto anexa ao Tratado de Amesterdão “salienta o significado social do desporto, em especial o seu papel na formação da identidade e na aproximação das pessoas”. As actividades desportivas devem, como consequência, ter o seu lugar no sistema educativo de cada Estado-Membro.
Os valores que elas representam (igualdade de oportunidades, “fair play”, solidariedade, etc.) devem ser igualmente difundidos pelas associações desportivas que contribuem significativamente para a educação e formação dos jovens e ainda para a promoção dos valores democráticos e sociais. Com efeito, o desporto tornou-se um dos fenómenos de massa mais importantes da nossa sociedade. Ao tocar todas as classes sociais e todos os grupos etários da população, o desporto constitui um instrumento essencial de integração social e de educação.
Neste espírito, a acção comunitária poderia visar os seguintes objectivos:
• Melhorar – apoiando-se em programas comunitários – o lugar do desporto e da educação física na escola;
• favorecer a reconversão e a posterior reintegração no mundo do trabalho dos desportistas;
• favorecer a aproximação dos sistemas de formação dos quadros desportivos em vigor em cada Estado-Membro.
Definir melhor o enquadramento jurídico
O desenvolvimento de acções positivas em prol da manutenção da função social do desporto deve ser acompanhado de um enquadramento jurídico mais bem definido e mais estável que permita conciliar a função social e pedagógica e o aumento da dimensão económica do desporto.
Esta nova abordagem deve basear-se nos princípios reafirmados e actualizados da ética desportiva e do ideal olímpico, e permitir definir melhor o enquadramento jurídico para os operadores desportivos.
Na execução desta nova abordagem, a contribuição da União Europeia é uma componente indispensável, tendo em conta a multiplicação de conflitos e de respostas dispersas frequentemente constatados no mundo desportivo, nomeadamente por meio de procedimentos judiciais.
A multiplicação dos procedimentos judiciais é sinal de tensões crescentes. Por exemplo, o acórdão Bosman, proferido pelo Tribunal de Justiça em Dezembro de 1995 com base no princípio da livre circulação dos trabalhadores, teve repercussões importantes na organização do desporto na Europa. Contribuiu de forma significativa para a eliminação de certos abusos e para a mobilidade dos desportistas. No entanto, teve repercussões no equilíbrio económico entre os clubes e os jogadores e criou problemas para a formação dos jovens nos clubes. Alguns clubes que haviam criado centros de formação para desportistas profissionais viram os seus melhores elementos partir sem que pudessem obter uma compensação pelo investimento em formação que tinham feito.
Princípios para o estabelecimento de parcerias entre as Instituições Europeias, os Estados-Membros e as organizações desportivas
É necessário estabelecer uma nova parceria entre as Instituições Europeias e os Estados-Membros, por um lado, e as organizações desportivas, por outro, com o objectivo de incentivar a promoção do desporto na sociedade europeia, o respeito dos seus valores e a salvaguarda da autonomia das organizações desportivas e do princípio da subsidiariedade.
A referida parceria basear-se-á nos seguintes princípios:
• a União Europeia reconhece o papel eminente que o desporto desempenha na sociedade europeia e confere a maior importância à manutenção da sua função de integração social, de educação, de contribuição para a saúde pública e ainda à função de interesse geral exercida pelas federações;
• a integridade e a autonomia do desporto devem ser preservadas. A aquisição de clubes desportivos por entidades comerciais (grupos de comunicação, etc.), caso seja permitida, deve enquadrar-se claramente numa preocupação de manutenção das estruturas e da ética desportivas;
• o sistema de promoção-despromoção constitui uma marca de identificação do desporto europeu. Este sistema proporciona mais oportunidades aos clubes pequenos ou médios e valoriza o mérito desportivo;
• a dopagem e o desporto são antinómicos. A luta contra a dopagem não deve admitir a mínima tolerância;
• o “comércio” dos jovens desportistas deve ser combatido. Qualquer jovem desportista formado por um clube para a alta competição deve receber uma formação profissional complementar à sua formação desportiva.
A ausência de coordenação entre os intervenientes no desporto (federações, Estados-Membros e Comunidade Europeia), agindo isoladamente, poderia pôr em risco esses princípios comuns. Em contrapartida, os esforços convergentes da Comunidade Europeia, dos Estados e das federações desportivas poderiam contribuir eficazmente para promover na Europa um desporto fiel à sua função social, permitindo, simultaneamente, à sua organização assimilar os novos condicionalismos económicos.
4) PRAZO FIXADO PARA A APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO NOS ESTADOS-MEMBROS
Não aplicável
5) DATA DE ENTRADA EM VIGOR (caso não coincida com a data anterior)
Não aplicável
6) REFERÊNCIAS
Relatório da Comissão COM(99) 644 final
Não publicado no Jornal Oficial
7) TRABALHOS ULTERIORES
8) MEDIDAS DE APLICAÇÃO