>ADIN 3.045-1 – voto da ADIN 3045 – AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.045-1 DISTRITO FEDERAL

Autor: MIN. CELSO DE MELLO

voto do Min. Celso de Mello na ADIN 3045AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE 3.045-1 DISTRITO FEDERAL

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO
REQUERENTE (S): PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA – PDT
ADVOGADO (A/S): ALDIR GUIMARÃES PASSARINHO
REQUERIDO (A/S): PRESIDENTE DA REPÚBLICA
ADVOGADO (A/S): ADVOGADO GERAL DA UNIÃO
REQUERIDO (A/S): CONGRESSO NACIONAL
INTERESSADO(A/S): REDE BRASILEIRA DE ENTIDADES
ASSISTENCIAIS FILANTRÓPICAS –
REBRAF
ADVOGADO (A/S):): MARILIA SILVIA ALVES DE CASTRO

R E L A T Ó R I O

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO – (Relator) :
O Partido Democrático Trabalhista – PDT, com o ajuizamento da presente ação
direta, objetiva e declaração parcial de inconstitucionalidade, sem redução
de texto, do art. 59, “caput” e de seu parágrafo único, do novo Código Civil
brasileiro (fls. 02/15), pretendendo que o Supremo Tribunal Federal atribua,
às normas legais referidas, interpretação conforme à Constituição, de modo a
excluir, do âmbito de incidência dos preceitos normativos em questão, “as
entidades dirigentes desportivas e associações desportivas” (fls. 15)
invocando, para tanto, a cláusula inscrita no art. 217, I, da Constituição
da República, que assegura, em favor de tais instituições, a prerrogativa da
autonomia quanto à sua organização e funcionamento.

As regras legais ora impugnadas na presente
sede de controle normativo abstrato possuem o seguinte teor:

“Art. 59. Compete privativamente à
assembléia
geral;
I – eleger os administradores;
II – destituir os administradores;
III – aprovar as contas;
IV – alterar o estatuto.
Parágrafo único. Para as
deliberações a que se referem os incisos II e IV é exigido o voto
concorde de dois terços dos presentes à assembléia especialmente convocada
para esse fim, não podendo ela deliberar, em primeira convocação, sem a
maioria absoluta dos associados, ou com menos de um terço nas convocações
seguintes.”

Eis, em síntese, os fundamentos, que,
invocados pelo autor da presente ação direta, buscam legitimar a pretensão
por ele deduzida (fls. 02/15):

“(…) como se verifica, o novo
Código Civil, em relação às associações, expressamente confere à assembléias
gerais a competência para decisões que dizem diretamente com a administração
e funcionamento das mesmas, enquanto o disposto no art. 217, I, da
Constituição peremptoriamente assegura a autonomia das entidades desportivas
dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento.
Ora, organização de uma entidade,
seja ela pessoa jurídica de direito público, como de direito privado,
compreende a sua estrutura, com a composição dos órgãos que a integram, e
necessárias à realização dos seus objetivos, com a competência para o
exercício das atividades, que a cada um deles for atribuída.

………………………………………………………………….
……
(…) quando o art. 59 do Código
Civil dispõe que compete privativamente à assembléia geral decidir sobre a
matéria nele elencada, deu-lhe poderes de decidir não só sobre a
organização, como sobre o próprio funcionamento das associações, quando é
certo que, em se tratando de entidades desportivas dirigentes e associações
desportivas, têm tais entidades, ante a regra específica do mencionado art.
217, I, da Constituição, autonomia para dispor quanto a sua organização e
funcionamento, podendo, deste modo, prever, nas respectivas estruturas
administrativas, a existência de órgãos outros – que não a sua assembléia
geral – aos quais seja atribuída competência para decidir sobre a matéria
que a lei geral atribui às assembléias gerais.
É que a autonomia consiste no poder
de autogestão e de auto-ordenamento interno, assegurando às entidades
constitucionalmente excepcionadas a possibilidade de atender seus objetivos
precípuos.
É que devem as entidades esportivas
indicadas na Lei Maior dispor de uma estrutura organizacional bastante
flexível e normas igualmente amplamente flexíveis ante a dinâmica de que
necessitem para o desempenho de suas particulares atividades.
Em relação a entidades cujas
atividades se incluem entre aquelas tidas como de interesse direto do
Estado, a Constituição estabelece algumas regras e fixa princípios básicos
não só no referente à organização de tais entes, como, ainda, de seu próprio
funcionamento.

………………………………………………………………….
……
Deste modo, o disposto no art. 59 do
Código Civil, ao atribuir às assembléias gerais das associações, em geral
( Cap. II – Das Associações ), a competência privativa para eleger seus
administradores, destituir os administradores, aprovar as contas e alterar o
estatuto, bem como ao estabelecer, conforme o par. único daquele mesmo
artigo, o `quorum’ para as deliberações sobre as hipóteses previstas nos
incisos III e IV do mesmo art. 59, esbarra, frontalmente, no que diz
respeito às entidades desportivas dirigentes e às associações desportivas,
com a norma constitucional em comento, que, dando-lhes autonomia sobre sua
organização e funcionamento, faculta-lhes estabelecer normas que disponham
diferentemente sobre os poderes que o mencionado preceito legal comete
privativamente às assembléias gerais.

………………………………………………………………….
……
Deste modo, confrontando diretamente
o art. 59 e seu par. único do Código Civil, com o art. 217, e seu inc. I, da
Constituição Federal, é de ser declarada a inconstitucionalidade daqueles
dispositivos legais frente ao mencionado preceito constitucional, o que se
pede seja declarado, pelo menos interpretando-se, conforme a Constituição, a
norma ínsita nos aludidos preceitos do Código, para que se tenham como dela
exclusivas as entidades e associações esportivas.

………………………………………………………………….
……
Por todo o exposto, o Partido
Democrático Trabalhista (PDT) pede e espera que essa Suprema Corte declare
a inconstitucionalidade, embora que parcial, mediante interpretação conforme
a Constituição, de acordo com a jurisprudência desse Eg. Tribunal, do art.
59, `caput’ e seu parágrafo único, do novo Código Civil, ante o disposto no
inc. I do art. 217 da Constituição Federal, ou seja, não prevalecendo aquele
preceito do código em relação às entidades dirigentes desportivas e
associações desportivas, possibilitando-as desempenhar suas atividades
fundamentais, que atendem ao próprio dever do Estado.” (grifei)

Cabe-me observar que o novo Código Civil
Brasileiro, instituído pela Lei no. 10.406, de 10/01/2002, veiculou norma de
caráter transitório destinada a viabilizar a adaptação, às suas
disposições, das associações, sociedades e fundações constituídas na forma
da legislação anterior, estipulando o prazo de dois (2) anos, contado da
vigência do novíssimo Estatuto Civil, para efeito de adequação de tais
instituições ao novo regramento normativo, excluídas de tal exigência,
unicamente, as organizações religiosas e os partidos políticos (Lei no.
10.825/2003).

Por entender presentes os requisitos
autorizadores da instauração do procedimento abreviado, determinei fosse
observada, na tramitação desta ação direta de inconstitucionalidade, a
disciplina estabelecida no art. 12 da Lei no. 9.868/99 (fls. 38).

Assinalo, neste ponto, que admiti, na condição
de “amicus curiae” a Rede Brasileira de Entidades Assistenciais
Filantrópicas – REBRAF, por reputar atendidas, na espécie, quanto a ela, as
condições fixadas no art. 7o, § 2o da Lei no. 9.868/99 (fls. 174).

A REBRAF interveio na presente causa para
postular a integral declaração de inconstitucionalidade do art. 59 do novo
Código Civil brasileiro, sustentando que esse preceito legal transgride o
postulado constitucional que assegura a liberdade de associação e que a
protege de qualquer tipo de interferência estatal ( fls. 181/184).

O Senhor Presidente do Congresso Nacional, ao
prestar as informações que lhe foram solicitadas (fls. 119/126),
pronunciou-se pela improcedência da presente ação direta, fundamentando-se,
para tanto, nas seguintes considerações (fls. 124/125):

“A fundamentação jurídica do
Requerente reside em que o novo Código Civil, em relação às associações,
expressamente confere às assembléias gerais a competência para decisões que
dizem diretamente com a administração e funcionamento das mesmas, enquanto o
disposto no art. 217, I, da Constituição peremptoriamente assegura a
autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua
organização e funcionamento.”
Sustenta, o Autor, que, `quando o
art. 59 do Código Civil dispõe que compete privativamente à assembléia geral
decidir sobre a matéria nele elencada, deu-lhe poderes de decidir não só
sobre a organização, como sobre o próprio funcionamento das associações,
quando é certo que, em se tratando de entidades desportivas dirigentes e
associações desportivas, têm tais entidades, ante a regra específica do
mencionado art. 217, I, da Constituição, autonomia para dispor quanto a sua
organização e funcionamento, podendo, deste modo, prever, nas respectivas
estruturas administrativas, a existência de órgãos outros – que não a sua
assembléia geral – aos quais seja atribuída competência para decidir sobre
a matéria que a lei geral atribui às assembléias gerais’.
Por fim, requer a declaração de
inconstitucionalidade dos dispositivos mencionados do Código Civil, e, `pelo
menos’, a sua interpretação conforme a Constituição para que se tenham como
dela excluídas as entidades e associações esportivas’.
Não resta esclarecido pelo Autor qual
é o alcance do termo `entidade’, quando se refere a entidades e associações
esportivas. De fato, por entidade, pode-se ter `aquele ou aquilo que tem
existência distinta e independente, quer real, quer concebida pelo espírito;
ente, ser'(Aurélio, eletrônico). Essa observação é necessária quando está
presente no requerimento do Autor para que as `entidades’ sejam excluídas da
incidência do art. 59, caput, parágrafo único, do Código Civil, e nem de
longe as normas insertas no artigo citado se referem a `entidades’, e muito
menos a entidades desportivas. Nota-se, ainda, que, por entidade, pode-se
ter a empresa unipessoal e a sociedade, esta, inclusive, assumindo as mais
diversas modalidades previstas no nosso ordenamento jurídico.
Desse esclarecimento pode-se chegar a
duas conclusões: primeiramente, o pedido, no que tange a `entidades’, é
impossível, porque o art. 59 em toda a sua extensão, em nenhum momento se
refere a entidade desportiva; a outra conclusão é a de que as entidades às
quais o Autor se refere podem assumir as mais variadas formas que não seja a
de associação. Assim, ante as normas gerais constantes do Código Civil, que
não obrigam que as entidades relacionadas com desportos se organizem sob a
forma de associação, seria razoável que as associações se adaptassem às
normas do que a s normas se adaptassem às associações.
Frise-se, portanto, que não há
qualquer referência do art. 59, e nem do seu parágrafo único, do Código
Civil, a qualquer entidade desportiva. O que existe ali são meras regras
gerais sobre associações sem fins lucrativos, que em nenhum momento se
confrontam com a Constituição Federal.
Cabe, portanto, aos interessados em
constituir entidades desportivas, que adotem a forma jurídica mais
apropriada aos seus interesses, se a figura da associação não lhes atender.
Do exposto, nenhuma infringência ao
texto constitucional se vislumbra.” (grifei)

O Senhor Presidente da Republica, por sua vez,
ao sustentar a plena constitucionalidade das normas legais ora questionadas
(fls. 128/155), fundamentou essa posição em razões que assim foram resumidas
pelo eminente Consultor-Geral da União Substituto, Dr. João Francisco Aguiar
Drumond (fls. 130):

“Em primeiro lugar, é de se notar
que, mesmo gozando de autonomia quanto à sua organização e funcionamento, as
entidades desportivas dirigentes e associações estão sujeitas à incidência
de normas de ordem pública. Ou seja, sua autonomia não é absoluta, nem
poderia ser. Trata-se de autonomia a ser exercitada dentro de certos
parâmetros. Sobretudo daqueles que dizem respeito ao próprio conceito de
associação, que é estabelecido em lei.
Nesses termos, só se enquadra como
associação aquela união de pessoas organizadas para fins não econômicos, de
acordo com o conceito legal – art. 53 do Código Civil.
Assim, não obstante as associações e
entidades desportivas tenham autonomia para se organizar, não é possível que
se organizem para fins diversos daqueles previstos na lei, sob pena de se
descaracterizarem como associações. Também não podem dispor sobre a
conceituação de associação e seus elementos essenciais, o que desvirtuaria a
sua natureza.
Em resumo, a condição de associação
decorre de conceito legal. Uma agremiação de entidades desportivas será ou
não uma associação com soante atenda ou não os requisitos constantes da lei.
Além disso, vale lembrar que a
disciplina relativa à associação de entidades desportivas é objeto de lei
especial, qual seja a Lei no. 9.615, de 24 de março de 1998, e, não
exclusivamente, dos arts. 53 a 61 do Código Civil.”(grifei)

Cabe registrar que o eminente Advogado- Geral
da União, ao opinar na presente causa (fls. 157/166), pronunciou-se no
sentido da improcedência desta ação direta, por não vislumbrar qualquer eiva
de inconstitucionalidade nas normas legais ora impugnadas nesta sede de
fiscalização abstrata (fls. 157/166), apoiando-se em sua douta manifestação,
nos seguintes fundamentos (fls. 161/165):

“A controvérsia consiste em saber se
o inteiro teor do artigo 59 do novo Código Civil, que dispõe sobre a
competência privativa das assembléias gerais das associações, fere a
autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto à
organização e funcionamento, outorgados pelo inciso I do artigo 217 da
Constituição da República.
A resposta é negativa. Cabe registrar
que o Código Civil, ao legislar sobre matéria relativa às associações, fé-lo
como regra geral, de modo a abranger os organismos criados por pessoas
visando fins não econômicos. Dentre elas incluem-se as associações firmadas
para finalidades desportivas, já que estas possuem à faculdade de adotar ou
não esta forma constitutiva.

………………………………………………………………….
……
Precisamente por ser uma regra geral,
aplicável, não só às associações voltadas para as atividades desportivas,
mas para todos os demais ramos, conclui-se pela impossibilidade de se
declarar a inconstitucionalidade, ainda que parcial, do dispositivo
impugnado, sob pena de ficarem desacolhidas as possibilidades que necessitam
de sua aplicação.
Já quanto à possibilidade de excetuar
apenas as associações desportivas ao abrigo da indigitada disposição civil,
pela via da `interpretação conforme a Constituição’, o pleito também não
prospera.
Ocorre que a autonomia prevista no
inciso I do artigo 217 do texto constitucional não confere às associações
desportivas o livre arbítrio de impor suas próprias regras primárias, cada
qual à sua maneira, possibilitando, até mesmo, a criação de tipos
associativos amórficos.
A título de comparação, nem a ampla
autonomia administrativa atribuída aos entes federados pelo o art. 18 da
Constituição da República afasta os limites traçados pelas regras mínimas do
Código Civil, a exemplo do parágrafo único do art. 41 do novo Código Civil,
que determina a sua aplicação às pessoas jurídicas de direito público que
tenham estrutura de direito privado.
Ora, se a Carta Constitucional
restringiu até mesmo a autonomia dos próprios entes federados, impondo-lhes

os limites conforme a competência, neste caso da União – inciso I do art.
22 -, com muito mais razão este limite alcançou a iniciativa privada,
principal motivo de existência do Código Civil.

………………………………………………………………….
……
Assim, como bem consta nas
informações presidenciais (fls. 134/135), `o art. 217 conferiu aos entes
desportivos autonomia compatível com a livre iniciativa, com poder de editar
normas reguladoras secundárias de natureza técnica e jungidas às suas
funções institucionais, mas o fez com fins específicos e com vinculações à
ordem legal e constitucional’, ou seja, a autonomia não consiste num direito
ilimitado para administrar, pois todos se submetem ao ordenamento jurídico
no chamado `Estado de Direito’, num sistema de interdependências estruturado
pelo princípio da legalidade.
Nessa esteira, ao outorgar poderes à
assembléia geral das associações, o dispositivo atacado confere poderes
democráticos a todos os seus associados, de modo a garantir o mínimo de
direitos e deveres suportáveis pelo Estado Democrático de Direito, e que
lhes são conferidos em decorrência da garantia à liberdade associativa
prevista no in ciso XVII do artigo 5o da Carta Política, concretizando-a.

………………………………………………………………….
……
Concretamente, esta regra do artigo
59 não tolhe, mas, exatamente o contrário, confere força à autonomia
associativa, na medida que seus atos de gestão, que passam a ser traduções
da vontade de todos os seus associados, que, por sua vez, são a razão de
existir da associação.

………………………………………………………………….
……
Por outro lado, a autonomia conferida
ao desporto limita-se à `…faculdade e liberdade de pessoas físicas e
jurídicas organizarem-se para a prática desportiva’, conforme definido pelo
inciso II do art. 2o da Lei no 9.981, de 14 de julho de 2000 (Lei Pelé), que
regulamenta o dispositivo constitucional em apreço, ou seja, as entidades
desportivas dirigentes e associações possuem autonomia de modo a atribuir
mera faculdade e liberdade às pessoas físicas ou jurídicas de se organizarem
para a prática desportiva, não podendo confundir essa autonomia com o poder
de se afastar dos requisitos legais para serem reconhecidas enquanto
entidades associativas.
Soma-se, a esses argumentos, o fato
de ser o poder de supremacia do Estado intransponível pelo setor privado, e
sendo a Associação um instituto próprio do direito civil, competente é a
União para legislar sobre a matéria acerca de regras gerais mínimas a serem
observadas para todos os que pretendam constituir-se como tal, não se
traduzindo, por isso, uma violação à autonomia das entidades desportivas.
Enfim, a competência da lei civil,
para regulamentar, de forma cogente, os requisitos mínimos para a
constituição e disciplinamento de uma associação não se confunde com a
autonomia atribuída às associações desportivas para se organizarem e
funcionarem independentemente do Estado, que possui o dever de fomentar a
atividade. Mas estas terão que se constituir e reger conforme a lei civil.
Isto é o que diz a sistemática do inciso I do art. 217 da Carta.”(grifei)

O eminente Procurador-Geral da República,
Professor CLÁUDIO FONTELES, por sua vez, opinou “pela improcedência do
pedido de declaração de inconstitucionalidade” (fls. 172), fazendo-o com
apoio em douto parecer (fls. 168/172) que está assim ementado (fls. 168):

“Artigo 59 e parágrafo único da Lei
no 10.406, de 10 de janeiro de 2002.
– A autonomia das entidades e
associações desportivas está na sua própria organização e funcionamento.
– A autonomia outorgada pelo artigo
217 de C.F. não pode anular a competência constitucional da União de
estabelecer normas gerais sobre desporto, prevista no artigo 24 da própria
Constituição Federal.
– Pela improcedência do pedido de
declaração de inconstitucionalidade.” (grifei)

Este é o relatório, de cujo texto a Secretaria
remeterá cópia a todos os Senhores Ministros deste Egrégio Tribunal (Lei no
9.868/99), art. 9o, “caput”; RISTF, art. 172).

15/12/2004
TRIBUNAL PLENO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.045-1 DISTRITO FEDERAL

V O T O

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO – (Relator):
Cabe-me analisar, inicialmente, questão preliminar suscitada pelos eminentes
Advogado- Geral da União (fls. 160) e Procurador-Geral da República (fls.
169, item no 5), consistente na impossibilidade de intervenção processual,
na presente causa, da REBRAF – Rede Brasileira de Entidades Assistenciais
Filantrópicas, sob a alegação de que, por tratar-se de associação de
associações e por não se verificar quanto a ela, o atendimento de exigência
relativa à pertinência temática, essa entidade não se subsume à qualificação
de “amicus curiae” seja porque se trata de associação de associações; seja
porque não satisfaz a exigência concernente ao vínculo da pertinência
temática, seja, ainda, porque sustenta a inconstitucionalidade da norma
legal em questão sob fundamento diverso (ofensa à liberdade de associação)
daquele invocado pelo autor desta ação direta, que apóia a sua pretensão no
suposto desrespeito ao postulado da autonomia jurídica das entidades
desportivas.

Rejeito a preliminar suscitada, quer porque se
acham atendidas, no caso, as condições fixadas no art. 7o , § 2o, da Lei no
9.868/99, quer porque a qualificação como “amicus curiae” – que constitui
terceiro interveniente – prescinde, por isso mesmo, ao contrário do que
pretendido pelo eminente Advogado-Geral da União, da necessidade de “possuir
legitimação ativa para a ação de controle abstrato” (fls. 160).

Cumpre assinalar, neste ponto, que a REBRAF
congrega mais 700 (setecentas) entidades assistenciais filantrópicas,
valendo destacar aquelas que compõem o seu Conselho Gestor, relacionadas a
fls. 51/55 e cabendo mencionar as que intervieram em sua fundação,
mencionadas a fls. 56/60 destes autos, tudo a evidenciar que essa
Instituição possui significativa e adequada representatividade, que a
qualifica para os fins a que alude o § 2o do art. 7o da Lei no 9.868/99.

É certo que o Supremo Tribunal Federal firmou
orientação no sentido de que o pedido de intervenção assistencial,
ordinariamente, não tem cabimento em sede de ação direta de
inconstitucionalidade, eis que terceiros, em nosso sistema de direito
positivo, não dispõem de legitimidade para intervir no processo de controle
normativo abstrato (RDA 155/155 – RDA 157/266 – RTJ 176/991, Rel. Min. CELSO
DE MELLO, v.g.).

A Lei no 9.868/99; ao regular o processo de
controle abstrato de constitucionalidade, e observando essa diretriz
jurisprudencial, prescreve que “Não se admitirá intervenção de terceiros no
processo de ação direta de inconstitucionalidade” (art. 7o, “caput”).

A razão de ser dessa vedação legal – adverte o
magistério da doutrina (OSWALDO LUIZ PALU, “Controle de
Constitucionalidade”,
p. 216/217, 1999, RT; ZENO VELOSO, “Controle Jurisdicional de
Constitucionalidade”, p. 88, item no 96, 1999, Cejup; ALEXANDRE DE MORAES,
“Direito Constitucional”, p. 571, 6a. ed., 1999, Atlas, v.g.) – repousa na
circunstância de o processo de fiscalização normativa abstrata qualificar-se
como processo de caráter objetivo (RTJ 113/22 – RTJ 131/1001 – RTJ 136/467 –
RTJ 164/506-507).

Não obstante tais razões, cumpre relembrar a
regra inovadora constante do art. 7o, § 2o, da Lei no 9.868/99, que, em
caráter excepcional, abrandou o sentido absoluto da vedação pertinente à
intervenção assistencial, passando, agora, a permitir o ingresso de
entidade dotada de representatividade adequada no processo de controle
abstrato de constitucionalidade.

A norma legal em questão, ao excepcionalmente
admitir a possibilidade de ingresso formal de terceiros no processo de
controle normativo abstrato, assim dispõe:

“O relator, considerando a relevância
da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho
irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a
manifestação de outros órgãos ou entidades.” (grifei)

No estatuto que rege o sistema de controle
normativo abstrato de constitucionalidade, o ordenamento positivo brasileiro
processualizou, na regra inscrita no art. 7o, § 2o, da Lei no 9.868/99, a
figura do “amicus curiae”, permitindo, em conseqüência, que terceiros, desde
que investidos de representatividade adequada, sejam admitidos na relação
processual, para efeito de manifestação sobre a questão de direito
subjacente à própria controvérsia constitucional.

Cabe advertir, no entanto, que a intervenção do
“amicus curiae”, para legitimar-se, deve apoiar-se em razões que tornem
desejável e útil a sua atuação processual na causa, em ordem a proporcionar
meios que viabilizem uma adequada resolução do litígio constitucional.

Impõe-se destacar, neste ponto, por necessário,
a idéia nuclear que anima os propósitos teleológicos que motivaram a
formulação da norma legal em causa, viabilizadora da intervenção do “amicus
curiae” no processo de fiscalização normativa abstrata.

Não se pode perder de perspectiva que a regra
inscrita no art. 7o, § 2o da Lei no 9.868/99 – que contém a base normativa
legitimadora da intervenção processual do “amicus curiae” – tem por objetivo
essencial pluralizar o debate constitucional, permitindo que o Supremo
Tribunal Federal venha a dispor de todos os elementos informativos possíveis
e necessários à resolução da controvérsia, visando-se, ainda, com tal
abertura procedimental, superar a grave questão pertinente à legitimidade
democrática das decisões emanadas desta Corte (GUSTAVO BINENBOJM, “A Nova
Jurisprudência Constitucional Brasileira”, 2001, Renovar; ANDRÉ RAMOS
TAVARES, “Tribunal e Jurisdição Constitucional”, p. 64/81, 2000, Atlas),
quando no desempenho de seu extraordinário poder de efetuar, em abstrato, o
controle concentrado de constitucionalidade.

Tenho presente, neste ponto, o magistério do
eminente Ministro GILMAR MENDES (“Direitos Fundamentais e Controle de
Constitucionalidade”, p. 503/504, 2a. ed., 1999, Celso Bastos Editor),
expedindo em passagem na qual põe em destaque o entendimento de PETER
HABERLE, segundo o qual o Tribunal “há de desempenhar um papel de
intermediário ou de mediador entre as diferentes forças com legitimação no
processo constitucional” (p. 498), em ordem a pluralizar, em abordagem que
deriva de abertura material da Constituição, o próprio debate em torno da
controvérsia constitucional, conferindo-se, desse modo, expressão real e
afetiva ao princípio democrático, sob pena de se instaurar, no âmbito do
controle normativo abstrato, um indesejável “déficit” de legitimidade das
decisões que o Supremo Tribunal Federal venha a pronunciar no exercício, “in
abstracto”, dos poderes inerentes à jurisdição constitucional.

Também não procede a objeção dos eminentes
Advogado-Geral da União e Procurador-Geral da República, quando afirmam que
a REBRAF não pode ostentar a condição de “amicus curiae”, considerada a
circunstância – segundo sustentam – de que a pretensão de
inconstitucionalidade por ela deduzida, afastando-se do fundamento invocado
pelo autor da presente ação direta (que apóia o seu pleito no suposto
desrespeito ao postulado da autonomia jurídica das entidades desportivas),
encontra suporte em fundamento diverso, consistente, no caso, na alegação ao
princípio de liberdade de associação.

Na realidade, há que se ter em perspectiva o
caráter aberto do elemento causal (“causa petendi”) inerente à ação direta
de inconstitucionalidade, que – por ensejar ampla indagação jurisdicional,
por parte desta Suprema Corte, em torno dos possíveis fundamentos (invocados
ou não) justificadores de eventual invalidade constitucional do ato
normativo – permite, bem por isso, que o “amicus curiae” apóie a sua
pretensão de inconstitucionalidade em fundamento jurídico diverso daquele
invocado pelo autor do processo de fiscalização normativa abstrata, não se
achando vinculado, portanto aos argumentos utilizados pela parte principal.

Não se pode desconhecer, Senhora Presidente, a
propósito da questão ora em exame, que a jurisprudência desta Suprema Corte
(RTJ 175/857-858, Rel. Min. MOREIRA ALVES – RTJ 179/35-37, Rel. Min. CELSO
DE MELLO) reconhece que o Supremo Tribunal Federal não está vinculado, na
formulação do juízo de inconstitucionalidade, aos fundamentos que tenham
sido deduzidos pelo autor da ação direta:

“Ação direta de inconstitucionalidade
(…).
– Relevância de fundamento – ainda
que não invocado diretamente pelo requerente -, que pode ser levado em
consideção pela Corte, dado que a `causa petendi’, nessa ação é aberta,
relativo à independência dos Poderes (artigo 2o da Constituição Federal).
(…).”
(ADI 1.606-MC/SC, Rel. Min. MOREIRA
ALVES – grifei)

Esse mesmo entendimento é igualmente perfilhado
pelo magistério da doutrina (IVES GANDRA DA SILVA MARTINS/GILMAR FERREIRA
MENDES, “Controle Concentrado de Constitucionalidade: Comentários à Lei no
9.868, de 10-11-1999”, p. 147, 2001, Saraiva, v.g.) que também põe em
destaque a circunstância de que esta Suprema Corte, em sede de fiscalização
abstrata de constitucionalidade, não está adstrita aos fundamentos invocados
pelo autor da ação direta, tendo em vista, precisamente, o caráter aberto da
“causa petendi” concernente a tais ações.

São estas, Senhora Presidente, as razões que me
levam a rejeitar a questão preliminar suscitada pelos eminentes
Advogado-Geral da União e Procurador-Geral da República.

Passo a examinar, agora, o mérito da
controvérsia constitucional veiculada na presente sede de controle normativo
abstrato.

Analiso, inicialmente, a pretensão deduzida
pelo Partido Democrático Trabalhista, que busca seja dada interpretação
conforme à Constituição ao art. 59 e a seu parágrafo único, de modo a
excluir, do âmbito de incidência de tais normas legais, “(…) as entidades
dirigentes desportivas e associações desportivas” (fls. 15), considerada a
cláusula inscrita no art. 217, I da Carta da República.

Registro, neste ponto, que essa pretensão tem o
apoio do Sindicato Nacional das Associações de Futebol Profissional e
Administração do Desporto e Ligas, que foi admitido, na presente relação
processual, como “amicus curiae”.

A Constituição Federal, ao proclamar os
postulados básicos concernentes às instituições desportivas, consagrou, em
seu texto, o próprio estatuto jurídico de tais entidades, definindo
princípios, que, revestidos de estatura jurídica incontrastável, fixam
diretrizes normativas e instituem vetores condicionantes da organização e
funcionamento de tais agremiações.

O legislador constituinte brasileiro, por isso
mesmo – pretendendo assegurar e incentivar a participação efetiva das
referidas associações no âmbito do desporto nacional – conferiu-lhes um grau
de autonomia que propicia, a tais entes, especial prerrogativa jurídica
consistente no prevalecimento de sua própria vontade, em tema de definição
de sua estrutura organizacional e de seu interno funcionamento, embora tais
entidades estejam sujeitas às normas gerais fundadas na legislação emanada
do Estado, eis que a noção de autonomia, ainda que de extração
constitucional, não se revela absoluta, nem tem a extensão e o conteúdo
inerentes ao conceito de soberania e de independência.

É preciso enfatizar, bem por isso, mesmo
tratando-se de organização e funcionamento de associações civis e de
entidades desportivas, que o conceito de autonomia – que supõe o exercício
de um poder essencialmente subordinado a diretrizes gerais que lhe
condicionam a prática – não se confunde com a noção de soberania, que
representa uma prerrogativa incontrastável, impregnada de caráter absoluto.

Isso significa que entidades autônomas, como as
organizações desportivas, qualificam-se como instituições juridicamente
subordinadas às normas estruturantes editadas pelo Estado, que representam,
nesse contexto, verdadeiros arquétipos no processo de configuração
institucional de tais entes.

Na realidade, as cláusulas gerais resultantes
da legislação estatal qualificam-se como normas de estrutura, positivadas,
em sede legal, pelo Poder Público, com o objetivo de delimitar o âmbito de
atuação do poder autônomo reconhecido às entidades privadas em questão,
vinculando-as a uma regra-matriz ou a uma norma- padrão que traduzem vetores
condicionantes de tais entes no processo de sua própria organização.

A legislação estatal, nesse contexto, define
modelos hipotéticos abstratos que encerram verdadeiros arquétipos
delimitadores do espaço em que as entidades privadas, inclusive as de
caráter desportivo, podem atuar com relativa margem de liberdade.

As normas legais ora impugnadas, tendo em conta
a significativa importância das matérias nelas elencadas (eleição e
destituição de administradores, aprovação de contas e alteração
estatulária) – e considerando que o poder de auto-organização, precisamente
por não ser absoluto, sofre os condicionamentos gerais definidos pelo
Estado – prescreveram, em atenção ao interesse público, que as deliberações
em torno de tais assuntos deveriam competir à assembléia geral, assim
delimitando, de modo legítimo, o âmbito de incidência do poder autônomo
reconhecido às entidades privadas.

A norma inscrita no art. 59 e em seu parágrafo
único do Código Civil qualifica-se, portanto, como matriz determinante da
própria ação normativa atribuída, em sede estatutária, às entidades privadas
em geral, cuja autonomia – por supor o exercício de determinada prerrogativa
nos precisos limites traçados pelo ordenamento estatal – permite-lhes agir
com relativo grau de liberdade decisória, sem que se veja, em tal
comportamento estatal, qualquer ofensa ao princípio fundado no art. 217, I,
da Constituição da República.

Tenho para mim que não se revela legítimo o
procedimento hermenêutico, que, elastecendo o sentido conceitual da
autonomia institucional de tais associações, busca estender, indevidamente,
o âmbito de incidência de tal prerrogativa, culminando por fazer instaurar
situação de que resulte inadmissível interdição ao poder conformador do
Estado, em tema de regulação normativa dos requisitos estruturadores
pertinentes às entidades de direito privado.

Daí a advertência de autores como LUÍS ROBERTO
BARROSO ( “Interpretação Constitucional – Direito Constitucional
Intertemporal – Autonomia Desportiva: Conteúdo e Limites – Conceito de
Normas Gerais”, in Revista de Direito Público, p. 96, item no 97,
janeiro-março de 1991, ano 24, RT), cujo magistério, no tema, assinala que
“A autonomia (…) não apenas comporta, como antes pressupõe a existência
de determinados limites. Quem tem competência para conceder autonomia, tem
competência para traçar-lhe parâmetros” (grifei).

Vê-se, portanto, que, tendo em vista o conceito
mesmo de autonomia, e cuide-se de autonomia privada ou trata-se de autonomia
normativa -, o que se mostra relevante é a circunstância de que tal
prerrogativa jurídica, ainda que resultante de cláusula constitucional, nada
mais significa do que a posse de uma capacidade de autodeterminação,
essencialmente exercitável, pelo ente público ou privado, nos estritos
limites delineados pelo ordenamento positivo do Estado.

Daí a observação de MANOEL GONÇALVES FERREIRA
FILHO ( “Comentários à Constituição Brasileira de 1988″, vol. 4/88, 1995,
Saraiva” ), a propósito do alcance da regra constitucional consagradora da
autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, em passagem na
qual esse ilustre publicista adverte que ” (…) a autonomia é
autodeterminação dentro da lei (…)” (grifei), o que permite reconhecer a
legitimidade de intervenção normativa do Estado na definição das cláusulas
gerais pertinentes à estruturação das associações civis (e, também, das
organizações desportivas) , eis que, não custa insistir, o exercício do
poder autônomo projeta-se , necessariamente, dentro de um círculo traçado
pelo próprio Estado.

Na realidade, e como referido por esse Autor, o
termo “autonomia”- tal como previsto no texto constitucional – “não é
empregado no seu sentido etimológico, grego, de `independência’, mas sim no
de autodeterminação dentro de limites traçados por norma superior” (grifei).

Cabe rememorar, neste ponto, o magistério de
MORTATI ( “Istituzioni di diritto pubblico”, vol. 2/694, 1967, CEDAM), para
quem a noção conceitual de autonomia nada mais representa senão um “Poder de
autodeterminação exercitável de modo independente, mas nos limites
consentidos pela lei estatal superior” (grifei).

Essa mesma percepção do tema é perfilhada por
JOSÉ AFONSO DA SILVA ( “Curso de Direito Constitucional Positivo”, p. 482,
23a. ed., 2004, Malheiros) cujo magistério destaca que a autonomia – ainda
que derivada de matriz constitucional (como sucede com as universidades, com
os partidos políticos, com os Estados- membros, com os Municípios e com os
Tribunais, dentre outros) – “é a capacidade de agir dentro de círculo
preestabelecido”, qualificando-se, por isso mesmo, como “poder limitado e
circunscrito (…)” (grifei).

Cabe ao Poder Público, mediante legislação
própria, definir a extensão dessa capacidade de autodeterminação,
traçando-lhe, para efeito de seu exercício, os limites de sua submissão ao
poder normativo do Estado, que indicará, em regra-matriz, em que medida, em
quem extensão e sob quais condições a prerrogativa jurídica da autonomia
poderá ser validamente exercida.

Vê-se, pois, a partir dessa essencial limitação
jurídica que incide sobre a autonomia normativa, que as entidades privadas –
a quem se outorgou, excepcionalmente, tal prerrogativa extraordinária –
estão sujeitas à regulação estatal, que, mediante cláusulas genéricas ou
conceitos jurídicos indeterminados, pode impor restrições, definir a
extensão e estabelecer parâmetros destinados a condicionar a prática desse
poder de auto-organização e de autodeterminação, sem que se possa inferir,
da legítima emanação de normas instituídas pelo Poder Público, qualquer tipo
de indevida interferência na esfera de liberdade das associações civis e das
entidades desportivas em geral.

Correta, sob tal perspectiva, a ponderação
feita pelo Senhor Presidente da República, por intermédio do eminente
Advogado-Geral da União, no ponto em que expende as seguintes considerações:

“Quanto à possibilidade de excetuar
apenas as associações desportivas do âmbito da disposição civil, pela via da
interpretação conforme a Constituição’, o pleito também não merece
prosperar.
Ocorre que a autonomia prevista no
inciso I do artigo 217 do texto constitucional não confere às associações
desportivas e livre arbítrio de impor suas próprias regras primárias, cada
qual à sua maneira, possibilitando, até mesmo, a criação de tipos
associativos amorfos.
A título de comparação, nem a ampla
autonomia administrativa atribuída aos entes federados pelo art. 18 da
Constituição da República afasta os limites traçados pelas regras mínimas do
Código Civil, a exemplo do parágrafo único do seu art. 41, que determina a
sua aplicação às pessoas jurídicas de direito público que tenham estruturas
de direito privado.
Ora, se a Carta Constitucional
restringiu até mesmo a autonomia dos próprios entes federados, impondo-lhes
os limites conforme a competência, neste caso da União – inciso I do art.
22 -, com muito mais razão tal baliza alcançou a iniciativa privada,
principal motivo de existência do Código Civil.

………………………………………………………………….
……
Por outro lado, a autonomia conferida
ao desporto limita-se à `…faculdade e liberdade de pessoas físicas e
jurídicas organizaram-se para a prática desportiva’, conforme definido pelo
inciso II do art. 2o da Lei no 9.981, de 14 de julho de 2000 (Lei Pelé) ,
que regulamenta o dispositivo constitucional em apreço, ou seja, as
entidades desportivas dirigentes e associações possuem autonomia de modo a
atribuir mera faculdade e liberdade às pessoas físicas ou jurídicas de se
organizarem para a prática desportiva, não podendo confundir essa autonomia
com o poder de se afastarem dos requisitos legais para serem reconhecidas
enquanto entidades associativas.
Soma-se a esses argumentos o fato de
ser o poder de supremacia do Estado intransponível pelo setor privado, e
sendo a associação um instituto próprio do direito civil, competente é a
União para legislar sobre a matéria acerca de regras gerais mínimas a serem
observadas por todos os que pretendam se constituir como tal, não se
traduzindo, por isso, uma violação à autonomia das entidades desportivas.
Enfim, a competência da lei civil
para regulamentar, de forma cogente, os requisitos mínimos para a
constituição e a disciplina de uma associação não se confunde com a
autonomia atribuída às associações desportivas para se organizarem e
funcionarem independentemente do Estado, que possui o dever de fomentar a
atividade. Elas terão que se constituir e reger conforme a lei civil. Isto é
o que se extrai da sistemática do inciso I do art. 217 da Carta Magna.”.
(grifei)

Em suma: a outorga constitucional de autonomia
normativa não significa, nem pode representar a atribuição, a tais entidades
privadas, de poderes que extravasem os limites definidos, em sede normativa
adequada, pelo poder estatal.

Mesmo reconhecendo-se que as entidades
desportivas qualificam-se, constitucionalmente, como núcleos de emanação do
poder normativo, não dispõem elas, contudo, de imunidade à incidência de
regras jurídicas que o Estado da prerrogativa de desenhar um modelo a que
tais entes devam ajustar-se, quando no exercício dessa relativa liberdade
decisório que possuem, sempre condicionada às prescrições resultantes da
legislação estatal.

E foi, precisamente, o que o legislador deixou
positivado no art. 59 do Código Civil, ao estabelecer parâmetros
regulatórios da atividade das associações civis em geral, compondo um núcleo
de temas de alto relevo, para submetê-los à apreciação da vontade
majoritária dos associados, reunidos em assembléia geral, em atenção ao
postulado democrático, que se mostra essencial à vida das entidades, como as
associações, que não perseguem fins econômicos.

A autonomia das entidades desportivas, desse
modo – considerada a estrita delimitação temática de sua abrangência
conceitual – não se qualifica como elemento de restrição ao Congresso
Nacional, quanto este, no exercício das atribuições que lhe confere o art.
22, I, da Constituição, venha a legislar, em nome da União Federal, como no
caso, sobre normas de direito civil, instituindo, em conseqüência, como o
fez no art. 59 do Código Civil, um complexo irredutível de matérias que
necessariamente deverão ser submetidas, em função de sua própria natureza, à
apreciação da Assembléia Geral, em respeito a um mandamento nuclear, fundado
no critério majoritário, cuja legitimação é extraída de um valor essencial
permanentemente alimentado pelo princípio democrático, que representa, em
nosso contexto político-institucional, um dos fundamentos da República e do
próprio Estado Democrático de Direito.

O preceito consubstanciado no art. 59 do Código
Civil constitui norma de ordem pública, impregnada de caráter imperativo,
destinada a estabelecer um sentido de ordem e de disciplina jurídicas no
seio das associações, com o objetivo de viabilizar o respeito à vontade
majoritária dos associados (sempre que se não obtiver o necessário consenso
em torno de matérias de alta relevância, como o são aquelas referidas na
regra em questão).

No fundo, a assembléia geral possui uma vocação
genuinamente democrática, pois representa, enquanto órgão máximo de
deliberação colegiada, o instrumento de concretização, por excelência, do
princípio democrático, cujo alcance – embora permitindo realizar, como
função precípua que lhe é inerente, a vontade majoritária dos associados –
também representa fator de preservação dos interesses das correntes
minoritárias, obstando, quanto a estas, que se pratiquem atos configuradores
de abuso de poder.

Daí, a pertinente observação de MODESTO
CARVALHOSA ( “Comentários à Lei de Sociedades Anônimas”, vol. 2/603, 3a.
ed., 2003, Saraiva), cujo magistério – ao analisar os fundamentos teóricos
que justificam a instituição das assembléias gerais, embora o faça na
perspectiva das sociedades por ações – reconhece, não obstante, que esse
órgão colegiado da administração social “É o instrumento eficaz que tem o
acionista de confrontar suas opiniões com a dos demais. É, com efeito, na
assembléia geral, que pode ocorrer troca de pontos de vista, e, assim, a
intervenção minoritária. Esta tem seu peso nas decisões, na medida em que,
ao argüir as questões propostas, não se considera a sua participação no
capital, mas, principalmente, o seu poder de persuasão e a justeza de seus
argumentos. Insista-se no aspecto ideal desses fundamentos”.

Essa mesma, visão do tema é partilhada por
eminentes jurisconsultos, tais como CELSO RIBEIRO BASTOS ( “Comentários à
Constituição do Brasil”, vol. 8/819, 2a. ed., 2000, Saraiva) e GILMAR MENDES
( “Tendências e Expectativas do Direito Desportivo”, in Direito Desportivo,
p. 265, 2000, Editora Jurídica Mizuno), cujo magistério, no ponto, assinala
que as normas legais que dispõem sobre aspectos gerais concernentes à
estruturação orgânica das associações e das sociedades, notadamente aquelas
que se dirigem à disciplinação normativa da assembléia geral e do conjunto
mínimo de suas atribuições, não transgridem o princípio da liberdade de
associação, bem assim não ofendem o postulado assegurador de sua autonomia,
pois as prescrições que versam tais matérias têm por fundamento a supremacia
do interesse público, que representa, nesse sentido, valor de fundamental
importância, eis que destinado a fazer prevalecer o princípio democrático na
vida de tais entidades, assegurando, de um lado, a preponderância das
deliberações majoritárias na formação da vontade social e preservando, de
outro, os interesses dos grupos minoritários, cuja voz será ouvida no
contexto das discussões e votações travadas no âmbito das assembléias
gerais.

Nisso reside a própria razão de ser que
justifica e que confere plena legitimidade jurídico-constitucional à norma
que atribui, à assembléia geral, competência mínima e irredutível para
deliberar, de modo soberano, mesmo tratando-se de entidades desportivas,
sobre temas como aqueles elencados no art. 59 do Código Civil, que se
revelam – dada a sua inquestionável relevância – essenciais à própria vida
das associações civis.

O art. 59 do Código Civil, portanto, ao
estabelecer um mínimo de atribuições a serem exercidas pela assembléia
geral, não impede que as associações, mesmo as de caráter desportivo,
exerçam, em sua plenitude, o seu poder autônomo de conferir, a esse mesmo
órgão colegiado, outros encargos por elas reputados compatíveis com os
objetivos visados pelos estatutos sociais.

O que revela observar, neste ponto, é que o
Estado, ao prescrever a norma constante do art. 59 do Código Civil, visou,
com ela, não só disciplinar aspectos gerais pertinentes ao fenômeno
associativo, mas, sobretudo, objetivou impedir que a existência das
associações pudesse vir a ser comprometida pela ação lesiva de grupos
minoritários, que, dominando a vida de tais associações, inclusive as de
caráter desportivo, viessem a manipulá-las, subordinando-as, de modo
ilegítimo, a seu poder de controle.

Daí a prudência com que o legislador civil se
houve ao deferir, à assembléia geral, o poder de deliberação sobre matérias
de relevo evidente para a vida, o funcionamento e a consecução dos objetivos
para os quais essas associações e entidades desportivas foram concebidas,
prestigiando, sob tal perspectiva, o postulado majoritário, tal como decorre
do parágrafo único do art. 59 do Código Civil, que assim dispõe: “Para as
deliberações a que se referem os incisos II e IV é exigido o voto concorde
de dois terços dos presentes à assembléia especialmente convocada para esse
fim, não podendo ela deliberar, em primeira convocação, sem a maioria
absoluta dos associados, ou com menos de um terço nas convocações
seguintes.”

Não foi por outro motivo que FÁBIO ULHOA COELHO
( “Curso de Direito Civil”, vol. 1/251-252, item no 7.1.3, 2003, Saraiva),
ao advertir que os temas elencados no art. 59 do Código Civil traduzem
matéria privativa da legislação estatal, assinalou, com absoluta correção,
que os tópicos referidos na norma legal em questão não podem ser
disciplinados, de modo diverso, pelos estatutos da associação, em claro
reconhecimento de que o preceito normativo em causa, por adequado, razoável
e legítimo, reveste-se de plena validade jurídico-constitucional:

“A assembléia dos associados é o
órgão de deliberação máximo da associação. Trata-se de uma reunião sujeita a
diversas formalidades, para se considerarem válidos os trabalhos e
deliberações havidas. A competência da assembléia dos associados ‘;e
estabelecida no estatuto, que costuma reservar-lhe a apreciação das matérias
mais relevantes. A lei, porém, com o objetivo de tutelar determinados
interesses dos associados e da própria associação, lista os assuntos acerca
dos quais apenas a assembléia geral pode deliberar. O estatuto não pode
atribuir a discussão e associação. Aliás, nem os associados reunidos em
assembléia podem delegar a competência legalmente definida como privativa
desse órgão.
Desse modo, compete privativamente à
assembléia geral: a) eleger e destituir os membros do órgão de representação
da associação, isto é, seus administradores; b) votar as contas dos
administradores; c) alterar o estatuto (CC, art. 59).
A assembléia é, assim, o órgão em que
os associados exercem alguns de seus principais direitos (ou seja, os
direitos à voz e voto na escolha dos administradores, na apreciação das
contas da administração e na definição de regras fundamentais do
funcionamento da associação). Para assegurá-los, a lei prescreve que a
convocação da assembléia geral poderá ser feita por 1/5 dos associados,
mesmo que não prevista especificamente essa competência no estatuto (CC,
art. 60).” (grifei)

Na realidade, Senhora Presidente, o art. 59 do
Código Civil, considerado o seu próprio conteúdo, que põe em evidência o
caráter relevante das matérias nele veiculadas, ajusta-se aos padrões de
razoabilidade que legitimam, no plano material, a regra que definiu, ante a
sua inquestionável importância para a vida das associações, inclusive as de
caráter desportivo, os temas necessariamente sujeitos ao princípio da
colegialidade, que tem, na Assembléia Geral, o seu meio de especial
realização.

Cabe ter presente, bem por isso, a correta
observação feita por SILVIO DE SALVO VENOSA ( “Direito Civil”, vol. I/296,
item no 13.11.1, 4a. ed., 2004, Atlas), cujo magistério bem justifica a
positivação da norma inscrita no art. 59 do Código Civil, apoiando o seu
entendimento em razões, que, fundadas na preponderância do interesse social,
transcendem, por isso mesmo, a própria esfera do poder de disposição dos
associados:

“(…) o art. 59 introduz importante
e salutar inovação na estrutura das associações que certamente implicará
alteração de atitude de grande número de entidades no país. Descreve esse
artigo a matéria que compete privativamente à assembléia geral. (…). A
norma jurídica, que tem em mira proteger a boa-fé de terceiros ou
interessados ou evitar graves injustiças sociais, possui marcadamente o
caráter impositivo ou irrenunciável, como denota esta ora comentada. A
propósito, lembre-se de que Karl Larenz refere-se expressamente à maioria
das normas que regulam as associações como sendo imperativas, referindo-se
ao Código alemão, em afirmação perfeitamente aplicável a nosso estatuto
(1978:43). Desse modo, estamos perante um preceito legal de ordem pública
que deságua na imperatividade da disposição. Sempre que o
legislador impõe um norma desse nível e obsta aos interessados dispor
diferentemente, é por que considera que há um interesse social comprometido
com seu cumprimento.” (grifei)

Esse particular aspecto da questão, que põe em
destaque a expressiva significação do princípio democrático para a vida das
associações em geral, inclusive das entidades desportivas, foi bem realçado
pelo Senhor Presidente da República, que deu especial relevo à atuação da
assembléia geral, consideradas as atribuições desse órgão colegiado sob a
dupla perspectiva da preservação do interesse social e da observância da
vontade majoritária dos associados:

“Nessa linha, ao promulgar a nova
codificação, observando as diretrizes traçadas pelo inciso IV do art. 170,
todos da Constituição Federal, o legislador ordinário afastou as regras
individualistas do `Código de Bevilágua’, e adotou os parâmetros da função
social da propriedade privada, direcionando os direitos das pessoas físicas
e jurídicas para equilíbrio com as necessidades coletivas.
(…) `o art. 217 conferiu aos entes
desportivos autonomia compatível com a livre iniciativa, com o poder de
editar normas reguladoras secundárias de natureza técnica e jungidas às suas
funções institucionais, mas o fez com fins específicos e com vinculações à
ordem legal e constitucional’ (fls. 134/135), ou seja, a autonomia não
consiste em um direito ilimitado para administrar, pois todos se submetem ao
ordenamento jurídico no chamado `Estado de Direito’, num sistema de
interdependências estruturado pelo princípio da legalidade.
Logo, ao outorgar poderes à
assembléia geral das associações, o dispositivo atacado confere poderes
democráticos a todos os seus associados, de modo a garantir o mínimo de
direitos e deveres suportáveis pelo Estado Democrático de Direito, e que
lhes são conferidos em decorrência da garantia à liberdade associativa
prevista no inciso XVII do art. 5o da Carta Política, concretizando-a.
Portanto, sendo a associação uma
pessoa jurídica formada pela união de pessoas físicas com vontades comuns –
caput do art. 53 -, nada mais legítimo que todos os seus associados, que
constituem a universalidade de seus componentes, expressem suas vontades,
visando, democraticamente, participar das decisões mais basilares e exigir
clareza sobre as finanças da entidade a qual compõem, utilizando como
instrumentos hábeis as prerrogativas de eleger ou destituir os seus
administradores, e aprovar suas contas e seus estatutos.
Concretamente, esta regra do artigo
59 não tolhe, mas, exatamente o contrário, confere força à autonomia
associativa, na medida em que legitima seus atos de gestão, que passam a
traduzir a vontade de significativa parcela de seus associados, que, por sua
vez, são a razão de existir da associação.
Assim, a sistemática adotada pelos
artigos 53 a 61 do novo Código Civil une o interesse coletivo da garantia
constitucional de livre associação ao interesse final das associações, que é
o de proceder conforme a vontade da maioria de seus associados, garantido
pelos poderes decisórios e fiscais legalmente atribuídos à assembléia geral,
sem retirar dos gestores a dinâmica necessária para os demais atos da pessoa
jurídica.” (grifei)

Insista-se, portanto, uma vez mais, Senhora
Presidente, na asserção de que a prerrogativa constitucional da autonomia
não traduz a outorga, às associações civis em geral – e às organizações
desportivas em particular – de poder absoluto que lhes permita existir e
atuar em um universo particular e diferenciado, incompreensivelmente imune
ao império das normas estatais, como se tais entidades pudessem existir em
regime de completa desvinculação normativa em relação ao ordenamento
positivo do Estado.

Não se pode perder de perspectiva, bem por
isso, o caráter juridicamente subordinado do conceito de autonomia, tal como
resulta da precisa lição de CELSO RIBEIRO BASTOS ( “Comentários à
Constituição do Brasil”, vol. 8/818, 2a. ed., 2000, Saraiva):

“Dentro do contexto constitucional, a
autonomia desportiva deve ter uma convivência harmônica com o inc. IX do
art. 24 da Constituição Federal de 1988, que preceitua a competência da
União, dos Estados e Distritos Federal para legislar concorrentemente sobre
a edução, a cultura, o ensino e o desporto. Em outras palavras, a autonomia
conferida por nossa Carta Maior às entidades desportivas não tem o poder de
destruir, de retirar a competência da União na esfera da legislação para
estabelecer normas gerais.” (grifei)

Vale referir, também ante sua extrema
pertinência, a lição do eminente Ministro GILMAR MENDES ( “Tendências e
Expectativas do Direito Desportivo”, in Direito Desportivo, p. 265/266 e
279/281, 2000, Editora Jurídica Mizuno):

“No que diz respeito à autonomia
organizacional, a rigor se pudéssemos chegar à conclusão a que alguns
colegas chegaram, nós certamente diríamos que as normas que regulamentam o
Código Civil e que disciplinam as sociedades, também seriam
inconstitucionais. Às pessoas, na verdade, partem de uma idéia de liberdade
absoluta, que não existe em lugar nenhum. A própria idéia de liberdade de
organização e de associação pressupõe determinados marcos jurídicos,
estabelecidos pela própria legislação civil.
Aqui não me parece que o argumento
possa vicejar e é comum que se diga na legislação que determinado tipo de
atividade só poderá ser exercido com um dado perfil. Se se quer conhecer
quem são os sócios, prescreve-se um determinado tipo de perfil. Se se quer
conhecer os controladores, estabelece-se que a sociedade será deste ou
daquele tipo. E a legislação faz insto muito interferir no espaço de
liberdade de associação. Já se está a ver que não se cuida de um espaço
absoluto, até porque quem trabalha com a perspectiva constitucional sabe que
o que a Constituição assegura é aquilo que a gente chama de um princípio ou
uma garantia institucional. Uma garantia básica, assente na própria
experiência histórica, que permite atualização e alteração mediante simples
decisão legislativa. É garantida a liberdade de associação, na forma de lei.
Quais são os marcos dessa `forma de
lei’? A lei pode então definir, claro! A lei não pode, aproveitando deste
espaço aparentemente vazio, inviabilizar o exercício desse direito. Claro
que isto não seria razoável. Mas, não aparece absurdo que a legislação diga
que este tipo de atividade é atividade de caráter comercial e, por
conseguinte, assume um perfil de entidade de fins econômicos. Portanto, hão
de ser adotadas as formas que a legislação civil e comercial coloca à
disposição de todos aqueles que pretendam exercer esse tipo de atividade.

………………………………………………………………….
…………
É um debate interessante, em um
momento interessante. No que diz respeito a essa questão, eu estou
absolutamente convencido de que, aqui, fora as especificidades que se
reconhecem, não há nada que faça com que as entidades desportivas tenham
maior proteção constitucional do que um número imenso de entidades
associativas que se formam no seio da vida social. A rigor, nunca
enfatizamos isto, mas a idéia de liberdade de associação está muito ligada à
própria idéia de democracia participativa, é um dos direitos fundamentais
que se liga à idéia de democracia. É a forma do indivíduo se organizar para
participar na própria sociedade. Assinale-se, porém, que as formas jurídicas
de organização dessas entidades são formas que a própria ordem jurídica
ordinária fornece. Não se trata, em princípio, de um tema de índole
constitucional.
Encontramos formatos os mais
adequados dentro de modelos amplíssimos que vêm aí do vetusto Código Civil.
Não há como atribuir uma conseqüência tão significativa à referência
constitucional ao direito de autonomia das entidades desportivas, quanto a
sua organização e ao seu funcionamento. Não tivesse o texto constitucional
estabelecido isto, alguém duvidaria que essas entidades seriam dotadas de
autonomia? Essa autonomia para a organização e funcionamento não existe para
as associações gerais as mais nobres, em todos os campos de atividade?
Não percamos de vista, pois, (…)
algo que se já se faz de maneira muito clara no art. 5o, quanto se cuida da
idéia de liberdade de associação. (…) Se nós admitíssemos trilhar o
caminho proposto, nós estaríamos a afirmar o seguinte: `o texto
constitucional foi tão sensível para com a independência da área esportiva
que deu a ela um perfil quase de um ente estatal’ (…).
Se se extremar essa interpretação em
relação às entidades desportivas, é esse o resultado que está colhido. As
entidades desportivas assumem o perfil de autênticas autonomias, de
verdadeiras províncias, que se rivalizam com o próprio Estado.
Em termos de hermenêutica
constitucional, produzir-se-ia um resultado exótico. As entidades
desportivas gozariam de tal autonomia que superariam o próprio Estado, ou
lograriam rivalizar-se com este. É interessante indagar porque essas
entidades não desenvolveram formas jurídicas diversas no período entre a
promulgação da Constituição e o advento da lei. Por que continuaram com as
formas vetustas do velho Código Civil? Se prosseguirmos nesta toada,
chegaremos à conclusão de que exigências legislativas mínimas, como tem um
dada inscrição, um CGC, ou a fixação do local de sede da instituição seriam
incompatíveis com a autonomia do art. 217 da Constituição. O resultado
absurdo sinaliza suficientemente o erro da abordagem”. (grifei)

O princípio da autonomia das entidades
desportivas – cuja matriz repousa no art. 217, I, da Constituição – reflete,
no plano da evolução de nosso sistema constitucional, como já destacado, uma
especial prerrogativa jurídica assegurada a tais agremiações, em ordem a
conferir-lhes, naquilo que exclusivamente concernir à sua organização,
estruturação e interno funcionamento, um espaço de livre e autônoma
deliberação, respeitados, no entanto, os lineamentos derivados do desenho
institucional fundados nas normas gerais positivadas pelo Estado.

O postulado em questão, portanto, como
precedentemente já referido, não se revelará oponível ao Estado naquelas
matérias, que, extravasando os limites dos atos “interna corporis”,
veiculem, como no caso, de modo inteiramente válido, normas gerais de
direito civil, editadas pela União Federal, no exercício legítimo de sua
competência institucional, tal como deferida pelo art. 22, I, da Carta da
República.

Ou seja, o regime jurídico definidor da
autonomia das entidades desportivas e das associações civis em geral não
exonera tais entes do dever de observância das regras gerais emanadas da
União, em tema de direito civil e de direito desportivo, sob pena para
rememorar passagem expressiva da advertência feita pelo eminente Ministro
GILMAR MENDES, em trabalho doutrinário já referido – de as entidades
desportivas assumirem “o perfil de autênticas autonomias, de verdadeiras
províncias, que se rivalizam com o próprio Estado” (op. cit., p. 280).

O fato inquestionável, Senhora Presidente, a
meu juízo, é o de que a autonomia das agremiações desportivas (e das
associações civis) não confere, a elas, um regime de independência – vale
dizer, de absoluta desvinculação jurídica – em face da autoridade normativa
do Estado, especialmente naquilo que ao Poder Público compete disciplinar,
validamente, mediante lei.

É que a autonomia, por mais ampla que seja, não
significa independência total em relação ao Estado, a quem não se pode
inibir o exercício – sempre legítimo – da prerrogativa institucional de
conformação, de que dispõe o legislador, para estabelecer, em sede de
legislação, a disciplina normativa geral de matérias como aquelas
consubstanciadas no art. 59 do Código Civil.

As entidades desportivas, também elas, estão
sujeitas, no que se refere à regência normativa das associações em geral, ao
ordenamento jurídico positivado, em sede legislativa, pelo Poder Público.

A cláusula constitucional da autonomia,
portanto, não pode ser invocada, ao contrário do que sustenta o autor, para
excluir as organizações desportivas da necessária observância das regras
fundadas na legislação civil, como se tais agremiações fossem entidades
marginais, infensas e imunes à ação normativa do Estado.

O sentido inequívoco que decorre da norma
inscrita no art. 217, I, da Constituição – que assegura, às agremiações
desportivas, autonomia para definir sua estrutura interna, organização e
funcionamento – não permite ampliar o conceito de tal prerrogativa, para
nela, incluir matéria, que, por dizer respeito a normas gerais de direito
civil, subsume-se, por isso mesmo, ao princípio constitucional da reserva de
parlamento, a encerrar a noção – segundo o magistério de J.J. GOMES
CANOTILHO ( “Direito Constitucional”, p. 799, item no 4, 5a. ed., 1991,
Almedina, Coimbra) – de que, sob a égide desse postulado, compreende-se “o
conjunto de matérias ou de âmbitos materiais que devem ser objecto de
regulação através do Parlamento em forma de lei”.

Cabe afastar, finalmente, a alegação – deduzida
pela REBRAF – de que o art. 59 do Código Civil seria inconstitucional,
porque supostamente infringente do princípio da liberdade de associação
inscrito no art. 5o, incisos XVII a XXI, da Constituição da República.

O cotejo entre o preceito legal ora questionado
e o conteúdo material inerente às cláusulas que consagram a liberdade de
associação e que compõem o denominado estatuto constitucional das
associações evidencia a completa ausência, na espécie, de qualquer situação
de conflito hierárquico-normativo entre as normas em confronto.

Como se sabe, Senhora Presidente, o direito de
associação constitui uma liberdade de ação coletiva. Embora atribuído a cada
pessoa, que é seu titular, só pode ser exercido em conjunto com outras
pessoas. É pelo exercício concreto dessa liberdade pública que se instituem
as associações, gênero a que pertencem as sociedades (que podem ser simples
ou empresárias), de um lado, e as associações em sentido estrito de outro.

O direito de associação, bem por isso, se erige
em instrumento de ação multiforme, podendo revestir-se de caráter
empresarial, cultural, filantrópico, sindical ou político.

Cabe enfatizar, neste ponto, que as normas
inscritas no art. 5o, incisos XVII e XXI da atual Constituição Federal
protegem as associações, inclusive as sociedades, da atuação eventualmente
arbitrária do legislador e do administrador, eis que somente o Poder
Judiciário, por meio de processo regular, poderá decretar a suspensão ou a
dissolução compulsórias das associações.

Mesmo a atuação judicial encontra uma limitação
constitucional: apenas as associações que persigam fins ilícitos poderão ser
compulsoriamente dissolvidas ou suspensas. Atos emanados do Executivo ou do
Legislativo, que provoquem a compulsória suspensão ou dissolução de
associações, mesmo as que possuam fins ilícitos, serão inconstitucionais.

A primeira Constituição política do Brasil a
dispor sobre a liberdade de associação foi, precisamente, a Constituição
republicana de 1891, e, desde então, essa prerrogativa essencial tem sido
contemplada nos sucessivos documentos constitucionais brasileiros, com a
ressalva de que, somente a partir da Constituição de 1934, a liberdade de
associação ganhou contornos próprios, dissociando-se do direito fundamental
de reunião, consoante se depreende do art. 113, § 12 daquela Carta Política.

Com efeito, a liberdade de associação não se
confunde com o direito de reunião, possuindo, em relação a este, plena
autonomia jurídica, valendo referir, a tal propósito, a precisa lição de
PONTES DE MIRANDA ( “Comentários à Constituição de 1967 com a emenda no 1 de
1969”, p. 605, Tomo V, 2a. tir., 2a. ed., 1974, RT):

“(…) Na liberdade de associação, há
mais do que reunião; e o reunir, que lhe é implícito, toma caráter geral,
físico e psíquico. Sociedade de sábios ou de negócios pode existir sem que a
reunião física se dê. Vota-se por meio de cartas, discute-se por escrito,
pelo telégrafo, pelo telefone. Já o elemento psíquico é maior do que na
liberdade de reunião; e o elemento espacial pode ser mínimo ou nenhum.”
(grifei)

Diria, até que, sob a égide da vigente Carta
Política, intensificou-se o grau de proteção jurídica em torno da liberdade
de associação, na medida em que, ao contrário do que dispunha a Carta
anterior, nem mesmo durante a vigência do estado de sítio se torna lícito
suspender o exercício concreto dessa prerrogativa. O regime constitucional
anterior, considerados os mecanismos extraordinários de defesa do Estado,
tornava lícito, ao Poder Público, na vigência das medidas de emergência, do
estado de emergência e do estado sítio, suspender, temporariamente, o
exercício da liberdade de reunião e da liberdade de associação; hoje, porém,
tal não mais se revela possível, pois, quer sob a égide do estado de defesa,
quer sob a égide do estado de sítio, a liberdade de associação mantém-se
íntegra e inatingível (DF/88, art. 136, § 1o, e art. 139).

Revela-se importante assinalar, neste ponto,
que a liberdade de associação tem uma dimensão positiva, pois assegura a
qualquer pessoa (física e jurídica) o direito de associar-se e de formar
associações. Também possui uma dimensão negativa, pois garante, a qualquer
pessoa, o direito de não se associar, nem de ser compelida a filiar-se ou a
desfiliar-se de determinada entidade.

Essa importante prerrogativa constitucional
também possui função inibitória, projetando-se sobre o próprio Estado, na
medida em que se veda, claramente, ao Poder Público, a possibilidade de
interferir na intimidade das associações e, até mesmo, de dissolvê-las,
compulsoriamente, a não ser mediante regular processo judicial.

O conteúdo jurídico da liberdade de associação
foi bem delineado por JORGE MIRANDA ( “Manual de Direito Constitucional”, p.
476/478, Tomo IV, 3a. ed., 2000, Coimbra Editora), em magistério que vale
transcrever “in extenso”:

“I – O direito de associação
apresenta-se como um direito complexo, com múltiplas dimensões – individual
e institucional, positiva e negativa, interna e externa – cada qual com a
sua lógica própria, complementares umas das outras e que um sistema
jurídico-constitucional coerente com princípios de liberdade deve
desenvolver e harmonizar.
II – Antes de mais, é um direito
individual, positivo e negativo:
1.º) O direito de constituir com
outrem associações para qualquer fim não contrário à lei penal e o direito
de aderir a associações existentes, verificados os pressupostos legais e
estatutários e em condições de igualdade;
2.º) O direito de não ser coagido a
inscrever-se ou a permanecer em qualquer associação, ou a pagar quotizações
para associação em que se não esteja inscrito, e, no limite, o direito de
deliberar a dissolução de associação a que se pertença.

Este direito tem a natureza de
liberdade enquanto não implica, para nenhum efeito, a dependência de
autorização de qualquer tipo ou de qualquer intervenção administrativa.
III – Revela-se depois um direito
institucional, a liberdade das associações constituídas:

1.º) Internamente, o direito de
auto-organização, de livre formação dos seus órgãos e da respectiva vontade
e de ação em relação aos seus membros;
2.º) Externamente, o direito de livre
prossecução dos seus fins, incluindo o de filiação ou participação em
uniões, federais ou outras organizações de âmbito mais vasto;
3.º) Como corolário, a
susceptibilidade de personificação – se a atribuição de subjectividade
jurídica, sem condicionalismos arbitrários ou excessivos, for o meio mais
idôneo para tal prossecução de fins;
4.º) Como garantias, a vedação de
intervenções arbitrárias do poder político.

A liberdade ou autonomia interna das
associações acarreta a existência de uma vontade geral ou colectiva, o
confronto de opniões para a sua determinação, a distinção de maiorias e
minorias. Daí a necessidade de observância do método democrático e das
regras em que se consubstancia, ao lado da necessidade de garantia dos
direitos dos associados. À lei e aos estatutos cabe prescrever essas regras
e essas garantias, circunscrevendo, assim, a actuação dos órgãos
associativos, mas não a liberdade de associação (devidamente entendida).
IV – Na liberdade negativa de
associação manifestam-se, talvez mais do que noutras zonas, a dimensão
individual do direito e a exigência de respeito tanto por parte do Estado
como por parte de quaisquer outras entidades, públicas e privadas. (…).
Esse respeito não se traduz apenas na
não sujeição de quem quer que seja – cidadão, trabalhador, consumidor,
etc. – à filiação automática, por força de certa qualidade, numa associação,
ou na não sujeição a um dever de inscrição. Traduz-se também, pela lógica
das coisas e pela própria coerência e autenticidade do sistema jurídico, na
não criação de quaisquer desvantagens por não se pertencer a esta ou àquela
associação, política, sindical, ou outra.
Não basta reconhecer formalmente o
direito de ser ou deixar de ser membro duma associação. Importa ainda que,
por via directa, a lei não institua um ônus; não faça depender o acesso a
qualquer estado ou condição ou exercício de qualquer direito da pertença a
uma associação; não constranja, na prática, as pessoas a entrar para uma
associação a fim de não sofrerem algum inconveniente ou obterem algum
benefício; não acabe por estabelecer, sem necessidade ou sem base objectiva,
uma diferenciação entre os cidadãos contrária ao princípio fundamental da
igualdade.” (grifei)

O princípio constitucional da liberdade de
associação consubstanciado na norma de parâmetro invocada pela REBRAF como
tendo sido alegadamente vulnerada pelo art. 59, e seu parágrafo único do
Código Civil -, não configura um valor absoluto em si mesmo, nem inibe o
poder de conformação legislativa do Estado.

Tal postulado, na verdade, não conferiu às
associações a prerrogativa de agir à revelia dos princípios jurídicos
inscritos nas leis e, especialmente, na própria Constituição da República. O
grau de autonomia concedido ao ente associativo sequer priva o Estado de
exercer as competências que o ordenamento constitucional lhe outorgou.

Cabe, aqui, uma observação, fundada nas
ponderações que o eminente Professor MIGUEL REALE expendeu a propósito do
art. 59 do Código Civil, quando salientou – sem reconhecer, no entanto, a
ocorrência de qualquer eiva de inconstitucionalidade que afetasse o preceito
legal em causa – que talvez se justificasse, quanto a tal norma, a
intervenção corretiva e aperfeiçoadora do legislador, traduzindo-se a
questão, portanto, não em controvérsia de índole constitucional, mas, isso
sim, em simples matéria de “lege ferenda”.

Vale transcrever, neste ponto, “in extenso”, a
valiosa opinião doutrinária do eminente Professor MIGUEL REALE, exposta em
artigo jurídico “As Associações no Novo Código Civil”, constante da página
oficial que esse ilustre jurisconsulto mantém na Internet, em passagem na
qual sustenta a plena adequação do art. 59 do Código Civil ao postulado
constitucional que consagra a liberdade de associação, tal como essa
prerrogativa vem proclamada no art. 5o, inciso XVII da Carta Política:

“De acordo com o Art. 53 do novo
Código Civil `constituem-se as associações pela união de pessoas que se
organizem para fins não econômicos’. Denominam-se sociedades as reuniões
organizadas para finalidades econômicas.
No que se refere às associações,
tenho sido consultado, como supervisor da Comissão Revisora e Elaboradora do
Código Civil, sobre as disposições ora em vigor, que têm dado lugar a graves
dúvidas, sobretudo quanto ao quorum fixado para as deliberações da
assembléia geral, à qual compete privativamente a eleição dos
administradores.
Em primeiro lugar, cabe esclarecer
que a palavra `administradores’ é empregada no sentido de `dirigentes’,
qualquer que seja a expressão usada no estatuto social, como, por exemplo, a
de diretores ou conselheiros. Não precede a crítica à referida terminologia,
pois entre as acepções do termo `administrar’, figuram, como ensina Aurélio
Buarque de Holanda, as de `gerir, governar, dirigir’.
Como, de conformidade com o Art.
2.031, das disposições finais e transitórias, têm as associações o prazo de
1 (um) ano, a partir da vigência da nova Lei Civil, para se adaptarem às
disposições desta, é compreensível o desejo de interpretação certa do
respectivo texto, não podendo deixar de contribuir com meu ponto de vista.
A questão mais delicada se refere à
eleição dos dirigentes pela assembléia geral, porquanto se configuram várias
hipóteses à luz do estatuto social, devendo-se considerar, desde logo,
proibida a eleição por outro órgão que não seja a assembléia geral, como,
por exemplo, os chamados associados fundadores.
Isto posto, todavia, não procede o
entendimento de que a escolha deva sempre ser feita de uma só vez e para a
totalidade dos cargos a serem preenchidos, podendo o estatuto prever a
eleição em períodos distintos, de um ou mais anos, com renovação periódica e
parcial do mandato dos diretores.
Não é dito, assim, que os cargos que
compõem a Diretoria da associação devam ser eleitos pela assembléia geral,
para cada um deles, podendo o estatuto social estabelecer a escolha, por
ela, de todos os componentes de um Conselho, cabendo a este, depois, a
designação, dentre os seus membros, dos titulares dos cargos de direção.
Com Taís medidas, fica preservado o
direito dos associados de decidir livremente sobre o processo de
administração que julguem mais adequado aos interesses da entidade,
preferindo a eleição indireta de seus diretores, bem como que a eleição
indireta de seus diretores, bem como que a eleição não seja global, mas
apenas para uma das partes do Conselho, na proporção e datas previamente
estabelecidas.
Parece-me que a eleição dos
dirigentes feita em dois ou mais pleitos é a mais indicada para as
associações de grande porte e com valores da tradição a serem preservados,
visto como, com tais providências, a renovação do quadro dirigente se
operará sem rupturas e descontinuidade indesejáveis.
Como se vê, o entendimento que estou
dando às determinações do novo Código Civil sobre associações é o que melhor
atende ao exercício da `liberdade de associação’assegurada pelo Inciso XVII
do artigo 5o. da Constituição Federal, sem o seu prejudicial engessamento,
resultante de restrita interpretação da lei, sem se atender ao valor
essencial da liberdade.
O ponto que tem merecido justas
críticas é o parágrafo único do Art. 59, na hipótese de alteração do
estatuto e destituição dos administradores, exigindo-se, para tanto, o voto
concorde de 2/3 (dois terços) dos presentes à assembléia especialmente
convocada para esse fim, não podendo ela deliberar, em primeira convocação,
sem a maioria absoluta dos associados, ou com menos de 1/3 (um terço) nas
convocações seguintes. É um exagero que deve ser corrigido mediante emenda
supressiva do mencionado parágrafo.

………………………………………………………………….
……
Voltando, por fim, ao problema das
associações, indaga um de meus leitores se a eleição da Diretoria que venha
a ocorrer antes de 10.1.04, deveria ser feita pela assembléia, ou, conforme
dispõe o estatuto, o qual confere à Diretoria eleita o direito de completar
o quadro dirigente.
Ora, o Código, nas disposições
transitórias ressalvou o mandato dos dirigentes ainda não eleitos pela
assembléia geral, por se tratar de ato jurídico perfeito, e fixou o prazo de
um ano para as associações se adequarem à nova lei.
Como, de acordo com a Lei de
Introdução ao Código Civil, a lei posterior revoga a anterior quando regule
inteiramente a matéria, ou quando seja com ela incompatível, a eleição dos
administradores pela assembléia geral constitui uma alteração essencial do
paradigma anteriormente vigente, e deve ser respeitada. A ocorrência de
eleição antes do prazo concedido para a adaptação é uma oportunidade para
que a associação se ponha em consonância com os novos mandamentos legais.”
(grifei)

Entendo, desse modo, Senhora Presidente, que se
revelam revestidos de legitimidade constitucional os dispositivos legais
impugnados nesta sede de controle normativo abstrato, quer se examine a
questão sob o enfoque da autonomia das entidades desportivas, quer se
analise a controvérsia à luz do postulado da liberdade de associação.

Concluo o meu voto, Senhora Presidente. Tendo
em consideração as razões expostas, e acolhendo, ainda, as doutas
manifestações dos eminentes Advogado-Geral da União e Procurador-Geral da
República, julgo improcedente a presente ação direta e, em conseqüência,
declaro a plena constitucionalidade do art. 59 e seu parágrafo único do
Código Civil.

É o meu voto.

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