Elthon José Gusmão da Costa*
Luiz Guilherme Karpen**
* Master in International Sports Law (Instituto Superior de Derecho y Economía – ISDE). Advogado, professor, palestrante e autor e organizador de livros jurídicos. É membro da Ordem do Mérito Judiciário do Trabalho do Tribunal Superior do Trabalho no Grau Oficial, especialista em Direito Desportivo (CERS), pós-graduado em Direito Processual Civil (Unileya), diretor jurídico do CNB (Conselho Nacional de Boxe), diretor do Departamento Jurídico da CBKB (Confederação Brasileira de Kickboxing), diretor do Departamento Jurídico da WAKO Panam (World Association of Kickboxing Comissions Región Panamericana) e da CBMMAD (Confederação Brasileira de MMA Desportivo). É membro da Comissão Jovem da Academia Nacional de Direito Desportivo (ANDD-Lab), membro do núcleo de estudos “O Trabalho além do Direito do Trabalho: Dimensões da Clandestinidade Jurídico-Laboral” (NTADT), da Faculdade de Direito da USP, auditor do TJDU-DF, membro da Comissão de Direito Desportivo da OAB-DF (2022-2024), membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD) e colunista do website “Lei em Campo” (Coluna “Luta e Desporto”). [email protected].
** Advogado. Bacharel em Direito pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (FURB). Especialista em Gestão no Futebol (Futebol Interativo). Especialista em Direito no Futebol (Futebol Interativo). Defensor Dativo do TJD do Futebol de Santa Catarina. Membro da Comissão de Direito Desportivo da OAB/SC.
Introdução
O que as jovens sensações Endrick, Rodrygo e Vínicius Júnior, do Real Madrid, possuem em comum? Esses três atletas foram negociados com clubes do exterior antes de completarem 18 anos de idade, no entanto, só puderam se transferir para o clube merengue após atingirem a maioridade.
Apesar de já serem craques, não podemos nos esquecer de que jovens promessas ainda são consideradas crianças e adolescentes e há uma série de especificidades na legislação nacional para proteger estes indivíduos.
No esporte, portanto, não poderia ser diferente, a legislação desportiva brasileira deve seguir e respeitar os ditames da Constituição Federal, do Código Civil, da Consolidação das Leis Trabalhistas e do Estatuto da Criança e do Adolescente.
A formação desportiva
A partir dos 14 até os 20 anos de idade, o atleta já pode se vincular ao clube em que joga através do contrato de formação desportiva. Trata-se de um contrato que visa garantir ao atleta o necessário para que desenvolva suas habilidades no esporte, inclusive podendo receber auxílio denominado bolsa aprendizagem.
Para o clube formador, o contrato de formação permite que o clube tenha prioridade para assinar com seus atletas o primeiro contrato especial de trabalho desportivo, além da possibilidade de ser indenizado sempre que ocorrer transferência nacional, definitiva ou temporária, deste atleta profissional formado no clube, conforme art. 102 da Lei Geral do Esporte.[1]
Para atletas em formação, menores de 14 anos, o art. 99, §16º da Lei Geral do Esporte dispõe que eles poderão desligar-se a qualquer tempo da organização esportiva formadora, mesmo que se vincule a outra organização esportiva, sem qualquer tipo de pagamento de multa ou indenização. Ou seja, não é permitido nesta idade, a cobrança de valores relativos à transferência do jovem atleta para outra entidade de prática desportiva, se não, vejamos:
Art. 99. A organização esportiva formadora de atleta terá o direito de assinar com ele, a partir de 16 (dezesseis) anos de idade, o primeiro contrato especial de trabalho esportivo, cujo prazo não poderá ser superior a 3 (três) anos para a prática do futebol e a 5 (cinco) anos para outros esportes.
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- 16. O atleta em formação menor de 14 (quatorze) anos poderá desligar-se a qualquer tempo da organização esportiva formadora, mesmo que se vincule a outra organização esportiva, sem que haja a cobrança de qualquer tipo de multa ou outros valores a título de indenização.
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Da mesma forma, o art. 29 do RNRTAF, dispõe que atletas não profissionais são livres para escolher e vincular-se a quaisquer clubes. O §2º do mencionado artigo ainda menciona que caso o atleta não profissional não tenha contrato de formação registrado na CBF poderá solicitar, a qualquer momento, o desligamento do clube a que estiver vinculado, desde que tal pedido seja feito por escrito e de maneira direta à respectiva Federação.
A Federação, ao receber a solicitação de desligamento, irá encaminhar o pedido ao clube vinculado ao atleta, que deverá realizar a liberação do atleta e desvinculá-lo no sistema de registro no prazo de 7 dias corridos. Não ocorrendo a liberação pelo clube, caberá a própria Federação fazê-la.
Mas o que ocorre caso o atleta menor de idade possua um contrato de formação com uma entidade desportiva e queira se transferir para outro clube?
Primeiramente, precisamos entender as peculiaridades atribuídas ao atleta em formação, principalmente pelo seu reconhecimento como atleta não profissional, já que o contrato de formação apenas possui natureza educacional e de desenvolvimento desportivo do jogador.
Neste sentido, quando o atleta menor de idade, portanto não profissional, possuí um contrato de formação registrado na CBF, se não houver uma negociação amigável para a sua saída, deve solicitar o seu desligamento somente perante a Câmara Nacional de Resolução de Disputas (CNRD), conforme os ditames do Art. 29, §4º do RNRTAF.
Ocorre que, quando o atleta possui um contrato de formação, registrado na CBF, por uma entidade desportiva, com certificado de clube formador, a este clube será devida uma indenização, caso o mesmo seja impossibilitado de realizar o primeiro contrato especial de trabalho desportivo do atleta em questão.
No entanto, não se pode confundir o valor indenizatório decorrente de contrato de formação com aquele proveniente da cláusula indenizatória constante nos contratos profissionais de jogadores de futebol. Vejamos o §5º do Art. 99 da Lei Geral do Esporte (LGE):
LEI Nº 14.597, DE 14 DE JUNHO DE 2023
Art. 99 (…)
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- 5º A organização esportiva formadora fará jus a valor indenizatório se ficar impossibilitada de assinar o primeiro contrato especial de trabalho esportivo por oposição do atleta, ou quando ele se vincular, sob qualquer forma, a outra organização esportiva, sem autorização expressa da organização esportiva formadora (…)
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Portanto, no caso de uma transferência deste jovem atleta, o inciso III do artigo alhures determina que caberá a nova organização esportiva que contratou o jogador efetuar o pagamento do valor indenizatório dentro do prazo de 15 (quinze) dias contados da data de vinculação do atleta à nova organização esportiva, e só assim será permitido o novo registro nas entidades de administração do esporte.
A indenização corresponde a uma quantia destinada a ressarcir e compensar o investimento educacional, técnico, material e humano para desenvolver aquele atleta e será devido em transferências nacionais, ao clube formador (Art. 56 do RNRTAF).
O valor indenizatório, conforme descrito no art. 99, §5º da LGE, será limitado ao montante correspondente a 200 (duzentas) vezes os gastos comprovadamente efetuados com a formação do atleta, o que demonstra a importância de se especificar e registrar a natureza das despesas individuais ou coletivas com o atleta em formação, nos termos do art. 99, §6º, inciso IV da respectiva lei.
Convém destacar uma particularidade trazida pelo inciso I, do §5º do art. 99 da LGE, que determina que o valor indenizatório apenas será devido caso o atleta esteja regularmente registrado e não poderá ter sido desligado da organização esportiva formadora. Ou seja, no caso de o atleta ter sido liberado pelo clube formador, ou em caso de rescisão via CNRD (Art. 29, §4º do RNRTAF), não serão devidos valores a título de indenização pela formação do atleta quando este se vincular à nova entidade de prática desportiva.
A transferência internacional do menor e suas limitações
Mas o que ocorre quando o atleta menor de idade possuí uma oferta de transferência internacional e porquê a maioria destes jogadores apenas se transfere após os 18 anos de idade?
Quando se trata de uma transferência internacional, nossa atenção deve se voltar as regulamentações impostas pela FIFA, mais especificamente o RSTP (Regulations on the Status and Transfer of Players). Esta regulamentação dispõe em seu capítulo 7, no art. 19 e seguintes, sobre a transferência internacional envolvendo menores de idade e as normas de proteção a estes jovens atletas.
Logo em seu Art. 19.1[2], é possível identificar a causa para que jovens talentos brasileiros apenas se transfiram ao completar a maioridade. Este artigo dispõe de uma norma proibitiva, que determina que a transferência internacional de jogadores só será permitida se o atleta possuir mais que 18 anos de idade. Por si só, esta disposição já causa um óbice enorme a transferência de jogadores brasileiros, no entanto há exceções.
O regulamento da FIFA nos apresenta cinco exceções das quais o jogador menor de idade poderá se transferir para o exterior, são elas:
- Os pais do jogador se mudam para o país onde o novo clube é localizado, por motivos alheio ao futebol;
- O jogador tem entre 16 e 18 anos e a transferência ocorre em território da União Europeia ou entre países do Espaço Econômico Europeu; ou quando a transferência ocorre entre duas associações que se situam no mesmo país;
- O jogador mora em local próximo de no máximo 50km da fronteira e o clube que queira registrar o jogador também se localize em no máximo 50km da fronteira, sendo deste modo a distância máxima entre o clube e o local de moradia do jogador de 100km;
- O jogador tenha que fugir do seu país de origem por razões humanitárias;
- O jogador seja estudante e muda-se para o país estrangeiro sem os pais por razões acadêmicas e não ligadas ao futebol.
Mesmo que um atleta não tenha sido registrado em nenhum clube brasileiro, e queira que seu primeiro registro seja efetuado em clube do exterior, ainda sim precisará comprovar que mora no país em questão há pelo menos cinco anos e ainda precisará de autorização do Players’ Status Chamber of the Football Tribunal, conforme art. 19.3 e 19.4, b, c, do RSTP.[3]
Pela simples análise das informações trazidas e regulamentações da FIFA, é possível perceber a tamanha dificuldade e complexidade envolvendo a transferências de atletas menores de idade. Neste sentido também é o entendimento do advogado Dr. Luís Fernando Pamplona Novaes[4], que afirma:
“A regra da FIFA, de maneira geral, é proibitiva. O atleta menor de 18 anos, via de regra não pode se transferir para o exterior, a não ser as quatro hipóteses de exceção que estão previstas nos regulamentos da FIFA. O registro do atleta menor de 18 anos e o seu enquadramento em uma das quatro hipóteses de exceção é bem complexo. Mas é claro que para a gestão de carreira é muito interessante para o atleta que ele possa ir para a Europa o quanto antes, pela diferença da compreensão tática e de mentalidade de trabalho.”
Considerações finais
Em conclusão, apesar de ser uma excelente oportunidade para o desenvolvimento do jovem atleta atuar e defender um clube no exterior, a regulamentação da FIFA para a transferência de atletas menores de idade é proibitiva, e, portanto, voltada principalmente à proteção da criança e do adolescente. No cenário nacional, apesar de ser também delicada a realização de transferência de jogadores que ainda não atingiram a maioridade, é possível vermos com mais frequência a realização destes negócios.
As legislações nacionais e internacionais não deixam dúvidas: a prioridade nesta fase da vida destes jovens jogadores é o seu desenvolvimento não apenas técnico, mas também educacional e humano, sem esquecer da função primordial do esporte de fomentar o crescimento e cidadania destes atletas.
Referências
NOVAES, Luís Fernando Pamplona. Entrevista. 08 abr 2024. Entrevistador: Luiz Guilherme Karpen. Audio (26min). Arquivo em mp3.
Regulations on the Status and Transfers of Players (RSTP), Disponível em: https://digitalhub.fifa.com/m/6a0797ec77cbc02c/original/Regulations-on-the-Status-and-Transfer-of-Players-February-2024-edition.pdf. Acesso em 06 jun 2024.
Regulamento Nacional de Registro e Transferência de Atletas de Futebol, Disponível em: https://conteudo.cbf.com.br/cdn/202401/20240110212826_511.pdf. Acesso em 06 jun 2024.
[1] Subseção II
Do Mecanismo de Solidariedade na Formação Esportiva
Art. 102. Sempre que ocorrer transferência nacional, definitiva ou temporária, de atleta profissional, até 6% (seis por cento) do valor pago pela nova organização esportiva serão obrigatoriamente distribuídos entre as organizações esportivas que contribuíram para a formação do atleta, na proporção de:
I – 0,5% (cinco décimos por cento) para cada ano de formação, dos 12 (doze) aos 13 (treze) anos de idade;
II – 1% (um por cento) para cada ano de formação, dos 14 (quatorze) aos 17 (dezessete) anos de idade, inclusive; e
III – 0,5% (cinco décimos por cento) para cada ano de formação, dos 18 (dezoito) aos 19 (dezenove) anos de idade, inclusive.
- 1º Caberá à organização esportiva cessionária do atleta reter do valor a ser pago à organização esportiva cedente 6% (seis por cento) do valor acordado para a transferência e distribuí-los às organizações esportivas que contribuíram para a formação do atleta.
- 2º Como exceção à regra estabelecida no § 1º deste artigo, caso o atleta se desvincule da organização esportiva de forma unilateral, mediante pagamento da cláusula indenizatória esportiva prevista no inciso I do caput do art. 86 desta Lei, caberá à organização esportiva que recebeu a cláusula indenizatória esportiva distribuir 6% (seis por cento) de tal montante às organizações esportivas responsáveis pela formação do atleta.
- 3º O percentual devido às organizações esportivas formadoras do atleta deverá ser calculado sempre de acordo com certidão a ser fornecida pela organização esportiva que regula o esporte nacionalmente, cabendo a esta exigir o cumprimento do disposto neste parágrafo, e os valores deverão ser distribuídos proporcionalmente em até 30 (trinta) dias da efetiva transferência.
[2] 19. Protection of minors
- International transfers of players are only permitted if the player is over the age of 18.
[3] 3. The provisions of this article shall also apply to any player who has never previously been registered with a club, is not a national of the country where the association at which he wishes to be registered for the first time is domiciled, and has not lived continuously for at least the last five years in said country.
- Where a minor player is at least ten years old, the Players’ Status Chamber of the Football Tribunal must approve:
- a) their international transfer according to paragraph 2;
- b) their first registration according to paragraph 3; or
- c) their first registration, where the minor player is not a national of the country where the association at which they wish to be registered is domiciled and has lived continuously for at least the last five years in that country.
[4] NOVAES, Luís Fernando Pamplona. Entrevista. 08 abr 2024. Entrevistador: Luiz Guilherme Karpen. Audio (26min). Arquivo em mp3.