O PAPEL DO COI NO SÉCULO XXI: DESAFIOS E RESPONSABILIDADES

O PAPEL DO COI NO SÉCULO XXI: DESAFIOS E RESPONSABILIDADES

Tarcísio Miranda Bresciani

Introdução

O principal idealista do Movimento Olímpico, Pierre de Freddy, mais conhecido Pierre de Coubertin ou Barão de Coubertin, inspirou-se na Grécia Antiga para reorganizar os Jogos Olímpicos, no qual os valores pedagógicos do esporte seriam tão ou mais importantes do que os recordes ali alcançados.

Tendo em vista que no século XIX os conflitos eram resolvidos sem diálogo e com muito sangue, tinha o Movimento Olímpico o objetivo de fomentar a paz. Assim, seria a competição esportiva uma maneira de conflito organizado, sem a utilização de armas e a propagação da violência.

Foi no 5º aniversário da União das Sociedades Francesas de Esportes Atléticos, que o paraninfo Pierre Coubertin, manifestou a sua intenção em relação aos Jogos: “É preciso internacionalizar o esporte. É necessário organizar novos Jogos Olímpicos” (López, 1992, p.21).

Organizar uma competição esportiva a nível internacional, inspirada nos Jogos Olímpicos Gregos, com cunho educativo e permanente, necessitaria da criação de uma instituição que desse todo respaldo para realização do evento.

Neste sentido, válido citar Coubertin quando tratou do Olimpismo: “O olimpísmo é um estado de espírito resultante de um duplo culto: o do esforço e o da euritmia. E vede o quanto em conformidade com a natureza humana parece a associação destes dois elementos – o gosto pela medida – que, de aspecto contraditório, se encontram, no entanto, na base de toda virilidade completa. (“L’ Olympisme est un état d’spirit issu d’un double culte: celui de l’effort et celui de l’ eurythmie. Et voyez combien conforme à l humaine nature apparait l’association de ces deux éleménts – le goût de la mesure – qui, d’aspect contradiitoire, se trouvent pourtant à la base de toute virilité complete”).

O Comitê Olímpico, constituído por representantes de várias nacionalidades indicados pelos participantes do encontro da Sorbonne, traz o idealismo do Barão de Coubertin, com a missão de organizar os “novos” Jogos Olímpicos, com abrangência internacional, com a normatização das modalidades que seriam disputadas e com sua realização quadrienal.

Tavares (2003, p.64), nos seus estudos ventila que existia a ideia e o princípio de uma organização não ideológica, destinada a promover uma ideia, se organizar em torno de uma elite e servir a humanidade em regime de total independência de correntes políticas e de governos nacionais.

Observando a ideia da internacionalidade da competição, de forma apolítica e apartidária, Coubertin, idealizou o Movimento Olímpico, amparado na força dos Comitês Olímpicos nacionais e dos seus membros.

Note-se que o ritual de indicação pelo Comitê persiste até os dias atuais e seus membros são considerados embaixadores dos ideais olímpicos em seus países.

Como bem observado por Valente, Coubertin estruturou e organizou o COI como uma instituição unipartidária, em um modelo próximo ao oligárquico, tendo como documento norteador de sua prática a Carta Olímpica, elaborada pelo fundador do movimento olímpico em aproximadamente 1898.

O COI e os Desafios Contemporâneos:

A estrutura e o funcionamento do COI, concebidos em um contexto histórico distinto, são frequentemente objeto de debate. A forma de indicação dos membros, a relação com os Comitês Olímpicos Nacionais e as Federações Internacionais, e a necessidade de maior representatividade e diversidade dentro do próprio Comitê são alguns dos pontos que demandam atenção. Além disso, o COI enfrenta desafios contemporâneos como a crescente politização do esporte, a pressão por maior sustentabilidade e legado social dos Jogos, a luta contra a dopagem e a corrupção, e a necessidade de adaptação às novas tecnologias e plataformas de mídia.

Responsabilidade Social e Ambiental:

A realização dos Jogos Olímpicos causa grande impacto social e ambiental, especialmente em países em desenvolvimento. O COI tem a responsabilidade de garantir que os Jogos deixem um legado positivo para as cidades-sede, promovendo o desenvolvimento sustentável, a inclusão social e o respeito aos direitos humanos.

O Caso dos Jogos de Paris 2024:

Os Jogos Olímpicos de Paris 2024 ilustram os desafios enfrentados pelo COI no século XXI. A poluição do Rio Sena, que impactou diretamente as provas de natação em águas abertas, levanta questionamentos sobre a responsabilidade do COI na escolha da sede e na fiscalização das condições para a realização dos Jogos.

O COI como Guardião do Legado Olímpico:

O Comitê Olímpico Internacional (COI), desde sua criação, sempre se viu diante de desafios para manter acesa a chama olímpica. No entanto, o século XXI trouxe consigo uma nova ordem mundial, complexa e em constante mutação, que exige do COI uma capacidade de adaptação sem precedentes. As questões que o Comitê enfrenta hoje transcendem o âmbito esportivo, adentrando o terreno da geopolítica, da ética, da sustentabilidade e da comunicação digital.

O COI, desde sua gênese idealizada por Pierre de Coubertin, carrega consigo a missão de proteger e propagar o legado olímpico. Essa missão, intrinsecamente ligada à organização dos Jogos Olímpicos, transcende o mero aspecto esportivo, buscando promover a paz, a união entre as nações e a educação através do esporte.

Coubertin, inspirado pelos Jogos Olímpicos da Grécia Antiga, almejava criar um evento que transpusesse os limites da competição, elevando os valores pedagógicos do esporte a um patamar de igual ou maior importância que os próprios recordes. Em um contexto histórico marcado por conflitos sangrentos e falta de diálogo, o Movimento Olímpico emergia como um farol de esperança, buscando canalizar a competitividade humana para um ambiente controlado e regido por regras claras, promovendo a paz e o entendimento mútuo.

A Estrutura do COI e a Busca pela Universalidade:

A estrutura do COI, com seus membros indicados por seus pares e não eleitos democraticamente, reflete a visão de Coubertin de um comitê independente de influências políticas e governamentais. Essa estrutura, embora criticada por alguns como oligárquica, busca garantir a autonomia do COI e sua capacidade de agir como um órgão imparcial e defensor dos valores olímpicos.

A Carta Olímpica, documento fundamental do Movimento Olímpico, define o COI como uma organização internacional não governamental, com o francês e o inglês como línguas oficiais. Sua missão principal é promover o Olimpismo e seus valores, garantindo a regularidade dos Jogos Olímpicos, combatendo a discriminação no esporte e incentivando o desenvolvimento do esporte e da educação olímpica.

Os Desafios do Século XXI: Entre a Tradição e a Modernidade:

O COI, no século XXI, se vê diante do desafio de conciliar a tradição e os valores olímpicos com as demandas de um mundo em constante transformação. A crescente comercialização do esporte, a pressão por resultados e a espetacularização dos Jogos Olímpicos exigem do COI uma postura vigilante na defesa da ética, da igualdade entre os competidores e do espírito esportivo.

A globalização e o avanço tecnológico trouxeram consigo novos desafios, como a necessidade de combater a dopagem de forma mais eficaz, lidar com a manipulação de resultados esportivos e garantir a segurança dos Jogos em um contexto de ameaças terroristas.

Conclusão:

O COI, como os nadadores de águas abertas que participaram das Olímpiadas neste ano, se encontra em uma encruzilhada, navegando em águas turvas e turbulentas, buscando se adaptar aos desafios do século XXI. A capacidade de conciliar tradição e modernidade, de defender os valores olímpicos sem se furtar ao debate sobre as questões contemporâneas, será crucial para garantir a relevância e o futuro do Movimento Olímpico. O sucesso do COI em superar esses desafios determinará se os Jogos Olímpicos continuarão a ser um símbolo de união, superação e esperança para as futuras gerações.

Assim, a capacidade de se adaptar às novas realidades, sem abrir mão dos valores fundamentais do Olimpismo, será crucial para garantir a relevância e a perenidade dos Jogos Olímpicos como um símbolo de paz, união e excelência humana.

 

Bibliografia:

Carta Olímpica

COUBERTIN, P. Lettres olympiques. In: Textes Choisis. Tome II. Ap. cit. P. 385

LOPEZ, A.A. La aventura olímpica. Madrid: Campamones, 1992.

MATIAS, Juliana. Olímpiadas em tempos de Guerra Fria: 40 anos do boicote de 1980

MÜLLER, N. (Ed.). Olympism selected writings: Pierre de Coubertin 1863-1937. Lausanne: International Olympic, 2000.

NICOLAU, Jean Eduardo. Direito Internacional Privado do Esporte São Paulo: Quartier Latin, 2018.

RUBIO, Katia. A dinâmica do Esporte olímpico do século XIX ao XXI. Rev. bras. Educação Física Esporte, São Paulo, v.25, p.83-90, dez. 2011 N. esp. • 89

TAVARES, O.A. Referenciais teóricos para o conceito de Olimpismo. In: TAVARES, O.; DaCOSTA, L.P. (Eds.). Estudos olímpicos. Rio de Janeiro: Gama Filho, 1999.

VALENTE, E.F. Notas para uma crítica do Olimpismo. In: TAVARES, O.; DaCOSTA, L.P. (Eds.). Estudos olímpicos

https://olympics.com/ioc/national-olympic-committees Acesso em 06/06/2021

[1] Fundador do Escritório Bresciani e Almeida; Pós Graduado em Dir. e Processo do Trabalho, Direito Desportivo, especialista em Negociação e Membro do STJD do Skate,  da ANDD-Lab e do NTADT-USP.