Efeito colateral

Nenhuma classe se beneficiou tanto da implantação da Lei Pelé no Brasil quanto a dos empresários. A mudança da legislação tornou o mercado tão atrativo que profissionais de outras áreas migraram para a administração da carreira de jogadores. Hoje, eles definem os rumos dos atletas, com quem têm relação estreita, e são considerados vilões pelos clubes

Em março de 2001, quando a Lei Pelé entrou em vigor na sua plenitude, 20 brasileiros apareciam na lista de agentes credenciados pela Fifa. O grupo restrito tinha quantidade similar de ex-jogadores (Gilmar Rinaldi, Edinho Nazareth, Cláudio Guadagno) e empresários do período anterior à legislação (Leo Rabello, Juan Figer e Marcel Figer).

Hoje, o site da entidade que administra o futebol mundial lista 267 agentes registrados no Brasil. Quantidade inferior apenas à de Itália (1.058), Espanha (571), Inglaterra (471) e Ale­­manha (403), os países donos das quatro mais poderosas ligas nacionais do planeta. Entre os agentes Fifa brasileiros, ex-jogadores disputam espaço com profissionais egressos das mais diversas áreas, do mercado financeiro à medicina, do ramo automotivo à advocacia.

Wagner Ribeiro operava no mercado financeiro até ser convidado, em meados dos anos 90, a investir R$ 50 mil em um grupo que tentava reerguer o XV de Jaú, clube do interior paulista. O grupo elegeu Ribeiro para cuidar da transferência do atacante França ao São Paulo e, posteriormente, ao Bayer Leverkusen, da Alemanha. Era a migração definitiva do mercado financeiro para o futebol. “Foi o meu primeiro grande negócio”, diz o agente.

Na última década, Ribeiro negociou a transferência de Kaká para o Milan, levou Ro­­binho ao Real Madrid e só não vendeu Neymar para o Chelsea por decisão do Santos. Hoje, segue envolvido na negociação do atacante santista, provavelmente com o Barcelona. Em todos os casos foi alvo de duras críticas de torcedores e dirigentes. “Sou o empresário mais odiado do Brasil injustamente”, afirma.

Carlos Leite era dono de quatro lojas de pneu no Rio de Janeiro. Estava almo­­çando com o meia Léo Lima, do Vasco, quando o jogador recebeu o telefonema de um agente querendo cuidar da carreira. Lima passou o telefone a Leite e o apresentou como seu empresário. Apesar do susto inicial, Carlos Leite gostou da ideia. Vendeu as quatro lojas e investiu tudo no futebol. Hoje tem mais de 90 clientes, entre eles o ex-técnico da seleção brasileira Mano Menezes. Relação que causou enormes especulações enquanto o gaúcho comandou o time nacional.

“Nunca troquei três palavras com o Mano sobre jogadores de futebol. Não era minha função. Participava apenas dos contratos publicitários, que era o meu trabalho. É muita fantasia que se faz e ninguém prova nada”, afirmou Leite, em entrevista recente ao site Globoesporte.com.

Marcos Malaquias já estava no futebol, assessorando jogadores, quando percebeu o que define como “oportunidade de negócio”. “Eu via a necessidade dos jogadores de ter alguém brigando por eles”, conta.

Assumir brigas que, em tese, deveriam ser compradas pelos jogadores ajuda a explicar uma relação calcada na confiança e que extrapola o futebol. Enquanto os dirigentes de clube dividem sua atenção entre questões administrativas e a gestão estritamente esportiva de um elenco inteiro, agentes cobrem absolutamente todas as outras áreas. Ribeiro tem funcionários e parceiros que assessoram seus jogadores nas áreas imobiliária, jurídica, de marketing e mídias sociais. O empresário entra, basicamente, em negociações ou para mediar questões mais particulares.

Para Malaquias, essa participação na vida dos jogadores faz parte do trabalho. Com apenas dez clientes, consegue dar um atendimento personalizado a cada um deles. “A gente chama para conversar, minha esposa conversa com a esposa deles, acaba ajudando em diversas coisas”, diz Malaquias, que se diverte sempre que fala do casamento do atacante Keirrison com a irmã do zagueiro Henrique, os dois seus clientes, após o K9 sair de um relacionamento complicado. “Nessa aí eu fui o cupido. Até hoje o Henrique pega no meu pé”, afirma Malaquias, em sua confortável casa em um condomínio de luxo em Curitiba, onde recebe para animadas festas cantores como Bruno, Marrone e Alexandre Pires. Sua empresa, além do futebol, atua no ramo musical. Cuida, por exemplo, da perna sulista da turnê de retorno do grupo de pagode Só Pra Contrariar.

Amados e odiados

Amados pelos jogadores, os empresários despertam um sentimento oposto nos clubes. Perante o senso comum, viraram os novos senhores de engenho em um regime ainda escravagista. Todos têm pelo menos uma história de confronto para contar.

“O caso Dagoberto foi o maior aprendizado da minha vida. Apanhei forte de dirigente”, diz Malaquias, que travou uma forte briga com o Atlético referente ao vínculo do jogador – o Furacão pedia a extensão do contrato pelo prazo que o atacante ficou machucado. “Mas no final aconteceu exatamente como a gente imaginava [fusion_builder_container hundred_percent=”yes” overflow=”visible”][fusion_builder_row][fusion_builder_column type=”1_1″ background_position=”left top” background_color=”” border_size=”” border_color=”” border_style=”solid” spacing=”yes” background_image=”” background_repeat=”no-repeat” padding=”” margin_top=”0px” margin_bottom=”0px” class=”” id=”” animation_type=”” animation_speed=”0.3″ animation_direction=”left” hide_on_mobile=”no” center_content=”no” min_height=”none”][a Justiça deu razão a Dagoberto]. Até hoje, de vez em quando, mostro para o Dago uma foto do Petraglia que eu tenho no celular”, brinca.

Ribeiro chegou a ser proibido pelo então presidente do São Paulo, Marcelo Portugal Gouvêa, de participar da reunião que concluiria a transferência do meia Kaká para o Milan, em 2003. Pelo negócio que intermediou desde o início, o agente só foi receber comissão do clube italiano. Para ele, um jogo de cenas dos times brasileiros.

“Sempre o agente será a parte mais frágil de qualquer negociação e para ele sobram as criticas para proteger o presidente/diretor do clube vendedor. Eles precisam vender o jogador para suprir as despesas, mas não colocam isso muito claro, com medo de represálias e também por política interna”, argumenta.

Ambos minimizam o poder de sua classe adquirido a partir da Lei Pelé. Argumentam que a força está com o jogador e que eles apenas ajudam os clientes a exercer esse controle. Ainda assim, reconhecem que a legislação implantada em 1998 permitiu a eles fazer do futebol um lucrativo ganha-pão.

“O futebol me deu de tudo: alegria, tristeza, uma boa condição financeira. Pegar um jovem como o Henrique, em Colombo, e ver chegar até a seleção, um clube na Europa não tem preço. Só o futebol tem essa magia de a pessoa sair do zero e construir sua vida, sua família. A vida da pessoa muda muito rapidamente”, diz Malaquias. Um exemplo que vale para a maioria dos jogadores. E também para muitos empresários.

Números

13

O número de agentes credenciados pela Fifa no Brasil é hoje pouco mais do que 13 vezes maior do que em março de 2001, quando a Lei Pelé entrou em vigor por completo. Na época, eram 20 empresários com o aval da entidade máxima do futebol mundial; atualmente, essa lista chega a 267.

Fonte: Gazeta do Povo[/fusion_builder_column][/fusion_builder_row][/fusion_builder_container]

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