André Pessoa
Sumário
1. Introdução; 2. Direito de Arena x Direito de Imagem – Distinção; 2.1 – Da Natureza Jurídica do Direito de Arena; 3. Direito de Imagem. Previsão Legal. Direito Fundamental; 4. O contrato de cessão do Direito de Imagem do Atleta Profissional de Futebol; 4.1. Constituição de Pessoa Jurídica; 4.2. Natureza Jurídica do Contrato de Direito de Imagem; 4.3. Da multa rescisória – art. 31 da Lei Pelé; 5. Do Decreto 7.984/2013 – Regulamentação da Lei Pelé. 6. Conclusão.
1. Introdução
A celebração de um contrato, paralelo ao contrato de trabalho, para cessão do Direito de Imagem, tem sido utilizado em larga escala entre os Atletas Profissionais de Futebol e seus respectivos Clubes.
De primeiro plano, tem-se que o Direito à imagem está previsto e assegurado na Constituição Federal, no capítulo que trata dos Direitos Fundamentais, inserto no art. 5º., incisos V, X e XXVIII [fusion_builder_container hundred_percent=”yes” overflow=”visible”][fusion_builder_row][fusion_builder_column type=”1_1″ background_position=”left top” background_color=”” border_size=”” border_color=”” border_style=”solid” spacing=”yes” background_image=”” background_repeat=”no-repeat” padding=”” margin_top=”0px” margin_bottom=”0px” class=”” id=”” animation_type=”” animation_speed=”0.3″ animation_direction=”left” hide_on_mobile=”no” center_content=”no” min_height=”none”][1]:
A legislação infra-constitucional, a exemplo do código Civil de 2002, em seu art. 20 também tutela o Direito à imagem, como inviolável, nos seguintes termos:
“Salvo se autorizada, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou respeitabilidade, ou se destinarem a fins comerciais”.
Assim, com a universalização do futebol e com a sua imensa divulgação através dos inúmeros meios de comunicação, os atletas profissionais passaram a ter as suas imagens, muitas vezes de sucesso, conhecidas em um âmbito cada vez maior.
Atletas como Ronaldo, Kaká, Beckham, Robinho, dentre outros, passaram a ter a sua imagem difundida por todo o mundo, seja pelo bom futebol praticado nos campos, seja pelas atividades desenvolvidas fora deles, sem mencionar, ainda, o vultoso retorno financeiro trazido pela veiculação das suas imagens e de outros atletas por parte dos veículos de comunicação.
Ciente disso, os clubes utilizam a imagem desses atletas para comercializar um leque de produtos atrelados à sua marca. E, para viabilizar esse comércio lucrativo, torna-se necessária a celebração de um contrato para a cessão das suas imagens, pelo qual o clube-empregador remunera o atleta-empregado em troca dessa “permissão”.
Mas, esse tipo de ajuste fomentou acirrada discussão em torno da natureza jurídica do pagamento em favor do atleta, se é eminentemente salarial ou não, isto é, se integra ou não à sua remuneração para todos os efeitos legais e patrimoniais, com efeito sobre o contrato de trabalho, gerando diferenças consectárias, a exemplo de: férias, 13º. Salário, fundo de garantia, etc.
Duas correntes se formaram com dois pontos de vista antagônicos. Há quem defenda que este contrato se reveste de natureza civil, por se tratar de um instrumento autônomo, dissociado do contrato de trabalho. Já outra parte da doutrina e da jurisprudência, entende que o Direito de Imagem possui natureza eminentemente trabalhista, pois deriva do contrato de trabalho e a ele se vincula, umbilicalmente. É o que Rodrigues Pinto [2] denomina “força atrativa do salário”.
A diferença pode parecer, a primeira vista, insignificante, mas não é. Bem ao contrário, tem extrema relevância prática, na medida em que produz consequências absolutamente distintas, aos olhos da legislação trabalhista, previdenciária, fiscal e, em especial, desportiva.
Portanto, o objetivo deste estudo é analisar o contrato de cessão do Direito de imagem do Atleta profissional de Futebol, verificando e destacando as hipóteses, e seu enquadramento jurídico.
Antes, porém, de adentrar nessa questão, que constitui o núcleo do trabalho, importante estabelecer a distinção entre o chamado “Direito de Imagem” e o Direito de Arena dos atletas profissionais de futebol, para que evite-se o equívoco que, às vezes, se apresenta na seara esportiva, no que se refere a essas figuras jurídicas.
São institutos diversos regidos por normas próprias.
2. O DIREITO DE ARENA X DIREITO DE IMAGEM – DISTINÇÃO
Há, em princípio, por parte de alguns doutrinadores e da jurisprudência, um tratamento uniforme dos institutos Direito de Arena e o “Direito de Imagem” do atleta profissional de futebol.
Não raro, tem-se dispensado aos dois institutos, ou verbas, o mesmo tratamento jurídico, analisando-os como obrigações contratuais análogas, geradoras dos mesmos direitos e obrigações.
Contudo, embora tenham como fato gerador a veiculação da imagem do atleta, em termos jurídicos, os dois “direitos” em nada se assemelham. O Direito de Arena do atleta profissional possui regramento desportivo próprio, e está regulamentado na Lei Pelé, no art. 42, que assim dispõe:
“Às entidades de prática desportiva pertence o direito de negociar, autorizar e proibir a fixação, a transmissão ou retransmissão de imagem de espetáculo ou eventos desportivos de que participem.
§. 1º. Salvo convenção em contrário, vinte por cento do preço total da autorização será distribuído, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo ou evento.
§. 2º.O disposto neste artigo não se aplica a flagrantes de espetáculo ou evento desportivo para fins, exclusivamente, jornalísticos ou educativos, cuja duração, no conjunto, não exceda de três por cento do total do tempo previsto para o espetáculo.
(…)”..
Do dispositivo legal acima transcrito, constata-se que o Direito de Arena refere-se à veiculação da imagem do atleta enquanto partícipe do espetáculo, nos jogos veiculados pela mídia televisiva.
Por esta divulgação da sua imagem na arena, o atleta tem direito a participar do rateio, extraído do percentual de que, por força de Lei, é pago aos clubes pelos veículos de comunicação; este valor, como dito, deve ser rateado, em cotas iguais, entre todos os atletas participantes do espetáculo.
O Direito de Imagem, por sua vez, está previsto no art. 5º da Constituição Federal e no art. 20 do Código Civil, como já demonstrado, tratando-se de Direito Individual do atleta, pela exposição da sua imagem, de maneira pessoal dissociada da imagem do espetáculo, da qual utiliza-se o seu clube-empregador, no intuito de divulgar a sua marca.
Aí reside, portanto, a principal diferença entre o Direito de Arena e o Direito de Imagem. Enquanto um é pago pelo clube, pela comercialização da imagem do atleta, para a divulgação da sua marca (Direito de Imagem), o outro é pago por terceiro, independentemente da utilização individual da imagem de cada atleta, e sim, pela divulgação deste como parte integrante do espetáculo desportivo, sendo, o empregador, neste caso, um mero intermediário.
Sobre essa distinção, é esclarecedora a lição de Álvaro Mello Filho [3]:
“Enfatize-se que ‘o direito de arena que alcança o espetáculo desportivo não afasta o direito do atleta à própria imagem, se for destacado do conjunto’, ou seja, exclui-se do campo de incidência do direito de arena todas as demais situações onde a reprodução ou a divulgação da imagem não decorram diretamente do espetáculo desportivo ou que independam da autorização da entidade desportiva a que estiver vinculado o atleta. Por isso é que a legislação portuguesa ‘inclui’ no contrato de trabalho desportivo a ‘imagem coletiva’ dos atletas dos clubes empregadores, ao mesmo tempo que ‘exclui’ a ‘imagem individual’ do praticante desportivo.”. .
Feita essa dissociação, convém fazer pequena digressão em torno da integração desta parcela ao salário do atleta.
2.1 DA NATUREZA JURÍDICA DO DIREITO DE ARENA
Os valores pagos a título de Direito de Arena são, como visto, oriundos de contratos celebrados entre os clubes (empregadores), e os meios de comunicação autorizados a transmitirem os jogos de futebol. Desse valor, os atletas que atuarem na competição têm assegurado o direito a parte desta importância (percentual estabelecido na Lei Pelé, art. 42).
O fato do Direito de Arena ser pago por terceiro e não pelo clube-empregador, não descaracteriza a sua natureza remuneratória, a exemplo do que se dá, analogicamente, às gorjetas e às gueltas [4][5] , que, por sua vez, também são pagas por terceiros e não perdem, só por isso, a sua feição salarial.
Com efeito, assim tem decidido a jurisprudência, como se observa através do ilustrativo Acórdão do Tribunal Superior do Trabalho, versando sobre essa matéria:
“RECURSO DE REVISTA. DIREITO DE ARENA. NATUREZA JURÍDICA. Aplicável, por analogia, ao direito de arena, o entendimento jurisprudencial consagrado na Súmula 354/TST ( as gorjetas cobradas pelo empregador na nota de serviço ou oferecidas espontaneamente pelos clientes, integram a remuneração do empregado, não servindo de base de cálculo para as parcelas de aviso-prévio, adicional noturno, horas extras e repouso semanal remunerado , merece ser mantido o acórdão regional que, reconhecendo a verba como integrante da remuneração do atleta profissional, deferiu-lhe os reflexos em férias, natalinas e FGTS. Recurso de revista conhecido e não-provido.” . (NÚMERO ÚNICO PROC: RR – 1049/2002-093-15-00. DJ – 22/05/2009 Rel. Min. Rosa Maria Weber)
Domingos Sávio Zainaghi [6] comunga do mesmo raciocínio:
“O valor pago como direito de arena tem natureza jurídica remuneratória, uma vez sua similitude com as gorjetas, já que é pago por terceiros”. .
Daí que, embora distinto do Direito de Imagem, os valores pagos a título de Direito de Arena possuem idêntica natureza salarial e devem integrar à remuneração do atleta, para todos os fins, gerando diferenças consectárias, a exemplo de: Fundo de Garantia, natalinas e férias.
3. DIREITO DE IMAGEM. PREVISÃO LEGAL. DIREITO FUNDAMENTAL
Como já explanado no item anterior, o Direito à Imagem encontra-se no rol dos Direitos da Personalidade, inseridos no art. 5º. Da Constituição Federal, como já mencionado.
Mauro Schiavi [7] ensina que “Os direitos da personalidade tutelam a pessoa, tanto no seu aspecto corporal, interior e exterior. Podemos exemplificar a)aspecto corporal: corpo, nome, voz; b)interior: intimidade, privacidade, honra subjetiva e objetiva; b)exterior: imagem, reputação e também seus feixes de papéis institucionalizados que representa na Sociedade. Neste último aspecto, há a tutela da imagem social da pessoa, ou seja, como ela é vista pela sociedade”.
O Direito de Imagem é também definido por Celso Bastos [8] como sendo “o direito de ninguém ver o seu retrato exposto em público sem o seu consentimento”. .
Adiante, conclui o autor:
“Pode-se ainda acrescentar uma outra modalidade desse direito, consiste em não ser a sua imagem distorcida por um processo malévolo de montagem.
O problema delicado que esse direito suscita é que muitas pessoas vivem da sua imagem e, consequentemente, estão, por decorrência da sua própria profissão colocadas em um nível de exposição pública que não é própria das pessoas comuns.
É curial portanto que estas pessoas que profissionalmente estão ligadas ao público, a exemplo dos políticos, não possam reclamar um direito de imagem com a mesma extensão daquele conferido aos particulares não comprometidos com a publicidade. Isto não quer dizer que estas pessoas estejam sujeitas a ser filmadas ou fotografadas sem o seu consentimento em lugares não-públicos, portanto provados, e flagradas em situações não das mais adequadas para o seu aparecimento.” .
Já Luiz de Pinho Pedreira [9], ensina que Imagem é:
“É a reprodução, mediante processo técnico ou artístico, da figura de uma pessoa ou de um objeto, de modo que a faça reconhecível. A imagem pode estar numa fotografia, numa tela, num busto, num desenho, numa gravura, numa escultura, numa personagem de peça teatral ou de filme, num programa ou comercial de televisão, será identificada principalmente pelo rosto, também identificada por outras partes do corpo, desde que isso se torne possível”. .
O Direito à Imagem, é, então, nos termos da legislação que o prevê, a prerrogativa que tem toda pessoa natural de não ter violada a sua intimidade, pela veiculação de seu corpo e/ou voz, sem que haja a sua expressa autorização.
Há quem defenda a indisponibilidade do Direito de Imagem, por parte dos seus titulares. Contudo, em se tratando de pessoas de notório conhecimento público, como artistas e atletas, nada mais natural que a imagem destas seja difundida e comercializada, e que seja pactuada contraprestação por esta cessão.
Neste sentido, leciona Julmar Antônio Fachin [10]:
“A disponibilidade parcial da própria imagem é admitida pela doutrina e pela jurisprudência brasileira, sendo mesmo uma prática comum na atualidade, especialmente em relação às pessoas famosas, como desportistas, atrizes e modelos. O uso consentido da própria imagem em favor de terceiros pode ser gratuitamente ou mediante pagamento, conforme se pretende demonstrar mais adiante. O que não se pode é dispor, totalmente, deste direito.” .
Por sua vez, ainda que o Direito à imagem desfrute de proteção constitucional, é admissível a sua cessão, mediante contrato, oneroso ou não, como ocorre entre artistas e atletas profissionais, com o objetivo de divulgação das suas imagens para fins comerciais.
4. O CONTRATO DE CESSÃO DO DIREITO DE IMAGEM DO ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL
O contrato para cessão do Direito de Imagem encerra negócio jurídico bastante comum entre os Atletas Profissionais de Futebol e seus clubes e/ou patrocinadores e constitui instrumento paralelo, ou pacto acessório, ao contrato de trabalho, tendo como objetivo a exploração da imagem do atleta, por parte do seu clube-empregador, para divulgar a sua marca.
Podemos citar, no cenário nacional, a contratação de Ronaldo pelo Corinthians. Após a celebração do contrato de trabalho entre ambos, o Corinthians teve ampliada a sua divulgação na mídia, não só no Brasil, mas também no exterior. O Corinthians passou, então, a utilizar-se, cada vez mais, da imagem de Ronaldo, para, com isso, angariar mais patrocinadores, e atrair um público ainda maior para os estádios.
Ronaldo passou a ser o centro de todas as atenções e promoções do clube, realizando entrevistas, lançando uniformes, bem como uma série de eventos que foram promovidos pelo clube, em que era o personagem principal.
Eis um exemplo clássico onde é possível estabelecer-se um Contrato para cessão do Direito de Imagem, sem desfigurar a sua natureza e nos limites definidos na Lei.
A doutrina tem realçado o estudo dessa matéria, a qual é destacada de forma brilhante por Roberto Martinho dos Santos, Flavia Mansur Murad Schaal e Raquel Fortes Gatto [11]:
“É importante constatar que o esporte é hoje uma das maiores economias do Brasil, merecendo, portanto, o devido respeito quanto aos reflexos jurídicos em todas as facetas, sendo justamente no direito de imagem que reside a necessidade de estudos mais profundos, pois certamente é o que mais desperta o interesse dos grandes investidores e, consequentemente, é o que mais movimenta a economia em questão.”. .
Por isso é que o estudo do direito de imagem e a correta aplicação das normas trabalhistas se fazem tão importantes. Hoje, a veiculação da imagem dos atletas faz parte do cotidiano daqueles que acompanham o esporte, e incita o consumo de produtos oriundos dessa divulgação, o que movimenta importantes setores da economia e gera direitos e obrigações para clubes e atletas.
Surge, então, a necessidade de formalizar um contrato para cessão da imagem dos atletas aos clubes, com o escopo de se utilizar da notoriedade que estes possuem e divulgar a sua marca, atrair mais patrocinadores e, consequentemente, angariar mais receitas, sem, contudo, se permitir o seu desvirtuamento pelos contratantes que objetivaram, com isso, descumprir obrigações trabalhistas e fiscais.
Apesar da omissão da Lei Pelé acerca dessa modalidade contratual, é válido o ajuste, desde que respeitados os requisitos de validade dos contratos em geral: partes capazes, objeto lícito e forma não vedada em Lei.
Deste modo, o contrato de cessão do Direito de Imagem constitui instrumento válido e eficaz de remuneração dos atletas pelo uso das suas imagens pelos clubes empregadores, observado, como vimos, as regras legais, disciplinadoras desta matéria.
4.1. CONSTITUIÇÃO DE PESSOA JURÍDICA.
Tem sido recorrente entre clubes e atletas a constituição de pessoa jurídica interposta para celebração do contrato de cessão do Direito de Imagem, o que já vem sendo, em situações análogas, repelido e hostilizado pela jurisprudência.
Geralmente, tais contratos são celebrados entre os clubes e uma pessoa jurídica, criada pelo atleta apenas para este fim, da qual este é o principal ou único sócio, tendo o clube como seu único “cliente”.
Este artifício encontra óbice intransponível no art. 9º. da CLT que considera nulos os atos que busquem fraudar ou desvirtuar os direitos do trabalhador, sem exceção.
O ajuste encerra, porém, fraude odiosa, pois serve apenas para o clube driblar o pagamento de encargos que normalmente incidem sobre o salário (remuneração) pago ao atleta.
Não comungamos, portanto, do entendimento de parte da doutrina e da jurisprudência, que considera válida a constituição de empresa, por parte do atleta, para fins de recebimento do Direito de Imagem, a exemplo de Álvaro Mello Filho[12] , que entende que o contrato de imagem é um meio lícito de redução de encargos trabalhistas, senão vejamos:
“Mas, voltando ao contrato de cessão do direito de uso da imagem, destaca-se que este é geralmente firmado entre o clube e uma empresa constituída pelo jogador com ‘ânimus’ de, licitamente, reduzir encargos sociais e tributários, ou seja, usando, interposta pessoa jurídica enquanto o contrato de trabalho desportivo, em face da exigível pessoalidade e intranferibilidade da prestação serviço (sic) pelo atleta, não permite este artifício jurídico ser firmado por pessoa jurídica da qual o atleta, em regra geral, é o sócio principal e majoritário e o clube empregador o seu único cliente. Em razão desses aspectos repontados, torna-se o contrato de cessão de direito de uso de imagem insusceptível de produzir efeitos financeiros sobre a cláusula penal ajustada no contrato de trabalho desportivo.” .
Entendemos, ao contrário, que o contrato de cessão do direito de imagem, se diretamente vinculado ao contrato de trabalho celebrado entre o clube e o atletal, possui natureza trabalhista e não admite a interposição de um terceiro, mesmo que seja o titular dessa pessoa jurídica.
Na sua formação e execução, temos o entendimento do professor, Domingos Sávio Zainaghi:[13]
“Com a devida venia, o entendimento supra despreza os aspectos trabalhistas por nós estudados, pois resta claro para o direito do trabalho, que a criação de ‘interposta pessoa’ para o fim de desvirtuar a aplicação da lei é nula (art. 9º, da CLT).” .
E conclui o jurista:
“O ordenamento jurídico-trabalhista nunca aceitou a criação de ‘interposta pessoa’, nas relações de trabalho. Vejamos, por exemplo, o estatuído no En. 331, I, do Tribunal Superior do Trabalho: (…)”..
Este vem sendo o entendimento majoritário da nossa jurisprudência, como ilustra o julgado abaixo transcrito:
“ATLETA PROFISSIONAL DE FITEBOL (JOGADOR) – DIREITO DE IMAGEM (DIREITO DE ARENA) – NATUREZA SALARIAL DA VERBA – CABÍVEL INTEGRAÇÃO NA REMUNERAÇÃO PARA FINS TRABALHISTA, PREVIDENCIÁRIO E FISCAL – Parcela paga atleta profissional de futebol (jogador) a título de direito de imagem ou arena, possui natureza jurídica salarial, cabendo integração remuneratória para fins trabalhista, previdenciário e fiscal, mormente quando o valor pago é 157% superior ao salário para jogar futebol, entrar em campo. O direito de imagem, embora personalíssimo e de arrimo constitucional, civil e trabalhista, decorre do contrato de emprego firmado com o clube, cujo ganho é acessório, não podendo suplantar o salário pela atividade principal contratada (jogar bola). A dissimulação salarial fica evidente, não só pela desproporção da paga pelo direito de imagem, mas em razão da forma do pagamento: através de empresa simulada de divulgação e eventos em nome do reclamante. Não passando pelo crivo dos arts. 9º. e 444 da CLT. Sentença mantida. (TRT 15ª. R. – RO 00564-2004-092-15-00-0 . 6ª. T. – Rel. Juiz Édson dos Santos Pelegrini – DJSP 20.01.2006)”. .
Essa modalidade de contratação gera, em favor do atleta, menor incidência de encargos fiscais (Imposto de Renda). Pautada neste fundamento, parte da doutrina defende a sua validade. Porém, alem de não se constituir condição mais benéfica ao atleta, já que, desta maneira, não repercute nas demais parcelas oriundas do contrato de trabalho, é assente no Direito laboral o Princípio da Irrenunciabilidade dos Direitos do Trabalhador.
Ou seja, o Direito do Trabalho protege o trabalhador contra ele próprio, para que este não pactue algo que pensa ser mais vantajoso, pelo claro desconhecimento da legislação, ou pela imposição do seu empregador, ante à sua condição de hipossuficiência.
Assim, por exigência do clube, a interposição de pessoa jurídica interposta, por parte do atleta, para fins únicos de celebração de contrato de cessão do Direito de Imagem, quando objetivar apenas escapar das obrigações sociais e fiscais será considerada nula de pleno direito, uma vez que trata-se de tentativa de fraudar os direitos do empregado, bem como de macular a realidade fática, o que encontra obstáculos no art. 9º. da CLT.
4.2. NATUREZA JURÍDICA DO CONTRATO DE DIREITO DE IMAGEM
Muito se discute sobre a natureza jurídica da verba intitulada “Direito de Imagem”. A celeuma gira em torno da sua definição e repercussão patrimoniais.
Instrumento paralelo ao contrato de trabalho, o contrato de cessão do direito de imagem é resultante deste, já que apenas admite-se tal modalidade contratual (cessão da imagem) no meio desportivo, entre o atleta e o seu clube empregador, não podendo cogitar-se o uso da imagem de um jogador de futebol por outro clube que não aquele em que está atuando.
Desse modo, tem-se que, pela inteligência do parágrafo 1º. do art. 457 da CLT, in verbis, . mesmo que não se considere salário, propriamente dito, o valor atribuído ao uso da imagem, certamente será integrado para todos os fins de direito, repercutindo no pagamento das demais verbas, a exemplo de férias, 13º. salário, Fundo de Garantia e rescisórias.
É o que se extrai do texto da norma consolidada, antes apontada:
“Art. 457. Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber.
Parág. 1º. Integram o salário não só a importância fixa estipulada, como também as comissões, percentagens, gratificações ajustadas, diárias para viagens e abonos pagos pelo empregador. .
Embora não esteja expressamente prevista no corpo do dispositivo, entendemos que os valores pagos a título de direito de imagem se enquadram na idéia de “gratificações ajustadas”, o que define a sua natureza como parcela remuneratória.
Neste contexto, todos os valores pagos pelo clube ao atleta, pelo uso da sua imagem a seu favor e, igualmente, em campanhas publicitárias, álbuns de figurinhas, participações em programas esportivos, etc, se revestem da mesma natureza e compõe a base salarial para todos os efeitos legais e jurídicos.
Portanto, mesmo decorrente deste ajuste, sendo lícita a pacutação da cessão do Direito de Imagem entre atletas e clubes, os valores pagos a este fim devem integrar ao salário para todos os fins, por se tratar de parcela derivada do contrato de trabalho.
Este vem sendo o entendimento majoritário da jurisprudência pátria:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. DIREITO DE IMAGEM. AJUDA DE CUSTO. INTEGRAÇÃO. ACORDOS COLETIVOS/CONTRARIEDADE. O acórdão recorrido, examinando os fatos e as provas existentes nos autos, constatou que as parcelas referentes a ajuda de custo e direito de imagem eram pagas mensalmente, independentemente de qualquer comprovação de despesa ou de efetivo uso da imagem do autor, descaracterizando, assim, as suas denominações e, na verdade, configurando autêntica remuneração. Agravo conhecido e não provido. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento em Recurso de Revista nº TST-AIRR-1770/2004-201-04-40.7, em que é Agravante SPORT CLUBE ULBRA e Agravado LUCIANO MORAES RIBEIRO”. .
Contudo, alguns clubes utilizam tal modalidade contratual como subterfúgio para fraudar os direitos trabalhistas dos atletas.
Ocorre que, em não se configurando estes casos acima narrados, ou seja, em não possuindo o atleta empregado notoriedade suficiente para que o seu clube beneficie-se da sua exposição, não há que se falar em cessão do Direito de Imagem.
Ademais, demonstra-se também fraudulento o contrato de Imagem em quantia muito superior àquela destinada ao pagamento do salário do atleta, com o objetivo claro do clube de esquivar-se dos encargos sociais incidentes sobre o salário.
Nestes casos, em se verificando a existência desta pactuação, deve esta ser considerada nula de pleno direito, nos termos do já citado art. 9º. da CLT, já que o intuito é, claramente, fraude aos direitos trabalhistas do empregado.
Isso porque, na maioria dos casos em que há celebração do contrato para cessão do Direito de Imagem, não há nenhuma utilização, efetiva, da imagem do atleta, que não aquela vinculada aos espetáculos (jogos).
Assim, quando não há nenhuma veiculação da imagem do atleta como “ponte” de divulgação da marca do clube, não há como se conferir validade ao Contrato que prevê a cessão da imagem do empregado, já que o objetivo, claramente, é fraudar os direitos deste.
Tal ilação deriva da aplicação do Princípio da Primazia da Realidade, pelo qual, na análise do contrato de trabalho, deve-se dar prioridade ao que acontece na prática, em detrimento daquilo que consta em documentos.
Sobre o referido Princípio, nos ensina Américo Plá Rodrigues[14]
“significa que em caso de discordância entre o que ocorre na prática e o que surge de documentos e acordos se deve dar preferência ao primeiro, isto é, ao que sucede no terreno dos fatos.” .
Daí porque se declarar nulo o pacto em que não há efetiva utilização da imagem do atleta, embora haja contrato prevendo remuneração para este fim.
Deste modo, nestes casos, os valores pagos a título de “direito de imagem” devem ser considerados como SALÁRIO, para todos os fins de direito.
Para melhor ilustrar o quanto aqui defendido, é esclarecedor o voto da lavra do Eminente Desembargador Sérgio Winnik, do TRT da 2ª. Região, no processo em que foram partes o atleta conhecido como Luisão e o Sport Club Corinthians Paulista:
“Emerge da realidade fática dos autos a ocorrência de fraude na celebração dos contratos de cessão de direito de imagem com o reclamante, através dos quais o clube recorrente paga ao atleta salários, segundo conceito reproduzido na r. sentença recorrida fls. 357. Isto porque a difusão da imagem do atleta profissional é necessária para a obtenção do resultado esperado de seu trabalho.
Não basta ao atleta jogar bem, é preciso que seja reconhecido pelo público e eleito como bom jogador. Para tanto, necessário um trabalho de difusão da sua imagem, mantendo sua presença constate na mídia e, por certo, associada ao nome do clube contratante para que este obtenha o resultado desejado, ser bem classificado como ente esportivo por albergar bons jogadores. Ainda que se trate de um atleta do mais elevado nível, sem a difusão da sua imagem, não há a divulgação do clube, sem a qual não conquista admiradores, e não obtém o retorno financeiro decorrente do investimento feito na contratação.
A prova da simulação está patente não somente pela realidade fática, como demonstrada na comunhão de interesses do Sport Clube Corinthians Paulista e a Corinthians Licenciamentos LTDA. nos contratos de cessão de imagem, como também pela carta assinada por ambas as empresas, dirigida ao Autor, fls. 49, revelando que estas são, de fato, uma só, ou seja, a Corinthians Licenciamentos somente figura naquele ajuste para descaracterizar a natureza salarial da contraprestação prometida ao recorrido. Portanto, tem-se que os contratos de cessão de direitos de imagem agaslham nítida simulação, porque a retribução daí decorrente em favor do trabalhador, bem como o salário strictu sensu a este devido tem como único fato gerador a compensação pela atividade laborativa do atleta em favor do clube. .
A conclusão é ainda mais refulgente:
“Equivocada a interpretação que empresta o Recorrente ao art. 42, da ‘Lei Pelé’, pois ainda que a exposição do atleta profissional na mídia possa não gerar obrigações outras de natureza laboral ou comercial, é exatamente daí que emerge o reconhecimento da natureza remuneratória do ‘direito de imagem’. Se se tratasse, como quer fazer crer o recorrente, de ajuste com o objetivo de exploração da imagem do atleta para fins diversos do contrato de trabalho, o recorrido deveria nele ser tratado como figura pública, de forma dissociada da imagem do clube e sem remuneração fixa pela cessão propriamente dita, através de regras próprias para descaracterizar o relacionamento entre agente e representado. Assim ocorre quando um atleta atua em uma propaganda para promover determinado produto ou sérvio, de forma dissociada do clube contratante, como não se verificou na prática, consoante a prova trazida à colação. A divulgação envolvendo o clube reclamado é, como já dito, inerente à atividade do atleta, jogador de futebol. Qualquer contraprestação daí decorrente, tem, pois, nítida conotação salarial.” .
Tem-se, portanto, que, em não havendo divulgação da imagem do atleta, por parte do clube, para fins comerciais, que a simples rotulação como contrato de cessão do direito de imagem é fraudulenta, devendo os valores pagos a este título serem considerados como salário strictu sensu. .
Mas a dúvida que pode surgir deste fato é a seguinte: Se, de qualquer maneira, a parcela paga deve integrar ao salário, qual a diferença entre conferir validade à esta modalidade contratual ou não.
É simples. A Lei 9.615/98 (Lei Pelé), que regulamenta as normas gerais sobre o desporto, em seu art. 31 estabelece o seguinte:
“A entidade de prática desportiva empregadora que estiver com o pagamento de salário de atleta profissional em atraso, no todo em parte, por período igual ou superior a três meses, terá o contrato de trabalho daquele atleta rescindido, ficando o atleta livre para se transferir para qualquer outra agremiação de mesma modalidade, nacional ou internacional, e exigir a multa rescisória e os haveres devidos.
§1º. São entendidos como salário, para efeitos do previsto no caput, o abandono de férias, o 13º. salário, as gratificações, os prêmios e demais verbas inclusas no contrato de trabalho.
§2º. A mora contumaz será considerada, também, pelo não recolhimento do FGTS e das contribuições previdenciárias.
(…)”.
Desse modo, para o primeiro caso, onde o contrato de cessão do Direito de Imagem é válido e eficaz, em caso de mora no seu pagamento, não há como se aplicar a previsão legislativa para se pleitear a rescisão do contrato de trabalho, pela chamada “mora contumaz”.
Porém, em se verificando a fraude na pactuação da referida parcela, como acima demonstrado, considerando-se esta como SALÁRIO, é forçoso concluir que, em havendo atraso no seu pagamento, por período igual ou superior a três meses, entendemos que, também, neste caso, é possível se caracterizar a “mora contumaz”, prevista na Lei Pelé, podendo o atleta pleitear a rescisão indireta do seu contrato de trabalho.
Outra diferença que se extrai entre as duas hipóteses é que, em se declarando a nulidade do contrato e se considerando as verbas pagas como SALÁRIO, strictu sensu., é que torna-se impossível a supressão e/ou diminuição dos valores pagos a título de Direito de Imagem.
Isso porque a verba “Direito de Imagem”, quando resultante de um contrato real, onde se tem como válida tal pactuação, a supressão e/ou redução dos valores pagos é admissível, já que o pagamento pode estar condicionado à veiculação da imagem do atleta.
Porém, sendo nulo o contrato, considerando os valores pagos a tal título como salário, temos que este, segundo regra estabelecida na Constituição Federal, art. 7º, VI e VII não pode ser suprimido ou reduzido, salvo nas honrosas e excepcionais exceções previstas em Lei.
Ademais, nos casos em que não se vislumbra a utilização da imagem do atleta, dissociada da coletiva, para fins comerciais, o contrato celebrado entre empregado e empregador para este fim é nulo de pleno direito, devendo os valores pagos a este título serem considerados como salário strictu sensu. .
Destarte, em se verificando a mora no pagamento desta parcela, é possível a aplicação do art. 31 da Lei 9.615/98 (Lei Pelé), pelo qual se admite a rescisão indireta do contrato de trabalho do atleta profissional de futebol, estando este livre para celebrar contrato com qualquer agremiação.
Necessária, portanto, a presença destes dois elementos para que o atleta possa pleitear a rescisão indireta do seu contrato com o clube: a fraude na pactuação; a mora, em período igual ou superior a três meses.
Bem assim, em se verificando a referida fraude, não há que se admitir a supressão ou redução dos valores pagos a este título, pela proibição constitucional, estabelecida no art. 7º., VI e VII.
4.3. DA MULTA RESCISÓRIA – ART. 31 DA LEI PELÉ
Há ainda grande debate sobre os haveres rescisórios dos atletas, em se pondo fim ao contrato de trabalho, através desta caracterização. Ou seja, em se considerando nulo o contrato de Cessão do Direito de Imagem, o que seria devido ao atleta a título de multa rescisória.
Isso porque, o contrato de trabalho do Atleta Profissional é por tempo determinado, e a Lei Pelé, no art. 29, §3º., prevê que, em caso de rescisão antecipada do contrato do atleta, a multa rescisória pactuada pelas partes poderá ser fixada em valor não superior a 100 vezes a remuneração anual do atleta.
Parece-nos clara, contudo, a previsão estabelecida no art. 31, alhures mencionado, em seu parágrafo 3º., que trata sobre a rescisão do contrato pela “mora contumaz”. Ali dispõe o seguinte:
“Sempre que a rescisão se operar pela aplicação do disposto no caput, a multa rescisória a favor do atleta será conhecida pela aplicação do disposto no art. 479 da CLT”. .
E, o art. 479 da CLT assim ordena:
“Nos contratos que tenham termo estipulado, o empregador que, sem justa causa, despedir o empregado, será obrigado a pagar-lhe, a título de indenização e por metade, a remuneração a que teria direito o termo do contrato”. .
Os Tribunais, em derredor deste tema, assim têm se posicionado:
“ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL – MORA SALARIAL – RESCISÃO INDIRETA – CLÁUSULA PENAL INDEVIDA – MULTA RESCISÓRIA – INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 28 E 31 DA LEI Nº 9.615/1998 – O legislador, ao editar a chamada ‘Lei Pelé’, restringiu a multa rescisória, nas hipóteses de mora salarial, ao montante previsto no art. 479 da CLT. Em momento algum, no art. 28 do referido Estatuto, estabeleceu cláusula penal adicional. Pelo contrário, a cláusula penal prevista no art. 28 objetiva, apenas e tão-somente, compensar o investimento feito pelo clube no jogador, bem como indenizar os lucros cessantes de um atleta que daria, até o final do contrato, vantagens financeiras para o clube. Além disso, o § 5º do art. 28, ao prever que a limitação não se aplica às transferências internacionais, deixou ainda mais claro que a cláusula penal está ligada apenas às transferências unilaterais do jogador antes do final do contrato. Indevida, assim, a cláusula penal.” . (TRT 15ª R. – RO 02030.2003.053.15.00.5 – 3ª T. – Rel. Juiz Samuel Hugo Lima – J. 10.10.2005)
“ATLETA DE FUTEBOL – CLÁUSULA PENAL CUMULADA COM O ARTIGO 479 E 480 DA CLT – O parágrafo 3º do artigo 28 da Lei 9.615/98, acrescentado pela L. 9.981/14.7.2000, instituiu a cláusula penal a ser fixada pelo Atleta profissional e o Clube de Futebol, em caso descumprimento, rompimento ou rescisão unilateral do contrato de trabalho por qualquer das partes. Referida cláusula penal convive e é cumulativa com a outra, de natureza rescisória, prevista no artigo 31 e seu parágrafo 3º, da mesma Lei 9.615/98 e que se remete ao artigo 479 e 480 da CLT.” . (TRT 2ª R. – RO 00851-2002-077-02-00 – 9ª T. – Relª Juíza Rita Maria Silvestre – DOESP 26.08.2005)
Deste modo, no nosso entendimento, como já proclamado neste estudo, poderá ser pleiteada a rescisão do contrato de trabalho do atleta profissional de futebol, com base na mora contumaz, ante o atraso do pagamento do Direito de Imagem, e, em se verificando fraude na pactuação da referida verba, o atleta fará jus à indenização pelo desfazimento indevido do seu contrato de trabalho.
5. DO DECRETO 7.984/2013 – REGULAMENTAÇÃO DA LEI PELÉ.
Embora com certo atraso – longos 13 anos – fora publicado, no dia 08 de abril de 2013, o Decreto nº7.984/2013, que regulamenta a Lei 9.615/98, a chamada Lei Pelé.
O referido ato cuidou de estabelecer regras acerca de dispositivos da Lei que necessitavam de parâmetros específicos, trazendo uma série de inovações ao desporto e esclarecendo diversos outros pontos de grande discussão entre os operadores do Direito desportivo.
No que tange ao tema aqui abordado, o Decreto dispõe, em seu art. 45, a natureza jurídica do contrato de cessão do uso de imagem do atleta profissional de futebol, estabelecendo o seguinte:
“Do Direito de Imagem do Atleta
Art. 45. O direito ao uso da imagem do atleta, disposto no art. 87-A da Lei nº 9.615, de 1998, pode ser por ele cedido ou explorado, por ajuste contratual de natureza civil e com fixação de direitos, deveres e condições inconfundíveis com o contrato especial de trabalho desportivo.
§ 1º O ajuste de natureza civil referente ao uso da imagem do atleta não substitui o vínculo trabalhista entre ele e a entidade de prática desportiva e não depende de registro em entidade de administração do desporto.
§ 2º Serão nulos de pleno direito os atos praticados através de contrato civil de cessão da imagem com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar as garantias e direitos trabalhistas do atleta.”
Note que o legislador, acertadamente, na linha do que dispõe o art. 9º da CLT, considera nulos os atos praticados com vistas à fraudar o contrato de trabalho. Ou seja, como já mencionado em tópico anterior, caso não haja, por parte do clube, um efetivo uso da imagem do atleta em divulgações promocionais, que justifiquem a celebração de um contrato, paralelo ao contrato de trabalho, o valor pactuado para este fim é SALÁRIO. Aqui, repise-se, agiu com acerto o Decreto.
Contudo, no que se refere ao caput. do dispositivo acima transcrito, o qual estabelece a natureza jurídica do contrato de cessão de uso de imagem do atleta como sendo de natureza civil, ao nosso ver, o legislador não teve a mesma sorte. Como já mencionado em tópico anterior, no nosso entendimento, este contrato, mesmo válido, ou seja, considerando que há um efetivo uso da imagem do atleta pelo clube contratante, ainda sim, a sua natureza é remuneratória.
Isso porque o mencionado pacto decorre do contrato de trabalho – quando o contrato de cessão do uso de imagem é celebrado entre o atleta e o clube para o qual este desempenha as suas atividades – não havendo como dissociar as duas relações contratuais. Ou seja, jamais um atleta de um clube poderá celebrar esse tipo de contrato com outro clube. Na mesma linha de raciocínio, atleta e clube somente celebrarão este tipo de contrato se pré-existir, entre ambos, um contrato de trabalho.
A remuneração por esta cessão, na grande maioria das vezes, se dá de forma mensal, configurando a habitualidade da prestação, característica intrínseca das parcelas de natureza remuneratória.
Diferentemente se dá quando este contrato é celebrado com outras empresas que pretendem divulgar a sua marca com o uso da imagem do atleta. Nesses casos, de fato, a natureza jurídica desta modalidade contratual é eminentemente civil.
Contudo, não há porque acreditar que a mens legem preocupou-se com este tipo de pacto, uma vez que não restam dúvidas acerca da natureza jurídica deste, já que não há, nesta hipótese, nenhum dos elementos caracterizadores do contrato individual de trabalho. A intenção do legislador, certamente, foi a de regulamentar a natureza jurídica do contrato celebrado entre atleta e o seu clube com o qual este já possui um contrato de trabalho.
Portanto, havendo a celebração de um contrato de cessão do uso de imagem entre atleta e o seu clube, a natureza jurídica deste contrato, ao nosso sentir, é remuneratória, tendo o legislador, neste particular, agido em total dissonância aos dispositivos e Princípios norteadores das relações de emprego.
6. CONCLUSÃO
De tudo quanto aqui demonstrado, temos, que o Direito à Imagem, embora inserido dentre os Direitos Fundamentais do homem, pode, em situações em que a veiculação da imagem se torna comum, como nos casos de artistas e atletas, ser “comercializado”, através de um contrato para cessão deste direito.
O Direito de Imagem não se confunde com o Direito de Arena, que, por sua vez, está previsto no art. 42 da Lei Pelé, pelo qual o atleta faz jus ao rateio do percentual de, no mínimo, 20% dos valores pagos pela veiculação da sua imagem, associada ao espetáculo desportivo. Trata-se de parcela que, embora paga por terceiros, deve ser integrada ao seu salário, para todos os fins, à semelhança das gorjetas.
Assim, do mesmo modo, em havendo pactuação para cessão do Direito de Imagem, os valores pagos ao atleta profissional de futebol, a este título, devem integrar ao seu salário para todos os fins de direito, contrariando o que dispõe o art. 45 do Decreto 7.984/2013.
Deve-se verificar, contudo, se há efetiva utilização, por parte do clube, da imagem do atleta para fins comerciais ou de divulgação da sua marca, sob pena do contrato ser considerado nulo de pleno direito, nos termos do art. 9º. Da CLT e do §2º do art. 45 do Decreto 7.984/2913, e os valores pagos a este título serem tidos como salário, stricto sensu. .
Essa distinção se torna fundamental para fins de aplicação do art. 31 da Lei Pelé, onde, em se verificando a mora contumaz no pagamento desta parcela, permite-se ao atleta que postule, em juízo, a rescisão indireta do seu contrato de trabalho com o seu clube empregador.
Nestes casos, há de se aplicar, em favor do atleta, a regra estabelecida no art. 479 da CLT, sendo-lhe, portanto, devidos, ainda, metade dos valores a que faria jus até o final do seu contrato.
Ademais, em se tratando de contrato de cessão do Direito de Imagem válido e eficaz, distinto do contrato de trabalho, o pagamento condicionado à exposição do atleta na mídia torna-se plenamente possível, permitindo a redução e/ou supressão desta verba, o que não se admite nos casos de desvirtuamento desta modalidade contratual, cuja finalidade é a fraude aos direitos do trabalhador, por força do quanto estatuído no art. 7º, VI e VII da Carta magna.
André Pessoa é Advogado. Mestrando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Graduado pela Universidade Católica do Salvador, Pós-graduado em Direito do Trabalho pela Fundação Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia. Auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Baiana de Futebol. Sócio do escritório Pessoa & Pessoa Advogados Associados.
NOTAS
1 – Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além de indenização por dano material, moral ou à imagem;
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente da sua violação;
XXVIII – são assegurados, nos termos da lei:
a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades esportivas; (todos os grifos nossos)
2 – Tratado de Direito Material do Trabalho. Ed. LTR, São Paulo. 2007. pág: 393
3 – Direito Desportivo – Aspectos Teóricos e Práticos. Ed. Thomson IOB. São Paulo, 2006. pág.132.
4 – Valentin Carrion:
“Gueltas são gratificações ou prêmios oferecidos por terceiros a empregado pela produção, beneficiando estes terceiros; ex: empresa de cartão de crédito que ofereça gueltas a empregados de certo banco pelas operações realizadas para os produtos daquela primeira; não influem na relação empregatícia.” (in Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, 24a edição. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 314)
5 – Sobre o tema, assim tem se posicionado a jurisprudência:
““GUELTAS”. O fato de ser paga por terceiros não retira a natureza remuneratória da parcela em epígrafe. (…) Recurso parcialmente provido. (Acórdão do processo 01234-2008-203-04-00-3 (RO) Redator: ANA ROSA PEREIRA ZAGO SAGRILO Data: 02/07/2009)”.
6 – Ob. Cit. pág 36
7 – SCHIAVI, Mauro. Ações de Reparação por Danos Morais Decorrentes da Relação de Trabalho. São Paulo: LTr, 2007, p. 49.
8 – “Comentários à Constituição do Brasil”. 2º. Vol., Saraiva, 1989, pág. 62 apud ZAINAGHI, Domingos Sávio. Nova Legislação Desportiva – Aspectos Trabalhistas. LTR, 2ª. Ed.
9 – Esporte Direito – Homenagem póstuma ao Prof. José Martins Catarino. “Jogador de Futebol: Direito à Imagem, Licença de uso da Imagem, Direito de Arena. Salvador, 2004. pág. 183.
10 – “A Proteção Jurídica da Imagem”. São Paulo, Celso Bastos – Editor. 1999, pág. 72.
11 – O Direito à Imagem no Direito Desportivo: Suas Virtudes Comerciais e Publicidade. Revista Brasileira de Direito Desportivo. IOB. Ano VI, nº.11. Jan/Jun 2007
12 – Novo Regime Jurídico Desportivo, Brasília Jurídica, 2001, pág. 125 apud ZAINAGHI, Domingos Sávio. Ob cit., pág. 38.
13 – Ob. Cit. Pág. 38
BIBLIOGRAFIA
BASTOS, Celso. Comentários à Constituição do Brasil”. 2º. Vol., Saraiva, 1989, pág. 62.
CARRION, Valentin – Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, 24a edição. São Paulo: Saraiva, 1999
DA SILVA, Luis de Pinho Pereira. Principiologia de Direito do Trabalho. Gráfica Contraste. Salvador. 1996.
FACHIN, Julmar Antônio. A Proteção Jurídica da Imagem”. São Paulo, Celso Bastos – Editor. 1999.
MELLO FILHO, Álvaro. Novo Regime Jurídico Desportivo, Brasília Jurídica, 2001.
Direito Desportivo – Aspectos Teóricos e Práticos. Ed. Thomson IOB. São Paulo, 2006.
PEDREIRA, Luis de Pinho – Esporte Direito – Homenagem póstuma ao Prof. José Martins Catarino. “Jogador de Futebol: Direito à Imagem, Licença de uso da Imagem, Direito de Arena. Salvador, 2004.
SANTOS, Roberto Martinho dos, SCHAAL, Flavia Mansur Murad e GATTO, Raquel Fortes. O Direito à Imagem no Direito Desportivo: Suas Virtudes Comerciais e Publicidade. Revista Brasileira de Direito Desportivo. IOB. Ano VI, nº.11. Jan/Jun 2007
SCHIAVI, Mauro. Ações de Reparação por Danos Morais Decorrentes da Relação de Trabalho. São Paulo: LTr, 2007.
ZAINAGHI, Domingos Sávio. Nova Legislação Desportiva – Aspectos Trabalhistas. LTR, 2ª. Ed.[/fusion_builder_column][/fusion_builder_row][/fusion_builder_container]