Celebrado como “país do futebol”, o Brasil não consegue levar mais do que 13 mil torcedores em média ao estádio em partidas da principal competição nacional. As receitas do esporte no país ainda são baixas quando comparadas às dos principais clubes da Europa ou mesmo de países onde o futebol não é tão popular. E os times brasileiros não conseguem impedir a ida de seus principais talentos para a Europa.
Esses são problemas já conhecidos e que não foram resolvidos nas últimas décadas. Ao mesmo tempo, países com até então pouca tradição no esporte, como Estados Unidos, Japão e China, evoluíram, criaram ligas competitivas e começaram a atrair jogadores renomados no cenário internacional.
A BBC Brasil conversou com cartolas do futebol nacional e especialistas em gestão esportiva para tentar mapear o que falta para o futebol brasileiro se tornar mais atraente para público e investidores.
Desempenho fraco
O Brasil foi apenas o 18º colocado em média de público em um ranking dos 20 maiores campeonatos nacionais do mundo divulgado no início deste ano pela Pluri Consultoria. Ficou atrás, por exemplo, da Major League Soccer (a liga americana de futebol), do Campeonato Chinês e da Segunda Divisão da Inglaterra.
Comparado à Alemanha, que ocupa o primeiro lugar (com média de 42.646 torcedores por jogo na Bundesliga), o “país do futebol” perde de goleada, com média de público de apenas 12.983 por partida no Brasileirão.
O desempenho financeiro dos clubes brasileiros também é tímido, na comparação com os europeus. Um levantamento da consultoria Deloitte apontou, no início do ano, que o Corinthians é o primeiro time do país a aparecer na lista dos mais ricos do mundo (em 31º lugar) – atrás de clubes de menor expressão na Europa, como o Sunderland, da Inglaterra.
Além disso, a perda de grandes jogadores para o futebol pode até ter diminuído nos últimos anos, mas ainda provoca desfalques irreparáveis nos grandes clubes. Neymar, Paulinho e Bernard foram alguns dos que deixaram Santos, Corinthians e Atlético-MG, respectivamente, durante o Campeonato Brasileiro, em busca de maior exposição no Velho Continente.
“Os campeonatos europeus estão muito acima, o Campeonato Inglês é o melhor do mundo, comparar com eles não dá, porque aí a gente fica ridículo”, lamenta o presidente do Atlético Mineiro, Alexandre Kalil. “Podemos chegar lá só daqui a uns 20 anos.”
Imagina na Copa
A proximidade da Copa do Mundo de 2014 e o crescimento da economia brasileira podem ser uma oportunidade para a reforma e modernização de estádios e a busca por uma organização mais estável e eficiente para gerir os clubes.
Mas os números da atual temporada indicam que, apesar de avanços, os dirigentes do país ainda têm muito a fazer para, de fato, reconquistar a confiança dos torcedores. Os clubes reconhecem o desafio.
“A gestão dos clubes no Brasil é muito precária, está melhorando, mas eu diria que a gente passou da pedra lascada pra pedra polida, não chegamos nem na Idade do Ferro”, afirma Luis Paulo Rosenberg, vice-presidente do Corinthians, à BBC Brasil.
Veja abaixo os principais pontos a serem enfrentados pelo país, na opinião dos especialistas ouvidos pela BBC:
Gestão
Qualquer transformação do futebol brasileiro depende fundamentalmente do que executivos do mundo de negócios chamam de “choque de gestão”. A administração dos clubes, dos campeonatos, das finanças, tudo isso é extremamente necessário para a evolução do esporte, que tem um potencial ainda não aproveitado no país.
“A gestão dos clubes no Brasil é muito precária, ela está melhorando, mas eu diria que a gente passou da Pedra Lascada para a Pedra Polida, não chegamos nem na Idade do Ferro”, diz o vice-presidente corintiano Luis Paulo Rosenberg.
Os grandes clubes brasileiros só começaram a dedicar maiores esforços para gerir o negócio recentemente. Até o início da década, muitos deles estavam tomados por dívidas – alguns ainda estão – e entregues a dirigentes pouco interessados em mudanças.
O Corinthians, por exemplo, ficou 14 anos com o mesmo presidente, Alberto Dualib, que comandou o clube em alguns dos melhores e dos piores momentos de sua história – como a conquista de três Campeonatos Brasileiros, de um lado, e o início da campanha que culminaria na queda para a Série B em 2007, do outro.
O Palmeiras foi outro que passou 12 anos sob a polêmica gestão de Mustafá Contursi – capaz de levar o clube à conquista de uma Libertadores e, anos depois, permitir o rebaixamento do time em 2002.
“Estamos avançando muito. Nem falo do Corinthians, mas olha o Palmeiras, a diretoria que tinha e a que tem, o Flamengo, o Botafogo”, afirma Rosenberg.
Os clubes do Rio também sofreram com sérios problemas administrativos. Eduardo Bandeira de Mello assumiu a presidência do Flamengo com uma dívida de R$ 750 milhões.
O Botafogo não consegue arcar com os salários dos jogadores, e o Vasco sofre com problemas semelhantes. Os fracassos administrativos impulsionam uma discussão: transformar os clubes em empresas seria uma solução?
“A gestão tem que ser empresarial, mas não precisa ser uma empresa. E isso já começou a ser feito. Precisa ter menos política no dia a dia da gestão. O que o Flamengo está fazendo, Palmeiras e Corinthians fizeram lá trás”, diz Erich Beting, especialista em marketing esportivo.
Além da gestão dos clubes, a administração do próprio futebol brasileiro também passa por problemas. Ao contrário de países europeus, o Brasil não tem uma liga de clubes responsável por organizar as competições.
“Isso [fusion_builder_container hundred_percent=”yes” overflow=”visible”][fusion_builder_row][fusion_builder_column type=”1_1″ background_position=”left top” background_color=”” border_size=”” border_color=”” border_style=”solid” spacing=”yes” background_image=”” background_repeat=”no-repeat” padding=”” margin_top=”0px” margin_bottom=”0px” class=”” id=”” animation_type=”” animation_speed=”0.3″ animation_direction=”left” hide_on_mobile=”no” center_content=”no” min_height=”none”][liga] é fundamental, porque aí quem cuida de nós somos nós. O calendário quem faz somos nós, nós é que decidimos”, opina o presidente do Atlético Mineiro, Alexandre Kalil.
Já Luis Paulo Rosenberg, o vice-presidente do Corinthians, discorda. “O problema da liga é que o conflito entre grandes e pequenos seria muito complicado”, afirma.
Ambos concordam, porém, que a gestão do futebol brasileiro precisa passar por mudanças. “Se tiver uma gestão modernizante na CBF, nem precisa de liga. O campeonato é bom, mas o empacotamento ainda é muito ruim”, conclui Rosenberg.
Calendário
Uma crítica que é praticamente unânime entre jogadores, técnicos e cartolas do futebol brasileiro é a que envolve o calendário da temporada. O modelo adotado no país cria uma maratona de jogos, que prejudica a recuperação dos atletas e obriga os times a privilegiarem competições, já que há um cruzamento entre elas ao longo do ano.
Além disso, o calendário brasileiro se choca com o europeu, o que impede que os times daqui realizem amistosos contra os clubes de lá na pré-temporada.
A falta de sintonia também faz com que o Brasil veja seus principais jogadores deixando o país no meio da principal competição nacional por conta da janela de transferências europeia – como foram os casos de Neymar, que trocou o Santos pelo Barcelona, e Paulinho, que deixou o Corinthians e foi para o Tottenham.
“É preciso que a CBF entenda a necessidade dos clubes e adote datas boas, compatíveis com o calendário europeu”, opina o vice-presidente do Corinthians, Luis Paulo Rosenberg.
Para o jornalista especializado em marketing esportivo Erich Beting, outro ponto que pode ser determinante para a baixa média de público nos estádios é o excesso de jogos do calendário brasileiro.
“Aqui são muitos jogos de um time só. O clube joga toda quarta e domingo, aí o torcedor escolhe em qual vai”, afirma Beting. “Na Europa, são 40, 50 jogos de um clube, aqui são 70, 80.”
De fato, o calendário europeu ainda é mais enxuto do que o brasileiro. E, mesmo entre os cartolas, há aqueles que defendem como solução para o problema a simples redução dos estaduais – ou até mesmo o fim deste tipo de competição.
“Aqui você disputa muita coisa. É Mineiro, Libertadores, Brasileiro, Copa do Brasil, Mundial. É muito desgaste. O Estadual tem que acabar, aí dá para se preparar melhor para a temporada”, diz o presidente do Atlético Mineiro, Alexandre Kalil.
O clube sofreu com a maratona de jogos do calendário e fez a opção por poupar atletas para privilegiar a Libertadores – torneio em que se sagrou campeão em 2013.
Com o choque dos torneios, por diversas vezes o Atlético Mineiro entrou em campo só com reservas no Brasileiro e, por conta disso, atualmente está próximo da zona de rebaixamento da competição.
Modelo de Negócio
Terra natal de alguns dos maiores craques de futebol do mundo, o Brasil tem uma tradição histórica no esporte, mas ainda encontra inúmeras dificuldades para administrar as finanças de um negócio que poderia ser muito mais lucrativo.
“Chega uma hora que o torcedor se cansa da paixão não correspondida. O clube tem que fazer com que ele queira toda hora alimentar essa paixão, criando produtos, ações de marketing, etc.”, afirma Erich Beting, jornalista especializado em marketing esportivo.
Os exemplos mais bem-sucedidos de marketing com o futebol ainda vêm da Europa. O Real Madrid, por exemplo, clube mais rico do mundo, faturou no ano passado um total de 512, 6 milhões de euros (mais de R$ 1,5 bilhão), enquanto o Corinthians, time que mais arrecada no Brasil, atingiu apenas R$ 358,5 milhões.
O vice-presidente corintiano Luis Paulo Rosenberg afirma, no entanto, que a tendência é essa grande diferença diminuir ano a ano. Rosenberg comandou o marketing do clube de 2007 a 2011, quando o clube obteve recordes de faturamento.
“Não há nada que impeça o Corinthians de ser o Barcelona daqui a dez anos”, aposta o dirigente, alegando que o aumento do público nos últimos anos, aliado à construção do novo estádio e a outras ações de marketing, pode equiparar o faturamento do clube ao do gigante espanhol – quatro vezes maior do que o do alvinegro no ano passado.
Os clubes brasileiros realmente têm faturado mais a cada ano. A chave para esse salto em arrecadação na última década está justamente em tirar melhor proveito de seus milhões de torcedores.
Se antes, os times nacionais só conseguiam dinheiro com a venda de jogadores, hoje eles conseguem até investir em contratações de peso graças a estratégias de marketing.
“Falam que a grande revolução do Corinthians foi contratar o Ronaldo. Eu discordo. Revolucionária foi a contratação do Pato. Foi a primeira vez que um clube brasileiro foi para o mercado europeu e contratou um jogador que poderia ir para qualquer time do mundo”, diz Rosenberg.
Os clubes brasileiros, no entanto, ainda engatinham quando o assunto é marketing. Dono da segunda maior torcida do Brasil, com quase 30 milhões de fãs, o Corinthians faturou R$ 64,7 milhões com publicidade e patrocínios em 2012, enquanto o Real Madrid somou R$ 577 milhões, e o Barcelona R$ 570 milhões.
Estádios
“Quando o estádio é um pneu deitado, como alguns são, acho que fica difícil o torcedor ir mesmo”. Assim o vice-presidente do Corinthians, Luis Paulo Rosenberg, avalia um dos pontos cruciais para fazer, segundo ele, o futebol brasileiro evoluir: a qualidade dos estádios.
Gramado mal cuidado, banheiros sujos, ausência de cadeiras nas arquibancadas e a falta de visão do campo de jogo em diversos estádios brasileiros são algumas das críticas que tornam a experiência do torcedor que vê uma partida ao vivo algo pouco prazeroso.
E isso se reflete nos números. A média do Brasileiro atualmente (12.983) é a 18ª entre os 20 maiores campeonatos nacionais do planeta. O Brasil tem só três clubes na lista dos 100 times que mais levam torcida ao estádio no mundo – Corinthians, São Paulo e Santa Cruz, todos figurando após a 90ª colocação.
As filas para comprar ingressos e também para entrar no estádio costumam ser reclamações constantes dos torcedores e têm se repetido até mesmo nas novas arenas construídas para a Copa do Mundo, como o Maracanã.
“Os estádios são novos, e os problemas são velhos. O ponto principal é saber como alterar o ambiente em prol do negócio, com organização e respeito ao torcedor”, afirma o consultor de marketing e gestão esportiva Amir Somoggi.
Uma das principais competições de futebol do mundo, a Premier League, também passou por problemas semelhantes no passado. A decadência dos estádios e a presença dos hooligans afastaram muitos torcedores das arquibancadas na Inglaterra e, para combater isso, o país passou a investir na modernização das arenas e na segurança das torcidas, tentando chamar o público de volta.
“A evolução do futebol inglês foi fazer com que o estádio não fosse um lugar só para o fanático, mas sim uma reunião de torcedores em geral. Aqui no Brasil ainda é assim: só quem é tarado por futebol vai”, diz Erich Beting.
A modernização dos estádios brasileiros acabou impulsionada pela Copa do Mundo de 2014. Até lá, o país terá pelo menos 12 arenas no chamado “padrão Fifa” de qualidade. Isso, para alguns cartolas, significará também a mudança do perfil do público no futebol brasileiro.
“Agora que tem estádio decente, estão valorizando o ingresso. Quem vai ao estádio é classe média alta, na Europa é assim e aqui vai ser também. Quem tem dinheiro quer conforto, quer camarote. Não quer gangue de torcida organizada, se tiver violência, ele prefere ir ao teatro”, diz Alexandre Kalil, presidente do Atlético Mineiro.
Apesar dos preços médios elevados para o padrão brasileiro, não há evidência que os estádios europeus sejam frequentados apenas pela classe média alta, como afirma o presidente Kalil.
“Não tem que excluir as organizadas”, discorda Rosenberg, que participa do processo de construção da nova arena do Corinthians. “Eles são parte do espetáculo. E no meu estádio vai ter a geral atrás do gol, sem banco, do jeito que eles gostam, pra pular e gritar.”
Transferências
Toda vez que surge uma nova promessa no futebol brasileiro, surgem com ela as especulações do mercado europeu. E aí é uma questão de (pouco) tempo para o craque dar adeus ao país e brilhar no Velho Continente.
O roteiro é tão comum que já virou regra. Todo garoto de 17 anos sonha em se destacar no profissional para um dia ir jogar na Europa. Foi assim com Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho e, mais recentemente, com Neymar. E é provável que, se nada mudar, será do mesmo jeito com os novos talentos que estão para surgir.
É verdade que Neymar encantou o futebol brasileiro por mais tempo do que o de costume. A transferência do craque santista já começou a ser especulada em 2010. O Santos segurou o jogador, até que a transferência se tornou praticamente inevitável em 2013. Após jogar apenas uma partida pelo Brasileiro, acabou indo para o Barcelona.
“Há uma distância muito grande entre o futebol aqui e na Europa. Um craque como o Neymar olha os campeonatos europeus e olha o Campeonato Paulista, em que campeonato ele vai querer jogar?”, questiona o especialista em marketing esportivo Erich Beting.
“É inconcebível não querer ir para lá”, acrescenta. “Só quando diminuir essa diferença a gente vai conseguir reter esses jogadores.”
A situação, porém, já foi pior para o futebol brasileiro, que hoje ao menos consegue exigir mais dinheiro pelos seus maiores talentos e até atrai alguns atletas renomados para o país, como foram os casos de Seedorf, no Botafogo, Forlán, no Inter, e o próprio Ronaldinho Gaúcho, no Atlético Mineiro.
“Antes eles vinham e tiravam jogador de forma fácil. Agora nós estamos comprando jogador. Se meu time é mais rico, eu não vou vender meu jogador por qualquer preço”, diz Alexandre Kalil, presidente do Atlético.
Mas o grande desafio para conseguir reter os talentos e atrair nomes de ponta está justamente na gestão dos clubes, na opinião do vice-presidente e ex-diretor de de marketing do Corinthians, Luis Paulo Rosenberg.
“Quanto antes a gente se profissionalizar, mais competitivo a gente vai ficar no mercado de jogadores. Claro que eu prefiro ter o Neymar aqui, mas em compensação eu gero uma riqueza que eu posso produzir muitos mais ‘Neymares’. Estamos evoluindo e, quem sabe em cinco anos, a gente estará equilibrado com a Europa?”, avalia.
Fonte: BBC Brasil[/fusion_builder_column][/fusion_builder_row][/fusion_builder_container]