Caso Lusa: tivemos “virada de mesa”?

Muito se falou; muito se atacou; muito se assacou a imagem do STJD nos últimos dias por conta da denúncia da Procuradoria contra a Portuguesa de Desportos pela escalação irregular de atleta na última partida do Campeonato Brasileiro de 2013. Como a punição redundaria, e de fato redundou, na perda de 04 (quatro) pontos e, consequentemente, o rebaixamento da Lusa, de lá para cá grande parte da imprensa, inclusive formada por respeitáveis jornalistas, declamou aos quatro ventos que o Campeonato foi decidido no “tapetão” ou que o“STJD rebaixou a Portuguesa”, tudo dentro da perspectiva de uma hipotética “virada de mesa”, com alusões escancaradas a fatos passados que absolutamente nada tem a ver com o julgamento realizado ontem.

O que houve, entretanto e sem medo de errar, foiexatamente o contrário do que tanto se proclamou:não houve “virada de mesa”! Acaso o Tribunal se comportasse como queria (impor) grande parte da imprensa nacional, que tanto influenciou a opinião pública que conseguiu obnubilar a conduta lídima do julgamento, estar-se-ia exatamente provocando a tal “virada de mesa”, já que não se estaria fazendo cumprir o regulamento da competição e uma decisão da Justiça Desportiva que suspendeu o atleta dias antes do jogo, expondo a credibilidade do STJD à de uma Corte casuística ou que julga tendo em mira o “humor” ou “sentimento” da opinião pública, capitaneada pela imprensa.

Virada de mesa, na acepção lata, atual e vinculada especificamente ao esporte, ocorre quando há “qualquer mudança de regras provocada por interesses circunstanciais ou casuísticos, buscando favorecer alguém em detrimento de outrem”. Issonão houve no chamado “caso Lusa”! Não alteraram a regra do jogo, o regulamento da competição ou interpretaram norma do CBJD de modo equivocado!Nada disso existiu! O Tribunal simplesmenteprestigiou o regulamento e as normas disciplinares tipificadas! Agora paga o preço porisso, quando, ao revés, deveria estar sendo respeitado por sua independência!

Se julgasse diferentemente estaria, aí sim, mudando regras por interesses circunstanciais e casuísticos, ou seja, para evitar o rebaixamento da Portuguesa, que não ocorreu por decisão da Justiça Desportiva, mas por atitude equivocada e a negligência dos seusdirigentes, que, amadoristicamente, permitiram a escalação de atleta irregular e cuja sanção, para o tipo disciplinar, não comportava outra senão aquela aplicada pelo Tribunal, nos exatos termos do art. 214, caput e §1º, do CBJD.

O que a imprensa queria era criar uma “tipicidade atípica” para considerar, onde a lei não o faz, ahipotética inexistência de prejuízo para aquela partida, olvidando verificar que prejuízo maior haveria para a LISURA do campeonato e da própria competição se as regras PREVIAMENTE ESTABELECIDAS e de PLENO E ABSOLUTO CONHECIMENTO dos participantes, inclusive dirigentes da Portuguesa, que a cumpriram até aquela fatídica rodada, fossem solenemente descartadas!

Um Tribunal sério não teme ou se deixa influenciar pela imprensa ou a opinião pública! Do mesmo modo que somos favoráveis à liberdade da imprensa para dizer e escrever o que quiser, inclusive notícias e/ou opiniões equivocadas, deve-se exigir dela, no mínimo, o respeito a quem não concorda com sua posição, principalmente quando o fazem com embasamento teórico e jurídico, como fizeram os auditores que julgaram o caso!

Não se faz esporte PROFISSIONAL, sem profissionalismo! Não se faz esporte PROFISSIONAL, condicionando a aplicação da regra ao status do Clube eventualmente denunciado(se pequeno, médio ou grande)! Não se faz esporte PROFISSIONAL sem o respeito IRRESTRITO às regras do jogo, regulamento da competição e normas disciplinares, porque o que se quer em se tratando de esporte PROFISSIONAL é exatamente o contrário, isto é: o mínimo, ou, nenhum subjetivismo e casuísmo influenciando o julgamento!

Viradas de mesa ocorreram no passado! É fato! Todavia, não vejo espaço para isso no atual cenário do futebol brasileiro, onde recentemente caíram Clubes do porte do Corinthians, Palmeiras, Atlético Mineiro e, este ano, o Vasco da Gama, todos campeões brasileiros. O julgamento da Lusa foi correto; lamenta-se por sua apaixonada torcida, que agora paga pela incúria de seus dirigentes (a quem deveriam cobrar a fatura, evidentemente, de modo inteligente e educado), estes que agora se apegam na “onda” criada na imprensa e na farsa de que “foi sem querer”, ou de que “não houve prejuízo”, para mascarar a irresponsabilidade e amadorismo!

Felizmente, para o bem do esporte, o STJD, ao menos em sua primeira instância, não se deixou levar pela alegação de que o julgamento teria que serdiferente porque beneficiaria o Fluminense, revelando-se imoral. Exatamente a tão buscada moralidade do futebol e da aplicação das regrasexplica o julgamento, independentemente de quem esteja sendo julgado ou, eventualmente, dos benefícios que indiretamente trará a outros Clubes.

Tenho certeza que este exemplo servirá de marco positivo no futuro (precedente a ser respeitado); e mesmo aqueles que hoje achincalham o Tribunal de maneira totalmente injusta, ao meu sentir, verificarão a importância deste julgamento quemantém uma jurisprudência firme em favor do respeito às regras desportivas!

É chegada a hora de acabar com esse “complexo de vira latas” e isso é verificado, s.m.j., na alusão que a imprensa faz à Portuguesa como time de menor expressão (o que não considero verdadeiro, porque certamente está entre os 20 maiores) e que por isso foi punida, ou ao revés, que a denúncia só ocorreu porque beneficiaria o Fluminense, livrando-o do rebaixamento. Este complexo de inferioridade tem de acabar, diferentemente do respeito à legalidadeque deve ser mantido sem mirar a posição que o Clube ocupa no ranking, como querem alguns,apenas para justificar uma absolvição ou a fixação de outra sanção “contra legem”, a quem flagrantemente descumpriu o regulamento.

Nelson Rodrigues já dizia com propriedade: “o brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a verdade: não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a autoestima“.

 

Cristiano Augusto Rodrigues Possídio –Advogado em Salvador/BA. Sócio Fundador do IDDBA – INSTITUTO DE DIREITO DESPORTIVO DA BAHIA. Mestrando em Direito Desportivo pela INEFC – LLEIDA/ESPANHA.

 

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