Gustavo Lopes Pires de Souza
O Campeonato Brasileiro já acabou faz tempo, 2014 bate à porta e ainda não podemos afirmar com segurança quais serão os 20 clubes que disputarão o principal campeonato do país que sediará a Copa do Mundo. Isso se deve a um imbróglio jusdesportivo envolvendo a Portuguesa de Desportos, um atleta irregular e o Fluminense.
Na última semana o pleno do STJD julgou o caso em grau de recurso, manteve a decisão da Comissão Disciplinar punindo a Portuguesa e, por consequência, rebaixando-a à Série B.
O STJD decidiu em consonância com julgamentos realizados em casos análogos, ou seja, para os operadores e estudiosos do Direito Desportivo não houve supresa alguma.
Desde que se aventou a possibilidade de punição da Portuguesa, as redes sociais, imprensa e debates acalouraram-se e muitas análises foram feitas, especialmente, por juristas e/ou pessoas não atuantes ou sem especialidade na área desportiva. Estas opiniões, em sua maioriam, no sentido de não se punir a Lusa.
Doutro giro, os profissionais atuantes na Justiça Desportiva (alguns, inclusive, por meio de um manifesto) foram quase unísonos no sentido de que a Portuguesa deveria ser punida.
Talvez ainda não tenhamos nos dado conta, mas o “caso Portuguesa” é emblemático e o Direito Desportivo nunca mais será o mesmo.
O primeiro grande legado dessa história foi trazer o Direito Desportivo para as grandes rodas de debates doutrinários. Grandes juristas de outros ramos como Ives Gandra e Mário Lúcio Quintão entraram no debate e apresentaram visões juridicamente interessantes e coerentes. Isso sem contar em dezenas de teses apresentadas.
Enfim, o Direito Desportivo entrou no circuito dos grandes debates jurídicos. Um momento fantástico e típico dos grandes ramos do direito.
Apesar de ser um ramo autônomo, o Direito Desportivo, tal como todo e qualquer ramo do direito, não pode ser analisado de forma compartimentada, sem se levar em consideração o contexto jurídico, histórico e circunstâncial.
Aliás, é da natureza do direito a mudança de interpretações e posicionamentos diante de um mesmo texto legal. Esta dinamicidade é que assegura direitos aos casais homoafetivos, por exemplo. Ademais, se entendermos o direito como algo objetivo e matemático não precisaremos mais de advogados ou juízes, bastarão máquinas para aplicar a letra fria ao caso concreto.
Se de um lado o artigo 217 da CR/88 garante a autonomia da Justiça Desportiva, o artigo 5 assegura o acesso ao Judiciário.
Se de um lado há o direito de acesso ao Judiciário da Portuguesa, de outro há o a liberdade de se fazer o que a lei não proíbe, ou seja, o direito da CBF desfiliar a Lusa.
E para apimentar ainda mais todo este debate jurídico, temos o Estatuto do Torcedor que garante a qualquer pessoa que acompanhe a prática desportiva o direito de pleitear em Juízo violação aos seus direitos de consumidor do evento esportivo.
O caminho do Estatuto do Torcedor talvez seja o mais fértil, pois, eventual rebaixamento do Fluminense ou mudança na forma de disputa do Campeonato Brasileiro encontram dispositivos legais a embasar uma demanda judicial, já que a Lei do Consumidor exige critérios exclusivamente técnicos para descenso, bem como as fórmulas de disputa não podem ser livremente alteradas.
Isso, ainda, sem levar em consideração a possibilidade de recurso ao Tribunal Arbitral do Esporte e a aplicação das normas da FIFA que estabelecem a punição de perda de pontos para a competição seguinte.
O fato é que a Justiça Desportiva ocupa um “limbo” jurídico, eis que, apesar a previsão constitucional, sua natureza jurídica é incerta, pois não faz parte do Poder Judiciário e não é um Juízo Arbitral.
Caso se entenda a Justiça Desportiva como um Juízo Arbitral, o Poder Judiciário não poderia interferir no mérito de sua decisão, mas, tão somente em questões formais.
De certo, foi o que pretendeu o legislador na redação do parágrafo 2, do art. 52, da Lei Pelé ao dipor que o recurso ao Poder Judiciário não prejudicará os efeitos desportivos validamente produzidos em conseqüência da decisão proferida pelos Tribunais de Justiça Desportiva. Mas, a redação não é clara.
Assim, certamente, ou a Portuguesa, ou algum torcedor indignado acionará o Poder Judiciário e a decisão proferida pelo pleno do STJD pode sofrer imprevisíveis alterações.
De toda forma, o fato é que estamos construindo a história do direito desportivo e as opiniões interdisciplinares são hábeis a promover um arejamento saudável a este ramo do direito, bem como elevá-lo ao estatus que realmente merece ocupar.
Não podemos esquecer que o direito é composto por um conjunto sistêmico e complexo de normas e que alguns princípios norteadores podem ser aplicados e que o Direito Desportivo faz parte disso. Que, independente do resultado, o “caso Portuguesa” traga mais visibilidade e respeito a este ramo tão importante do Direito.