Primeiras decisões dos processos de “torcedores da Portuguesa”

Por Gustavo Normanton Delbin

É de conhecimento de todos que “torcedores” têm movimentado o Poder Judiciário visando modificar o resultado da Justiça Desportiva no processo em que a equipe da Portuguesa foi punida em quatro pontos, ocorrendo, a partir daí seu rebaixamento.

Alguns desses processos já tem decisões de primeiro grau, conforme pesquisa no site do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

 

Abaixo seguem cinco ações, com números de processo, o foro e as decisões de primeiro grau:

 

Processo nº. 0000031-11.2014.8.26.0008 1ª Vara do Juizado Especial Cível – Foro Regional VIII – Tatuapé.

“Vistos. Indefiro a antecipação da tutela. Em tese, o Estatuto do Torcedor e o Código Brasileiro de Justiça Desportiva regulam relações jurídicas diversas. Com efeito, o primeiro disciplina os direitos do torcedor e o segundo regula a Justiça Desportiva e os procedimentos a ela inerentes. Não há portanto, em princípio, hierarquia entre estas duas normas que justifique a declaração de ilegalidade da segunda com fundamento na primeira. Há ainda que se considerar que o clube para o qual o autor torce estava devidamente representado na sessão de julgamento em que foi proferida a decisão de punição do atleta envolvido. Logo, em tese, não há verossimilhança na alegação do autor que justifique a antecipação dos efeitos da tutela. Considerando-se a improbabilidade de acordo e que a causa refere-se exclusivamente a matéria de direito, dispenso a realização de audiências de conciliação e de instrução e julgamento. Cite-se e intime-se a ré para que apresente contestação, no prazo de 15 dias. Após, tornem conclusos”.

 

Processo nº. 0000017-39.2014.8.26.0004. 1ª Vara do Juizado Especial Cível – Foro Regional IV – Lapa

“Vistos.

Dispensado o relatório. Decido. É o caso de extinção desta ação, porque nao respeitado o disposto no artigo 217, parágrafo 1º, da Constituição Federal, que exige que a questão em tese já tenha sido decidida pela Justiça Desportiva, o que ainda nao ocorreu neste caso, já que o autor ingressou diretamente perante este Juizado. Ante o exposto, julgo extinto o processo nos termos do artigo 267, inciso VI, do CPC. Sem custas na forma da lei. P.R.I.C.”

 

Processo nº. 0000066-76.2014.8.26.0361. Vara do Juizado Especial Cível e Criminal – Foro de Mogi das Cruzes

“Vistos. 1. Trata-se de ação com pedido liminar para suspensão do resultado do julgamento do STJD desfavorável à Associação Portuguesa de Desportos. 2. O autor deve emendar a inicial para adequar o pedido à causa de pedir. Com efeito, o pedido de suspensão dos efeitos do acórdão do STJD não é cabível, pois deveria ser formulado, se o caso, pela própria Associação Portuguesa de Desportos, a Portuguesa. O clube possui óbvio interesse de agir para tanto. É fato que o torcedor possui diversos direitos previstos pelo Estatuto do Torcedor, tais como o de divulgação da renda obtida pelo pagamento de ingressos, dentre tantos outros. E é claro que, eventualmente, a violação a esses direitos poderá gerar ao torcedor até mesmo eventual reparação contra o clube ou entidade responsável por tal dano. Feita a ressalva, contudo, a Lei n. 10.671/03 não retira a legitimidade e o interesse de agir do clube eventualmente punido para pedir a anulação de decisões que lhe forem contrárias. A lei é de ser interpretada de forma razoável e sistêmica. No caso, o interesse de agir quanto à suspensão de decisão que lhe seja contrária, bem como a manutenção na série “A”, é da Lusa. Compete a ela, Portuguesa, titular dos direitos e deveres pertinentes ao clube, defender seus interesses e de seus torcedores, por meio da atuação de seus dirigentes, regularmente eleitos para exercerem tais funções. Daí não há necessidade para que outro torcedor, aliás, de outro time de futebol que não a Portuguesa (fl. 24), pleiteie, em seu próprio nome, direito alheio. Compete, sim, ao Clube, tomar as decisões cabíveis ao caso concreto, sempre em nome e em defesa de seus torcedores. Por fim, eventual omissão de seus respectivos dirigentes geraria ao Clube eventual reparação a seus próprios torcedores, o que afasta, também por esse ângulo, o interesse de agir do autor ao provimento pleiteado. 3. No caso, portanto, conforme item 1 desta decisão, o autor poderá emendar a inicial e adequar seu pedido à causa de pedir deduzida. Prazo: 10 dias; pena de indeferimento da inicial. Int.”

 

Processo nº. 1000009-59.2014.8.26.0161 – Vara do Juizado Especial Cível – Foro de Diadema

“Vistos. Relatório dispensado, nos termos do art. 38, da lei 9.099/95.

DECIDO. Segundo se observa dos termos da petição inicial, o autor objetiva, em síntese, através da presente ação anulatória, discutir decisão do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) e da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) que impôs à Associação Portuguesa de Desportos a perda de quatro pontos no quadro geral do Campeonato Brasileiro de Futebol do ano de 2013.

Tal pretensão, todavia, somente pode ser articulada pela Associação Portuguesa de Desportos, não possuindo o autor legitimidade ativa, mesmo em face do Estatuto do Torcedor (lei 10.671/03). Nesse sentido, em situação análoga, já decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo, in verbis:

ESTATUTO DO TORCEDOR. Ação anulatória de deliberação do STJD da Confederação Brasileira de Futebol acerca da validade de partidas com suspeita de manipulação de arbitragem. Demanda proposta por torcedor individualmente. Descabimento. Indeferimento da petição inicial por ilegitimidade ad causam ativa. Apelação do autor desprovida (TJSP, apelação nº 9.137.928.-30.8.26.0000, voto 2.362)

Na fundamentação do referido acórdão, o eminente desembargador relator, Fábio Tabosa, ao tecer considerações sobre a legitimidade e aplicação da lei 10.671/03, afirma que “não têm os torcedores pessoalmente, contudo, legitimidade para a discussão das deliberações administrativas dos órgãos internos das entidades responsáveis pela organização dos certames, o que, aliás, é intuitivo e condição mínima de viabilização das competições, considerando os milhões de interessados espalhados pelo território nacional que poderiam se arvorar no direito de interferir em cada um dessas decisões (pense-se, por exemplo, nas situações relativas a deliberações sobre suspensão de jogadores, ou retirada de pontos de determinada equipe a título de punição, dentro outras inúmeras possibilidades). Não chega, enfim, e nem poderia chegar, a tal ponto a tutela protetiva do Estatuto do Torcedor que, como bem apontado pela MM Juíza sentenciante, define direitos individuais passíveis de invocação pessoal pelos torcedores quanto a aspectos que os afetem diretamente, como segurança nos estádios, venda de ingressos, etc”.

Entendimento contrário possibilitaria ao torcedor pleiteiar, em nome proprio, direito alheio, o que é, em regra, vedado.

Por tais razões, ante a ausência de legitimidade ativa, o autor é carecedor da ação, sendo de rigor o decreto extintivo.

Diante do exposto, INDEFIRO a petição inicial e, em consequência, com fundamento no art. 267, inciso VI, combinado com o art. 295, ambos do Código de Processo Civil, JULGO EXTINTO o processo sem julgamento do mérito.

Deixo de condenar o autor nas custas processuais e nos honorários advocatícios, ante o que dispõe a lei 9.099/95.

O valor do preparo, na hipótese de recurso, é R$ 201,40.”

 

 

VARA DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL – – Cotia-SP – – Processo nº: 0000059-32.2014.8.26.0152

Vistos. Relatório dispensado, nos termos do art. 38, caput da Lei 9.099/95. DECIDO. A inicial merece ser indeferida. Com efeito, pretende a parte autora ver desconstituída decisão proferida por órgão administrativo (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) que anulou um dos jogos do Campeonato Brasileiro de Futebol culminando com o rebaixamento do clube Portuguesa de Desportos. Inicialmente, observa-se que, consoante notícias veiculadas na imprensa, houve comoção social (se fundada ou não é indiferente no presente caso, mas em geral as massas não tem vontade própria) em razão do rebaixamento do clube anteriormente citado, sendo deflagrada verdadeira campanha para que se contestasse, perante o Poder Judiciário, o resultado da decisão do órgão esportivo e, consequentemente, se modificasse o resultado do campeonato. Assim, inclusive, foi disponibilizado em sítio na internet modelo de ação para este desiderato. Nesse primeiro momento, é prudente informar que o sucesso ou insucesso de uma determinada pretensão independe da quantidade de ações ajuizadas, em especial quando versam o mesmo tema. É que o ingresso inconsequente e desenfreado de demandas assim ocasionará, no mínimo, a redistribuição das demandas posteriormente ajuizadas ao primeiro órgão judiciário que determinou a citação, uma vez que há inescondível conexão, o que impõe a união dos processos, nos termos do art. 105 do Código de Processo Civil. Ou seja, os torcedores que ingressarem com outras demandas ao invés de contribuir para a rápida resposta ao pleito estarão agindo de modo inverso, pois a conexão acarretará atravancamento da marcha e tumulto processual. Talvez o que se busque com demandas deste tipo seja, na verdade, os conhecidos quinze minutos de fama. Feita esta breve digressão, tem-se que é patente a ilegitimidade da parte autora que é, portanto, carecedora de ação. É que inexiste entre a parte autora e a requerida relação de consumo. A Confederação Brasileira de Futebol é uma entidade privada responsável pelas competições esportivas relacionadas ao futebol, detendo relação jurídica apenas com seus clubes associados que podem ou não participar das ditas competições, estando, no entanto, sujeitos ao regulamento respectivo que assume verdadeiro caráter contratual. Os torcedores consomem produtos relacionados às competições como os ingressos para os jogos, as camisas dos clubes, os jogos em televisão paga, dentre outros. Mas nesses casos, ressalvada a questão atinente aos ingressos que é estranha aos presentes autos, a relação jurídica, de consumo, verdade, é travada diretamente com as empresas que fornecem os produtos e serviços e não com a requerida. Não tendo a parte autora deduzido pretensão relativa à obtenção de ingressos ou a fato ocorrido em jogo no qual esteve presente no estádio, inviável o reconhecimento de qualquer tipo de relação de consumo, observados os fatos e fundamentos jurídicos contidos na exordial. Por outro lado, a ausência de legitimidade ativa da parte autora não é superada pela invocação da Lei 10.671/03, norma cuja ementa a nomina como Estatuto do Torcedor. Referido diploma legal conceitua a condição jurídica de torcedor, mas em momento algum confere a este o direito subjetivo de impugnar diretamente os resultados dos jogos e de decisões advindas de órgãos administrativos nominados incorretamente (pelo constituinte originário) de Justiça desportiva. Não se está a afirmar que tanto os jogos como as decisões da Justiça desportiva estejam imunes à sindicabilidade judicial, uma vez que adotado entre nós o sistema inglês ou de jurisdição uma. O que se afirma é que a impugnação em casos tais deve ser levada a efeito pelos próprios clubes de futebol, que detem personalidade jurídica própria, únicos a suportarem prejuízo jurídico e econômico em hipóteses de ilegalidade. Em termos claros é possível resumir o que ocorre nas competições esportivas relacionadas ao futebol: 1) os clubes mantém relação jurídica (privada) direta com a Confederação Brasileira de Futebol, submetendo-se, por imperativo constitucional (art. 217, §1º da Constituição Federal), ao esgotamento das instâncias da justiça desportiva antes de buscar o Poder Judiciário; 2) os torcedores travam relação direta com a Confederação Brasileira de Futebol apenas e tão somente quando adquirem ingressos para os jogos e, nestas circunstâncias, apenas detém eventual pretensão em face daquela entidade quanto a fatos relacionados aos jogos nos quais estiveram presentes (nesses casos a pretensão se acha abrangida pelo Código de Defesa do Consumidor e não pode abranger a competição em si); 3) os torcedores mantem relação jurídica direta com as empresas fornecedoras de produtos e serviços relacionados com as competições organizadas pela Confederação Brasileira de Futebol. A condição de torcedor (e de consumidor) autoriza o ingresso de demanda diretamente pelo titular apenas nas situações descritas nos números 2 e 3 supra. Já a anulação de decisões dos órgãos da justiça desportiva e de partidas ou resultados de campeonatos, situação inserida no número 1 supra, somente pode ser buscada pelos clubes participantes do campeonato, jamais pelos torcedores, como neste caso. Assim, não tendo participação na relação jurídica de direito material, não pode a parte requerente figurar no pólo ativo da presente demanda, sendo impositivo o reconhecimento da carência de ação. Sobre o assunto, cumpre trazer à baila o escólio de COSTA MACHADO: “(…) Detenhamo-nos no conceito de legitimatio ad causam, a primeira das condições da ação. A condição da ação legitimidade ou legitimação pode ser conceituada genericamente como a ‘pertinência subjetiva da ação’, no dizer de Alfredo Buzaid, ou, ainda, a condição da ação que concerne a sua titularidade, no sentir de José Frederico Marques. Bastante elucidativo é o conceito de Barbosa Moreira, que ressalta com propriedade a adequação que deve existir entre a situação litigiosa narrada, deduzida em juízo, e a ‘situação legitimante’ abstratamente prevista. Segundo esse autor, legitimação ad causam é a ‘coincidência entre a situação jurídica de uma pessoa, tal como resulta da postulação formulada perante o órgão judicial e a situação legitimante prevista na lei para a posição processual que essa pessoa atribui, ou que ela mesma pretende assumir’ (‘Apontamentos para um estudo sistemático da legitimação extraordinária’, RT 404/9 e seg.).” É preciso reiterar, para que se evite alegação de leviandades midiáticas, como é comezinho em nosso País: A DECISÃO DA JUSTIÇA DESPORTIVA E O RESULTADO DO CAMPEONATO PODEM, SIM, SER DISCUTIDOS NO ÂMBITO DO PODER JUDICIÁRIO, MAS APENAS E TÃO SOMENTE EM AÇÕES AJUIZADAS PELOS CLUBES DE FUTEBOL PREJUDICADOS QUE, ATÉ O PRESENTE MOMENTO, SE CONFORMARAM COM O OCORRIDO. É inarredável, pois, a extinção anômala da demanda. Posto isso, julgo INDEFIRO a petição inicial e julgo EXTINTO o processo sem resolução de mérito, nos termos dos art. 267, I e VI e 295, II, do Código de Processo Civil. Eventual recurso deverá ser interposto por advogado no prazo de dez dias, contados da ciência da sentença, acompanhado das razões e do pedido do recorrente, que deverá efetuar, nas quarenta e oito seguintes à interposição, o preparo do recurso, consistente no pagamento de todas as despesas processuais, inclusive aquelas dispensadas em primeiro grau de jurisdição, na forma dos artigos 42, §1º e 54, parágrafo único, da Lei nº 9.099/95. (despesas postais com citação e intimação; despesas de diligências dos Oficiais de Justiça; taxa judiciária equivalente a 1% do valor da causa somado a 2% do valor fixado na sentença, observado o valor mínimo de 5 UFESPs, na forma do artigo 2º, parágrafo único, III e IX, e artigo 4º I, II e §1º, da Lei Estadual nº 11.608/03, etc.). Oportunamente, arquivem-se os autos. P.R.I.”

Continuarei acompanhando e  divulgando.

 

 

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *