A importância de conhecer o público

Por Guilherme Costa

Nos últimos anos, canais de TV e salas de cinema do Brasil têm vivenciado uma explosão do número de filmes dublados. Licença para uma constatação extremamente pessoal: eu detesto filmes dublados. Em uma ocasião eu cheguei a procurar a administração de um cinema para reclamar sobre o altíssimo número de atrações assim. “É resultado de pesquisa. A maioria prefere assim”, respondeu o rapaz que trabalhava na empresa.

Continuo achando que filmes dublados são detestáveis. Continuo desistindo de frequentar qualquer sessão ou ver qualquer atração na TV se não há opção de áudio original. Mas desde a resposta do funcionário do cinema eu não discuto mais a opção.

A questão é que a rede de cinemas se esforçou para entender o que o público dela prefere. Ela não deixou de oferecer filmes com áudio original, mas aumentou a incidência de atrações dubladas porque identificou que há mais pessoas que consomem assim.

Corto para o futebol. No último sábado, o Maracanã foi palco de um Fla x Flu válido pelo Estadual do Rio de Janeiro. Um jogo com várias atrações, a começar pela rivalidade acirrada pelo desfecho do Campeonato Brasileiro de 2013 – o Flamengo e a Portuguesa foram punidos pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), perderam quatro pontos e evitaram o rebaixamento do Fluminense.

Os ingressos para o jogo de sábado oscilaram entre R$ 100 e R$ 300. Havia opções mais baratas para quem é sócio-torcedor e havia a possibilidade da meia-entrada, é verdade, mas esse era o intervalo para as “pessoas comuns”.

A diretoria do Fluminense chegou a abrir negociação para reduzir os preços. A possibilidade foi rechaçada pela cúpula do Flamengo, mandante do clássico de sábado. Resultado: pouco mais de 15 mil pagantes no Maracanã.

E qual é a relação entre os filmes dublados e os ingressos de R$ 100? Ao contrário do cinema, o futebol não tenta entender qual é o perfil de público que frequenta estádios. Tampouco busca informações sobre as pessoas que pretende atrair.

Ingressos que oscilam de R$ 100 a R$ 300 levam a um estádio um público muito diferente das pessoas que iriam se as entradas estivessem em uma faixa de preço mais baixa. A mudança no poder aquisitivo carrega uma mudança profunda no perfil e no repertório desses consumidores – infelizmente, diga-se.

Um cidadão que decidiu levar a família ao estádio, por exemplo, desembolsou R$ 300 ou R$ 400 apenas com ingressos. Ainda há os custos de alimentação, transporte e conveniências (estacionamento ou “flanelinha”, por exemplo). É um programa que passa facilmente a casa dos R$ 500.

Agora, alguém já se preocupou com o tipo de espetáculo que esse perfil de gente quer ver? Alguém já quis saber qual é o tipo de comida que essas pessoas gostariam de ter em um estádio? E que tipo de produto elas consumiriam?

Alguns clubes de futebol no Brasil trabalham com conceitos de lojas móveis e levam produtos oficiais para todos os jogos. Mas essas lojas levam o mesmo portfólio para qualquer região e qualquer perfil de público.

E a promoção, então? Não há como promover um evento sem saber que tipo de gente você quer levar. Os canais e as estratégias são necessariamente afetados por esses dados.

Notem que aqui não há uma discussão sobre o que representa essa precificação do clássico. É algo diferente, que pode ser abordado em outro momento. A questão é simplesmente conhecer quais são as pessoas que frequentam um jogo de futebol e oferecer um produto condizente com o que elas esperam.

O cinema apostou em filmes dublados porque identificou que essa era a vontade de um grupo de consumidores que as grandes redes queriam atrair. Todo o restante da experiência é moldado por esse perfil.

O futebol, em contrapartida, oferece uma experiência padronizada, sem personalidade. Há o mundo dos camarotes, é verdade, mas essa seara é usada no esporte muito mais para relacionamento do que para venda direta.

Entre as pessoas comuns, não há qualquer estratégia direcionada. Isso vale para antes, durante e depois dos eventos.

Sem isso, é impossível fazer uma promoção adequada de qualquer evento. E sem uma promoção adequada, é impossível aumentar a quantidade de pessoas que vão ao estádio. E sem mais pessoas, é impossível aumentar as receitas geradas no dia da partida (restaurantes, lojas oficiais e outras fontes).

Ainda que de forma incipiente, o futebol brasileiro tem várias iniciativas voltadas a conhecer mais o público. Os planos de sócios das principais equipes do país são atrelados a pesquisas e criação de banco de dados, por exemplo. No entanto, isso ainda não serviu para ocasionar nenhuma mudança profunda na estrutura de evento.

Sabe o tal “padrão Fifa”? Ele existe, entre outras coisas, porque a entidade quer atrair aos estádios um determinado padrão de pessoas. A instituição quer gente com poder de consumo porque isso tem um valor maior para patrocinadores, parceiros e licenciadores das marcas.

E no futebol brasileiro, qual é o padrão? O do clássico do Rio de Janeiro ou o que foi apresentado às 32 pessoas que foram assistir a Ituano x Oeste, válido pelo Campeonato Paulista, realizado em Catanduva?

Já passou da hora de o futebol brasileiro entender que eventos genéricos estão mortos. É fundamental conhecer as pessoas que frequentam os jogos. É fundamental entender como se aproximar mais delas e em que pontos os clubes podem ganhar com isso.

Sem esse entendimento, qualquer discussão sobre preço é inócua. É claro que os ingressos para o clássico do Rio de Janeiro estavam fora da realidade de preços da população brasileira, mas esse não é o pior da história. Se os altos preços fossem fruto de estratégia para atrair um determinado público, menos mal.

O maior problema não é simplesmente o preço. O problema é determiná-lo por simples lei de oferta e procura, sem pensar no que isso acarreta.

 

Fonte: Universidade do Futebol

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