Bonde errado? Fundo de investimentos pode turbinar a dívida dos clubes

Nova fórmula de investimento da Doyen, o fundo por trás da transferência de Leandro Damião, muda as regras do jogo e pode ser devastadora para os clubes brasileiros

 

Pode não parecer, mas a transferência de Leandro Damião do Inter para o Santos, a mais cara da história entre clubes brasileiros, por 13 milhões de euros, muda as regras do jogo no futebol brasileiro. De várias maneiras.

A Doyen Sports, fundo britânico que bancou a transferência, bolou uma fórmula na qual ela mais se parece com um banco do que com um agente de atletas. O Santos, antes vitrine de jogadores de terceiros, assumiu um risco financeiro que pode ser devastador em médio prazo. E Damião pode trilhar o caminho de Radamel Falcao e jogar em times europeus menos expressivos por influência do fundo.

A empresa, embora britânica, está situada na Ilha de Malta, considerada pela Receita Federal um regime fiscal privilegiado idêntico ao da Suíça. “Nosso departamento jurídico entendeu que é a jurisdição que mais bem preserva os interesses da Doyen e também dos parceiros da empresa, sejam investidores, sejam clubes. Malta não é um paraíso fiscal. Trata-se de jurisdição de baixa tributação. É um local perfeito para a fixação de empresas por causa dos acordos de dupla tributação”, afirma Jose Felix Diaz, porta-voz da Doyen Sports na Europa.

O fundo esteve inscrito no mesmo endereço que uma empresa de apostas esportivas e teve, também, o mesmo diretor, Claudio Tonolla. O motivo é a Credence, uma sociedade especializada em incorporação de empresas e assessoria fiscal. “Em Malta, a empresa que nos prestou esse serviço foi a Credence, que tem Tonolla como diretor. A Doyen Sports, em sua fase embrionária, foi incorporada por ele e registrada temporariamente no endereço da Credence, algo normal nessa situação, mas a sede da Doyen está em outra localização, como é público, e não existe qualquer tipo de ligação entre Doyen, Tonolla e as outras empresas”, defende Diaz.

Para sacar a influência da Doyen nas transações envolvendo jogadores, é preciso antes entender como funcionam as transferências de atletas. Digamos que Alejo, um jovem e talentoso jogador fictício, joga em um pequeno time do interior do país. Um fundo de investimentos o coloca para jogar no Flamengo, que passa a ser dono de seus direitos federativos. Mas eles não valem nenhum centavo. O que realmente movimenta dinheiro é a multa de 100 milhões de reais deste contrato, os direitos econômicos, que passam a pertencer 90% ao fundo e 10% ao próprio atleta. Enquanto Alejo jogar no Flamengo, quem paga seus salários é o clube, e o fundo não recebe nada. Um europeu aparece, paga os 100 milhões de reais e o contrata. Os cariocas não ganham nada, e o fundo fica com 90 milhões. Na Europa, investidores têm porcentagens dos direitos de 1100 jogadores, segundo a consultoria KPMG. São 36% dos contratos em Portugal, 8% na Espanha e 90% dos jogadores da elite do Brasil.

A Fifa ainda não se mexeu, mas a Uefa já avisou que, se nada acontecer, ela mesma vai proibir que empresários sejam donos de direitos econômicos de atletas. Muitos entendem que, primeiro, esses contratos tornam os atletas “escravos” desses fundos de investimento e, segundo, pode haver manipulação de resultados. Se uma empresa é dona dos direitos de jogadores dos dois lados do campo, pode ser que ela facilite a vitória de um dos times para lucrar mais com a venda de certos atletas.

Aí entra a Doyen Sports, que bancou a transferência de Damião. Os santistas não tinham dinheiro. O fundo se dispôs a pagar os 13 milhões de euros que o Inter pedia, cerca de 42 milhões de reais, mas não quis nenhuma parte dos direitos econômicos do atleta. A Doyen emprestou a grana para a diretoria santista. Em cinco anos, o dinheiro terá de ser devolvido ao fundo com juros de 10% ao ano. Se o Santos vender Damião por um valor inferior aos 13 milhões de euros, o dinheiro da transferência é usado para abater a dívida do clube com o fundo, que de qualquer jeito vai receber os 13 milhões de euros de volta. Se vender por mais, o que ficar além de 13 milhões de euros é repartido em 80% para a Doyen e 20% para o Santos. O Santos não respondeu aos pedidos de entrevista da PLACAR.

“É um negócio muito bom para o clube, porque ele se responsabiliza por indicar o jogador que ele quer, e nós só colocamos o dinheiro”, diz Renato Duprat, representante da Doyen no Brasil. Duprat é uma figura controversa nos bastidores do futebol brasileiro. Na década de 1990, ele trouxe o patrocínio da Unicor, da qual era herdeiro, ao Santos. A empresa de assistência médica faliu em 2001, e Duprat foi citado na CPI do Futebol, que investigou falcatruas na gestão santista naquele período, por ter deixado uma dívida no clube. Anos depois, ele intermediou a parceria entre MSI e Corinthians que terminou na Justiça, depois que o Ministério Público provou haver um esquema de lavagem de dinheiro no clube.

Duprat afirma que o intuito do fundo é vender bem Damião para não prejudicar as finanças do Santos. “A gente não quer que ele fique lá tantos anos e que o Santos tenha de pagar em determinado tempo. Mas, se acontecer, vai ter que ser assim”, diz o empresário. Para facilitar a venda do atacante nos próximos anos, outra cartada da Doyen: o fundo vai aproveitar a influência que tem na Europa para facilitar a venda de Damião. Ou seja, os empresários atuam nas duas pontas da transferência, na compra e na venda. “É um negócio muito bem-feito, estudado por três anos por uma equipe de advogados espanhóis e ingleses, que agora já tem gente querendo copiar”, diz Duprat. O São Paulo contratou o atacante Dorlan Pabón, do Valência, nos mesmos moldes.

Certo é que, com essa nova fórmula, a Doyen fica imune às mudanças que Fifa e Uefa estão por fazer nas regras do futebol. Representantes do fundo duvidam que as entidades proíbam de vez a compra de direitos econômicos dos atletas por parte de empresas, até porque são muito numerosos os contratos que teriam de ser bruscamente alterados. Se os já endividados clubes tivessem de comprar de volta os direitos econômicos de seus atletas dos fundos, várias falências seriam iminentes. O que os empresários apostam é que Fifa e Uefa vão impor várias regras, mas não proibir totalmente. Qualquer que seja a decisão, a Doyen, com esses novos negócios, por emprestar dinheiro em vez de comprar direitos econômicos, está mais segura.

O que é curioso é como a Doyen compra a abertura na Europa. Nas últimas temporadas, a empresa fechou patrocínios com times espanhóis como Sevilla, Getafe e Atlético de Madri. Por ser um fundo de investimentos que não lida com consumidores comuns, e sim diretamente com pessoas jurídicas, não haveria vantagem em expor a marca para o público em geral na camisa das equipes. “Queremos contribuir ainda mais com os clubes que são nossos parceiros. Não fizemos isso para buscar publicidade”, diz Jose Felix Diaz.

São esses tentáculos da Doyen em vários países europeus que podem fazer com que Damião trilhe um caminho parecido com o de Radamel Falcao. Ele mesmo, o atacante colombiano que, embora machucado, ainda sonha com a Copa. Foi o fundo de investimentos que, por causa do “bom relacionamento” no Porto, tirou Falcao do River Plate e o levou para Portugal em 2009. Os portugueses adquiriram 60% dos direitos econômicos do atleta por 3,9 milhões de euros. Dois anos depois, em 2011, o jogador trocou o Porto pelo Atlético de Madri em um negócio de 40 milhões de euros, mas não foram os espanhóis que bancaram toda a transferência. O fundo, crente de que o colombiano iria se valorizar na Espanha, pagou 22 milhões dos 40 milhões para ter 55% dos direitos econômicos dele. Mais dois anos depois, em 2013, a transferência para o Mônaco, outro sob a tutela da Doyen, foi de 60 milhões.

A atuação da Doyen nos dois lados da negociação explica por que Falcao, embora fosse desejado por gigantes como Manchester United, Chelsea e Real Madrid, assinou com um clube francês inexpressivo, que acabou de subir da segunda divisão, mas que foi comprado pelo bilionário russo Dmitry Rybolovev recentemente. Não se surpreenda se, daqui a um ou dois anos, Leandro Damião deixar o Santos e rumar para o Atlético de Madri, mesmo se for bem cotado por times europeus maiores.

 

O CUSTO DAMIÃO

2 milhões é o valor pago pela Doyen ao Inter

Santos terá 5 anos para devolver a quantia

Os juros são de 10% ao ano

EM CASO DE TRANSFERÊNCIA

  • A grana do negócio abate a dívida do clube com o fundo
  • Se o valor for menor, o Santos deverá pagar  a diferença à Doyen
  • Se sobrar, 80% vão para a Doyen e 20% para o Santos

 

 

Fonte: Placar

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