Gerir o desporto

Alexandre Miguel Mestre

 

O Congresso Anual da Associação Portuguesa de Gestão do Desporto (APOGESD) deste fim-de-semana motiva esta crónica, fazendo-nos desde logo recuar a 1990, ano da Lei de Bases do Sistema Desportivo (LBSD).

A LBSD tinha um artigo, sob epígrafe “Dirigente desportivo”, que dispunha conforme segue: “As medidas de apoio ao dirigente desportivo em regime de voluntariado e o enquadramento normativo da função de gestor desportivo profissional constam de diploma próprio”. Se é certo que cinco anos depois surgiu o “Estatuto do dirigente desportivo em regime de voluntariado”, verdade também é que o “legislador de desenvolvimento” nunca chegou a regulamentar a função do “gestor desportivo profissional” – nunca “nasceu” um ‘Estatuto do Gestor Desportivo Profissional’.

Tal obrigação regulamentadora permaneceu prevista numa norma da Lei de Bases do Desporto (LBD), de 2004, dedicada aos “Dirigentes desportivos”, mas novamente sem sequência.

Por sua vez, em 2007, com a chegada da ora vigente Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto (LBAFD), desapareceu a menção expressa à figura do “gestor desportivo profissional”, sendo que o preceito referente aos “Titulares de cargos dirigentes desportivos” remete para a lei a definição dos “direitos e deveres dos titulares de cargos dirigentes desportivos”.

Cabe perguntar: quererá este rumo legislativo – de omissão regulamentadora e depois de abandono dessa obrigação – significar uma menor dignificação legal daquele a que hoje costumamos chamar de gestor desportivo? Parece-me que não. E passo a explicar porquê.

Conforme se infere da anotação à LBSD elaborada por um dos seus mentores – José Ribeiro e Castro – percebe-se que na mente do legislador estava sobretudo a preocupação de acolher na lei soluções para quem viesse a gerir certas organizações desportivas, “nomeadamente futuras sociedades com fins desportivos (…) clubes, associações e federações de maior dimensão”.

Por sua vez, em 2004 a lógica foi semelhante, mas já pensando num leque mais alargado de organizações intervenientes no fenómeno desportivo, designadamente as “entidades privadas prestadoras de serviços desportivos”, figura que a LBD introduziu, acolhendo as “pessoas colectivas de direito privado, com fins lucrativos, que prestam serviços de natureza desportiva” – no fundo, estruturas com uma lógica empresarial.

Quanto à mudança operada em 2007, interpreto-a da seguinte forma: ao invés de adoptar um diploma próprio para o “gestor desportivo profissional”, e uma vez que é cada vez maior o número de entidades públicas e privadas ligadas ao desporto, talvez a técnica legislativa mais adequada – na lei de bases e na sua regulamentação – seja mesmo deixar para cada diploma legal o enquadramento de quem gere esta ou aquela entidade em particular, atentas as especificidades de cada entidade e respectivo sector. Porventura terá sido esta a lógica do legislador que, a ter sido mesmo assim, foi tão legítima quanto correcta. Ademais, foi em 2007 que pela primeira vez a designação de “gestão desportiva” surgiu numa lei de bases, in casu no domínio da “Formação e técnicos”.

E a verdade é que, gradualmente, a lei tem vindo a disciplinar os direitos e deveres inerentes às funções de gestão em entidades, públicas e privadas, que, directa ou indirectamente, intervêm no desporto. Creio até que podemos afirmar existirem hoje vários tipos de “gestores desportivos profissionais”, alguns deles mesmo integrantes da lista de “profissões regulamentadas no sector do desporto”. Exemplos: o Director Técnico de Ginásios, Academias e Clubes de Saúde (Health-Clubs); o Director Técnico de Estações de Enchimento e Fornecimento de Misturas Respiratórias (no âmbito do mergulho recreativo); o Coordenador de Campos de Férias; o Gestor de uma Agência de Animação Turística (no âmbito de actividades desportivas de turismo de natureza); os Administradores/Gerentes/Gestores executivos de uma Sociedade Desportiva.

Outro, aliás, não poderia ser o cenário: sendo o desporto um fenómeno profissionalizado, comercializado e globalizado exige crescente formação, especialização e rigor na direcção das organizações e gestão das actividades. E sendo o Direito uma resposta à sociedade, não poderia o Direito aplicado ao Desporto olvidar tal realidade, antes a devendo regulamentar. Assim também se explica a reforma legal de 2012, por via da qual o Presidente da APOGESD passou a integrar o plenário do Conselho Nacional do Desporto, num contributo para a definição e execução da política desportiva nacional, em representação dos que fazem da gestão desportiva a sua profissão em Portugal. É que, a par dos dirigentes desportivos benévolos, os gestores do desporto (e que bons cursos universitários e politécnicos temos nesta área!) são, de facto, agentes essenciais no (Direito do) desporto nacional.

 

Fonte: sabado.pt

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