A Comissão inicia uma reflexão sobre a aplicação das regras de concorrência ao desporto

A Comissão inicia uma reflexão sobre a aplicação das regras de concorrência ao desporto

O Comissário Karel Van Miert, de acordo com os Comissários Marcelino Oreja e Padraig Flynn, informou a Comissão de algumas orientações preliminares dos seus serviços relativamente à aplicação das regras de concorrência da União Europeia (UE) no domínio do desporto. Estas orientações não prejudicam as conclusões definitivas da análise dos cerca de sessenta processos ainda pendentes, mas ilustram o estado actual da reflexão sobre a forma como a Comissão tenciona resolver determinadas questões delicadas. As orientações definitivas serão apenas adoptadas na sequência de um processo de reflexão e de diálogo com o mundo do desporto que foi lançado por iniciativa do Comissário Oreja. O objectivo da Comissão consiste em garantir a coerência entre as diferentes acções e políticas que conduz e que tenham um impacto sobre o desporto, nomeadamente entre a livre circulação das pessoas na União Europeia, a defesa da concorrência, a política cultural e a política audiovisual.

É evidente que as instituições europeias não dispõem de competência geral em matéria de desporto e que cabe em primeira análise às organizações desportivas e aos Estados-Membros assumirem as suas responsabilidades na matéria. Ora, a dimensão transnacional dos acontecimentos desportivos torna arriscadas certas tentativas destas instâncias no sentido de resolverem, elas próprias, os problemas. Por esse motivo, a União Europeia pode por vezes, sem sair do âmbito das suas competências, contribuir para a resolução de algumas destas questões.

Os pedidos do Conselho Europeu e o diálogo com o mundo do desporto

O Conselho Europeu de Viena solicitou à Comissão que apresentasse um primeiro relatório ao Conselho Europeu de Helsínquia sobre a salvaguarda das estruturas desportivas actuais e um segundo relatório centrado sobre a questão da dopagem. Esta última questão foi objecto de uma reunião informal dos Ministros responsáveis pelo desporto em Bona, em 18 de Janeiro. Esta diligência integra-se no contexto da declaração sobre o desporto anexa ao Tratado de Amsterdão. Esta declaração sublinha a necessidade de tomar em consideração o impacto das nossas políticas sobre o mundo do desporto e solicita-nos que consultemos as organizações desportivas antes de adoptar iniciativas susceptíveis de as afectar.

Os quatro grandes temas que ocuparão a Comissão são: i) a aplicação das regras de concorrência (ver infra); ii) o modelo do desporto europeu, questão estreitamente ligada à relação entre desporto e televisão; iii) o desporto como instrumento da política social e de emprego e iv) a luta contra a dopagem.

Estas questões serão objecto dos quatro seminários da “Conferência Europeia do Desporto” que se realizará em Olímpia em Maio do corrente ano. Os resultados desta Conferência contribuirão para que a Comissão prepare melhor o relatório solicitado pelo Conselho Europeu. Permitirão igualmente responder ao convite formulado na declaração de Amsterdão, de ouvir as organizações desportivas antes de adoptar decisões que as afectam.

Entre as suas competências, a Comissão consagra importância especial às liberdades fundamentais do Tratado CE (nomeadamente a liberdade de circulação estabelecida no seu artigo 48º), bem como às políticas da concorrência (artigos 85º e 86º do Tratado CE) e do audiovisual.
Livre circulação das pessoas

O acórdão Bosman do Tribunal de Justiça confirmou o princípio da liberdade de circulação dos jogadores nacionais da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu (EEE), profissionais ou que se tornaram profissionais no termo do contrato (artigo 48º do Tratado CE). Declarou que a obrigação, imposta por regulamentações abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 48º, de pagar indemnizações de transferência é proibida em caso de transferência internacional, no interior da União Europeia e do EEE, de um jogador profissional ou que se tornou profissional (UE/EEE) no termo do seu contrato, sendo também proibida a limitação do número de jogadores nacionais de outros Estados-Membros que podem ser incluídos nas competições entre clubes.
Segundo a Comissão, os princípios e objectivos legítimos reconhecidos neste acórdão equilíbrio entre grandes e pequenos clubes e promoção da formação dos jovens jogadores – podem também ser analisados à luz das regras de concorrência do Tratado.

Concorrência

O desporto inclui dois níveis de actividade, ou seja, por um lado a actividade desportiva propriamente dita que preenche um papel social, integrador e cultural que é necessário preservar e que escapa, em princípio, às regras de concorrência do Tratado e, por outro, uma série de actividades económicas geradas pela actividades desportiva a que se aplicam as regras de concorrência do Tratado tomando em consideração as especificidades deste sector. A interdependência e as sobreposições entre estes dois níveis tornam a aplicação das regras de concorrência mais complexa.

O desporto tem também particularidades, nomeadamente a interdependência entre concorrentes e a necessidade de garantir a incerteza dos resultados das competições, que poderiam justificar a criação, pelas organizações desportivas, de um enquadramento específico, em especial nos mercados da produção e da venda do espectáculo desportivo.

Ora, estas especificidades não justificam qualquer isenção automática das actividades económicas geradas pelo desporto relativamente às regras de concorrência do Tratado, nomeadamente devido ao peso económico crescente destas actividades. Os princípios gerais que estão na base da aplicação das regras de concorrência às actividades económicas geradas pelo desporto são os seguintes:

– respeito do interesse geral relativamente à protecção dos interesses privados;

– limitação da intervenção da Comissão apenas aos casos que apresentam um interesse comunitário;
– aplicação da regra dita de minimis, segundo a qual os acordos de pequena importância não afectam de forma sensível o comércio entre Estados-Membros;

– aplicação dos quatro critérios de autorização consagrados no nº 3 do artigo 85º do Tratado CE e também impossibilidade de isentar acordos susceptíveis de constituir uma infracção a outras disposições do Tratado e, em especial, à liberdade de circulação dos desportistas;

– definição dos mercados relevantes baseada nas regras gerais aplicáveis, mas adaptada às características específicas de cada desporto.

A prática decisória e administrativa da Comissão neste domínio não está ainda suficientemente desenvolvida para dar resposta a todas as questões importantes que se colocam. Estas questões dizem nomeadamente respeito ao princípio de organização do desporto numa base territorial nacional, à criação de novas organizações desportivas, à deslocalização dos clubes, à proibição de organizar competições fora do território autorizado, ao papel regulador dos organizadores de acontecimentos desportivos, aos sistemas de transferência de jogadores nos desportos de equipa, às clausulas de nacionalidade, aos critérios de selecção dos atletas, aos acordos relativos à venda de bilhetes no âmbito do Campeonato do Mundo de futebol de 1998, aos direitos de radiodifusão, aos patrocínios e à proibição, para os clubes que pertencem ao mesmo proprietário, de participar nas mesmas competições.

Face a estas questões, a Comissão registou algumas conclusões preliminares sobre a aplicação das regras de concorrência ao sector do desporto, indicando exemplos de práticas das organizações desportivas agrupadas em quatro categorias:

as que escapam, em princípio, à aplicação do nº 1 do artigo 85º do Tratado CE, uma vez que se trata de regras inerentes ao desporto e/ou necessárias à sua organização;

as que são, em princípio, proibidas se o comércio entre Estados-Membros for afectado de forma sensível;

as que são restritivas da concorrência mas, em princípio, susceptíveis de poderem beneficiar de uma isenção, nomeadamente as que não prejudicam a liberdade de circulação dos desportistas no interior da União Europeia e cujo objectivo consiste em assegurar de forma proporcionada a manutenção de um equilíbrio entre os clubes, preservando uma certa igualdade de oportunidades e a incerteza dos resultados, e que se destinam a encorajar o recrutamento e a formação de jovens jogadores;

as que constituem um abuso de posição dominante na acepção do artigo 86º do Tratado CE.

Não é o poder de regulamentar a actividade desportiva enquanto tal que é susceptível de constituir um abuso, mas antes a forma como as organizações desportivas exercem tal poder. Por exemplo, uma organização desportiva cometeria uma infracção ao artigo 86º se utilizasse o seu poder regulamentador para excluir do mercado, sem razão objectiva, qualquer organizador concorrente ou interveniente económico que, mesmo respeitando as normas de qualidade ou de segurança justificadas, não conseguisse obter dessa organização um certificado de qualidade ou de segurança dos seus produtos.

Bruxelas, 24 de Fevereiro de 1999

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