A receita combinada de todos os clubes do futebol europeu aumentou 559% em 19 anos, de 1996 a 2014. Foi de € 2,8 bilhões a € 15,9 bilhões. O numerão, descrito em relatório divulgado pela Uefana quarta-feira (21), é bonito, mas tem por trás um problema que tem se agravado nos últimos anos: times de alguns poucos países faturam muito mais do que os demais. É a “espanholização” em nível continental. Inglaterra, Alemanha, Espanha, Itália e França, os “cinco grandes”, ganham muito mais dinheiro do que todo o resto da Europa. A tal desigualdade financeira que comove torcedores quando a comparação é clube a clube, mas nem tanto quando o paralelo trata de países. E que nem por isso deixa de ser perigosa para o futebol.
De 2009 a 2014, num período de cinco anos, a receita média de um time da Premier League, a primeira divisão da Inglaterra, aumentou em € 74,2 milhões. Para cada um. A mais. NaBundesliga, a liga da Alemanha, há € 39,9 milhões a mais para cada clube. As elites dos dois países conseguiram alavancar receitas por meio de novos contratos de televisão, principalmente, mas também com patrocínios e estádios cheios. Não foi assim no resto da Europa. A primeira divisão da Holanda, nos mesmos cinco anos, cresceu só € 700 mil. A da Dinamarca caiu € 300 mil. Na Escócia, os clubes da elite perderam € 4,2 milhões em faturamento cada neste período.
A desigualdade financeira foi acirrada principalmente pela supervalorização dos direitos de transmissão na Inglaterra. Enquanto um time inglês leva média de € 96 milhões por ano da TV, um português recebe € 5,8 milhões. Um grego, € 2 milhões. Um russo, € 1,4 milhão. E, até aqui, comparamos só clubes de países que estão entre os 15 maiores da Europa. Nada de falar sobre Croácia, Islândia ou Lituânia. O quadro inteiro assusta: os 20 clubes da primeira divisão inglesa arrecadaram mais dinheiro em 2014 do que 597 times do resto do continente que compreende desde Portugal, Holanda e Bélgica até países do Leste Europeu e outros periféricos.
O problema é que, à medida que a disparidade aumenta, traça-se uma linha entre dois grupos de clubes de futebol. Uns jogam o fino da bola com os melhores craques e treinadores que o dinheiro pode pagar, e com isso ganham ainda mais dinheiro, porque negociam contratos melhores com emissoras e patrocinadores e cobram mais de torcedores. Outros sobrevivem para encontrar novos talentos e vendê-los pelo valor possível aos grandes do lado de lá.
Os times que não conseguem vender atletas para a turma rica, aos poucos, quebram. Em 2014, só um israelense, um sérvio e um lituano tiveram lucro operacional – entenda-se: ficar positivo quando se descontam despesas das receitas. Nenhum croata terminou o ano no azul. Isso sem considerar jogadores vendidos, só a administração do dia a dia. Logo, clubes desses países partem para o mercado de transferências e exportam o que encontram para sobreviver. O quadro fica assim: entre 446 times dos 39 países mais pobres do continente, 65% tiveram prejuízo, e 35%, lucro, sem considerar transferências de atletas. Com as vendas incluídas no cálculo, 56% registraram prejuízo, e 44%, lucro. Nem mesmo a natureza de “exportador” de “matéria-prima” salva as contas da turma pobre.
É natural, e até bom para o futebol, que surjam times espetaculares como os que montaram na última década Real Madrid e Barcelona. Do mesmo modo, uma Inglaterra que conseguiu unir clubes e barganhar acordos mais vantajosos com emissoras de TV é exemplo para o resto do mundo. A desigualdade financeira não é uma tragédia desde que, do lado pobre, clubes tenham condições de conseguir dinheiro para sustentar equipes mais ou menos competitivas, comissões técnicas que as treinem e infraestruturas para categorias de base. O mal é que, até agora, isso não tem ocorrido. Nem na Europa, nem no Brasil, onde o eixo São Paulo e Rio de Janeiro leva larga vantagem financeira sobre o resto do país. A Uefa, se não encontrar modos de irrigar caixas de clubes periféricos, corre o risco de vê-los quebrar e de perder mercados importantes tanto do ponto de vista mercadológico quanto do esportivo.
Vai que o Pelé do Século XXI é lituano.
Fonte: Época Negócios