Por Matheus Laupman
Membro filiado ao Instituto Brasileiro de Direito Desportivo
A pandemia da Covid-19 afetou o mundo de forma intensa e para o esporte mais popular de todos os tempos não foi diferente. A paralisação de competições, encerramentos de vínculos desportivos, fim de patrocínios, perda de recursos financeiros dos clubes, estádios e arenas sem torcida, criação de protocolos sanitários, são alguns dos inúmeros exemplos que o “novo normal”[2], nos apresentou como modificação e adaptação.
Sob esta nova realidade que a Lei nº 14.117, de 8 de janeiro de 2021, foi sancionada para modificar o Estatuto do Torcedor[3] e a Lei Pelé[4] com a finalidade de prever e regulamentar situações nunca vividas pelo esporte.
A primeira, talvez grande mudança da referida normativa, acresce ao artigo 30-A da Lei Pelé a seguinte redação:
“Art. 30-A. As entidades desportivas profissionais poderão celebrar contratos de trabalho com atleta profissional por prazo determinado de, no mínimo, 30 (trinta) dias, durante o ano de 2020 ou enquanto perdurar calamidade pública nacional reconhecida pelo Congresso Nacional e decorrente de pandemia de saúde pública de importância internacional.”
A nova redação é de grande significância para o esporte no novo contexto social que vivemos. Anteriormente, o prazo mínimo para a celebração de um contrato especial de trabalho desportivo era de 3 meses.
Imaginem que durante o ano de 2020, devido à paralisação das competições, principalmente as estaduais, diversos atletas tiveram a vigência de seu contrato expirada. Assim, para que houvesse uma “simples” prorrogação de contrato do atleta por parte do clube, continuando seu trabalho em competições que acabariam dali a um mês, o impacto financeiro sobre o clube seria ainda mais devastador, principalmente àqueles clubes que não possuem calendário anual.
Sem alternativas jurídicas viáveis, diversos clubes perderam seus atletas e grande parte de seu elenco titular, um exemplo disto foi o Mirassol Futebol Clube, que perdeu 18 atletas[5], sendo a sua maioria titulares para a continuidade do Campeonato Paulista de 2020[6], ressaltando que ainda assim realizou uma bela campanha.
Ainda sob o mesmo exemplo, se a referida Lei já estivesse em vigor, poderia então o clube ter realizado uma “renovação” dos contratos destes 18 atletas pelo período de 30 dias, o que seria o período perfeito para finalizar a participação desta competição.
Com esta nova redação, agora é legalmente permitido o registro de um contrato de trabalho de 30 dias, de modo que os clubes terão um amplo benefício para montagem de seus elencos e renovações de contratos, fato este impossível sob a égide da antiga redação. Ademais, os Departamentos de Registro das Federações Estaduais serão fundamentais para auxiliarem os clubes no procedimento destes novos registros.
A segunda modificação feita pela Lei nº 14.117, em seu artigo 6º, acrescenta ao artigo 9º, §5º[7] do Estatuto do Torcedor a seguinte redação:
“III – interrupção das competições por motivo de surtos, epidemias e pandemias que possam comprometer a integridade física e o bem-estar dos atletas, desde que aprovada pela maioria das agremiações partícipes do evento”
Modificação que permite alteração do regulamento de competições em casos de suas paralisações, devido epidemias e pandemias, como por exemplo esta que vivemos da COVID-19. Para trazer um exemplo concreto da importância desta modificação, as competições poderiam ter suas formas alteradas (pontos corridos convertendo-se para mata-mata), o número de partidas reduzidas poderia ser outra possibilidade.
Neste aspecto, se esta lei já estivesse vigente antes do início do Campeonato Brasileiro de 2020, poderia então a Confederação Brasileira de Futebol, como organizadora e promotora da competição, ao invés de realizar uma competição de 38 rodadas, prevendo a disputa por pontos corridos, alterar o regulamento vigente para adaptar-se à situação emergencial, substituindo o sistema de pontos corridos, trazendo menos rodadas e quem sabe, até mesmo, realizando uma competição no sistema de eliminatórias, conhecido como “mata-mata”, para delírio de parte dos torcedores dos anos 90.
Salientamos ainda, que, pela antiga redação do Estatuto do Torcedor, o regulamento de uma competição, apenas e tão somente poderia ser modificado posteriormente a sua publicação em dois casos, quais sejam:
I – apresentação de novo calendário anual de eventos oficiais para o ano subsequente, desde que aprovado pelo Conselho Nacional do Esporte – CNE;
II – após dois anos de vigência do mesmo regulamento, observado o procedimento de que trata este artigo.
Em sua penúltima inovação, o artigo 7º da Lei nº 14.117, visou prorrogar por 7 (sete) meses, o prazo previsto para as ligas desportivas, as entidades de administração de desporto e as entidades de prática desportiva envolvidas em qualquer competição de atletas profissionais, independentemente da forma jurídica adotada, a apresentarem e publicarem suas demonstrações financeiras referentes ao ano anterior, conforme disciplinado nos incisos I e II do caput do art. 46-A da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998.
Esta alteração permite que entidades de administração do desporto (Federações e Ligas), bem como as entidades de prática desportiva possam diante dos grandes efeitos da pandemia da COVID-19 ter um prazo maior para organizarem suas finanças, seus demonstrativos financeiros, e principalmente trazer um dos mais importante fator para o esporte, a transparência.
No que diz respeito a última modificação, do artigo 9º da Lei nº 14.117, manteve-se a revogação do artigo 57 da já referida Lei Pelé, de forma que a Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol, FAAP, não possui mais direito de receber o valor de 0,2% correspondente a uma taxa de transferência de atletas. O próprio presidente da entidade afirmou em entrevista[8] que o valor deste repasse é irrisório, mas que deve afetar bastante a Federação das Associações de Atletas Profissionais.
A FAAP deixa de receber o repasse de 0,5% do salário mensal dos atletas e o percentual de 0,8% do valor referente as transferências nacionais e internacionais e não existem outras fontes alternativas de recurso, o que pode resultar no fim de um programa já consolidado em mais de 42 anos.
Saliento ainda, que os artigos 1º, 2º, 3º da Lei nº 14.117, referentes a possibilidade da suspensão da exigibilidade das parcelas devidas pelas entidades de prática desportiva que aderiram ao PROFUT foram vetados pelo Presidente da República. A justifica dos vetos foi a seguinte:
“A propositura legislativa disciplina sobre a suspensão da exigibilidade das parcelas devidas pelas entidades desportivas profissionais de futebol que aderiram ao Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro (Profut) durante o período da calamidade pública decorrente da pandemia da Covid-19. Todavia, apesar de meritória a intenção do legislador ao conceder o benefício fiscal, os dispositivos encontram óbice jurídico por não apresentarem a estimativa do respectivo impacto orçamentário e financeiro, em violação às regras do art. 113 do ADCT e a Lei de Diretrizes Orçamentárias. Por fim, a implementação da medida causa impacto no período posterior ao da calamidade pública, conforme estabelecido no Decreto Legislativo nº 6, de 2020, sendo necessária a apresentação de medida compensatória exigida pela Lei de Diretrizes Orçamentárias.”[9]
Certamente diante da perda de fontes de receitas sofridas pelos clubes durante a pandemia da COVID-19, a suspensão das parcelas seria de grande ajuda, pois daria aos clubes um período maior para organizarem suas finanças e gestões. Nesse sentido, entendemos que o veto em questão poderia ser mais direto ao afirmar quais regras seriam contrárias ao ADCT, bem como quais artigos da referida disposição seriam contrários a Lei de Diretrizes Orçamentárias.
O artigo 4º, pelo qual se refere ao afastamento da aplicação do §2º do artigo 31 da Lei Pelé[10], em que a Advocacia Geral da União opinou por seu veto, sob a seguinte alegação:
“A propositura legislativa estabelece que durante a vigência da calamidade pública nacional da Covid-19 reconhecida pelo Congresso Nacional, bem como nos 180 (cento e oitenta) dias subsequentes, fica afastada a aplicação do § 2º do art. 31 da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, o qual dispõe que ‘A mora contumaz será considerada também pelo não recolhimento do FGTS e das contribuições previdenciárias’. Entretanto, a proposta, ao pretender regular fatos pretéritos, além de ensejar conduta que estimula o não pagamento do FGTS e de contribuições previdenciárias, gera insegurança jurídica ao possibilitar a revisão de atos e relações jurídicas já consolidadas em potencial ofensa à garantia constitucional do direito adquirido e do ato jurídico perfeito previstos no inciso XXXVI, do art. 5º, da Constituição da República.”[11]
Com efeito, tal veto é perfeitamente coerente, o que não ocorre no último veto alusivo ao artigo 8º da Lei nº 14.117[12], senão vejamos:
“A propositura legislativa altera o § 2º do art. 46-A da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, para fins de exigir o trânsito em julgado em processo administrativo ou judicial para a aplicação das penalidades previstas no referido dispositivo quanto ‘ao afastamento de seus dirigentes’ e ‘à nulidade de todos os atos praticados por seus dirigentes em nome da entidade, após a prática da infração, respeitado o direito de terceiros de boa-fé’. Entretanto, ao exigir expressamente o trânsito em julgado, a redação proposta parece vedar o afastamento cautelar de dirigentes suspeitos de má gestão, o que vai de encontro ao fortalecimento das práticas de transparência e combate à corrupção que vêm sendo implementadas no setor, além de contrariar o princípio de acesso à justiça e o poder geral de cautela, típico da atividade jurisdicional, haja vista obstar o alcance, em dados casos, de uma prestação mais eficaz e célere, que garanta a efetividade e a utilidade do processo ao final.”
Entendemos que a redação do artigo 8º não busca vedar o afastamento cautelar de dirigentes suspeitos de má gestão, mas sim apenas fortalecer os princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório e principalmente o princípio da presunção de inocência.
Diante disso, podemos concluir que a Lei nº 14.117 regulamentou situações pontuais para o esporte, como por exemplo a faculdade de compactuar e registrar contratos especiais de trabalho desportivo pelo período mínimo de 30 dias, bem como a alteração de regulamentos em casos de pandemias e epidemias.
Entretanto, é fundamental entender que referida lei poderia ter sido sancionada em 2020, o que teria facilitado a volta do futebol. Principalmente, no que diz respeito aos estaduais 2020.
Por fim, acrescentamos ainda, que alguns artigos vetados deveriam ter sido melhor analisados, principalmente no aspecto econômico, graduando o impacto que a pandemia trouxe aos clubes.
* O conteúdo do presente artigo não necessariamente representa a opinião do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, sendo de total responsabilidade do Autor deste texto.
[1] Graduado em Direito pela PUC-SP, Coordenador do Grupo de Estudo de Direito Desportivo da PUC-SP, Membro Colaborador da Comissão de Direito Desportivo da OAB/SP, Membro Filiado ao IBDD e Secretário do TJD-SP do Futebol.
[2] Delbin, Gustavo in https://ibdd.com.br/o-novo-normal-do-esporte/
[3] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.671.htm
[4] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9615consol.htm
[5] https://www.espn.com.br/futebol/artigo/_/id/7225609/mirassol-perdeu-18-jogadores-paralisacao-montou-catadao-enfrentar-sao-paulo
[6] https://globoesporte.globo.com/sp/tem-esporte/futebol/times/mirassol/noticia/campanha-historica-no-paulistao-garante-ao-mirassol-inedita-vaga-na-copa-do-brasil.ghtml
[7] Art. 9o É direito do torcedor que o regulamento, as tabelas da competição e o nome do Ouvidor da Competição sejam divulgados até 60 (sessenta) dias antes de seu início, na forma do § 1o do art. 5o. (Redação dada pela Lei nº 12.299, de 2010).
§ 5o É vedado proceder alterações no regulamento da competição desde sua divulgação definitiva, salvo nas hipóteses de:
[8] https://www.uol.com.br/esporte/colunas/lei-em-campo/2021/01/12/especialistas-analisam-veto-a-suspensao-do-profut-e-corte-de-verba-sindical.htm
[9] https://migalhas.uol.com.br/arquivos/2021/1/50547109A84268_vetos.pdf?_gl=1*14gxky8*_ga*NWtzRU0zVGNVelgxd3R0ckVtZlM3VzJfcnNQZUxYRFMwVW1yb2R2NnhuTWJNSnFMVnY3TkJHOTY0MS1vaVllbg
[10] § 2o A mora contumaz será considerada também pelo não recolhimento do FGTS e das contribuições previdenciárias.
[11]https://migalhas.uol.com.br/arquivos/2021/1/50547109A84268_vetos.pdf?_gl=1*14gxky8*_ga*NWtzRU0zVGNVelgxd3R0ckVtZlM3VzJfcnNQZUxYRFMwVW1yb2R2NnhuTWJNSnFMVnY3TkJHOTY0MS1vaVllbg
[12] Art. 8º O § 2º do art. 46-A da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, passa a vigorar com a seguinte redação: ‘Art. 46-A. § 2º As entidades que violarem o disposto neste artigo ficam sujeitas, após o trânsito em julgado em processo administrativo ou judicial
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