Caio Nascimento Galatti[1]
Membro filiado do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo
[1] Advogado inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil – São Paulo. Pós-Graduação em Direito Tributário pelo IBET – Instituto Brasileiro de Estudos Tributários. Pós-Graduação em Direito Empresarial pela FGV – Fundação Getúlio Vargas. Coordenador do Núcleo de Direito Desportivo do Comitê Jurídico da Câmara de Comércio Italiana de São Paulo – Italcam.
Não é de hoje a notória necessidade que as entidades desportivas possuem de aderirem práticas de conformidade e transparência em sua gestão, prestando necessários esclarecimentos a todos os entes envolvidos na cadeia do esporte.
Em suma, é necessário observar questões relacionadas à prevenção e o desenvolvimento de práticas, consolidando o comportamento ético e as condutas de todos as pessoas envolvidas nas organizações esportivas.
Trazendo uma análise história, podemos perceber que as regras de conformidade e transparência no desporto nacional foram inicialmente trazidas pela Lei nº 9.615/98 (Lei Pelé), com a previsão de que as entidades de práticas esportivas que participam de competições profissionais e entidades de administração do desporto deveriam adotar um modelo profissional, com transparência, apresentando demonstrações financeiras devidamente auditadas.
Posteriormente, com a aprovação da Lei nº 12.846/13 (Lei Anticorrupção), surge em toda a sociedade brasileira, a percepção de que de alguma forma não é mais razoável aceitar os desmandos de agentes que costumavam viver na ilegalidade, trazendo a previsão expressa do Compliance, com os mecanismos e procedimentos de integridade.
O Compliance pode ser conceituado como um conjunto de disciplinas necessárias para o cumprimento de normas estabelecidas internamente, políticas definidas pela entidade e diretrizes para o bom andamento da atividade por ela desempenhada, detectando qualquer desvio que possa ocorrer.
Ao longo dos anos, a implantação do Compliance tem trazido um senso maior de credibilidade, possibilitando um maior interesse de investidores e uma mudança de patamar para quem possui uma boa governança.
Inegável, portanto, que o Compliance, se colocado em funcionamento de uma forma estruturada, é um instrumento eficaz de combate aos maiores malefícios que as organizações desportivas podem perceber.
Ao falar da importância do Compliance, Wagner Giovanini diz[1]: “O mundo está experimentando o movimento sem precedente na luta contra a corrupção. Nas últimas décadas, a sociedade começou a organizar-se. Surgiram ONGs de abrangência global, houve assinaturas de acordos internacionais e elaboração de legislações específicas, coibindo práticas, algumas delas aceitas até então. Também os Programas de Compliance tomaram um caráter fundamental para as empresas que desejam a sustentabilidade e perenidade no mercado”.
Contudo, foi a partir de 2017, que o desporto brasileiro resolveu olhar com mais cuidado para as questões relacionadas a integridade com a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) trazendo o Código de Ética e Conduta do Futebol Brasileiro, que objetiva orientar as condutas éticas nas relações profissionais e comercial no futebol, inclusive trazendo sanções que vão desde advertência até o banimento do esporte.
Recentemente, a Lei nº 14.193/2021 (Lei das SAF), reserva um capítulo importante para a governança da Sociedade Anônima de Futebol, onde define diversas regras para o acionista controlador e para os membros do conselho de administração e conselho fiscal.
Ademais, estabelece regras de transparência em relação aos relatórios gerenciais e possibilita a responsabilidade pessoal dos administradores que agir com inobservâncias aos preceitos estabelecidas neste Lei.
Reforçando ainda mais a ideia do legislador em incentivar essas medidas, a Lei nº 14.597/2023 (Nova Lei Geral do Esporte), traz em seus princípios fundamentais que a exploração do esporte e a gestão desportiva devem observar a transparência financeira e administrativa, além de novamente prever a possibilidade de responsabilidade sociais dos dirigentes das entidades desportivas.
Portanto, o Poder Público visa submeter aos gestores das áreas do esporte, regras de gestão corporativa, de conformidade legal, além de tentar promover a transparência.
Dentre as premissas estabelecidas para os gestores, estão a responsabilidade corporativa que é o dever de zelar pela viabilidade econômico-financeira da organização, por meio de adoção de procedimentos de planejamento de riscos e de padrões de conformidade.
Além disso, no tocante a transparência, o legislador determina a disponibilização pública das informações relevantes do desempenho da entidade desportiva, de forma gerencial, pertinentes à preservação e ao desenvolvimento do patrimônio.
Da mesma forma, estabelece o dever de prestação de contas do gestor, de modo claro, conciso, compreensivo e tempestivo, assumindo integralmente as consequências de atos e omissões no âmbito de sua competência.
Outro fato importante é a previsão de que a entidade desportiva para fazer jus a financiamento com recursos públicos ou participar de programas de recuperação econômica, devem dentre outras coisas, adotar modelo profissional e transparente.
Apesar da Lei Pelé já trazer em uma amplitude menor, a Nova Lei Geral do Esporte reservou um capítulo especial para tratar sobre Gestão Temerária. Veja, durante anos os nossos dirigentes, geriram os nossos clubes sem qualquer responsabilidade financeira, gerando recordes de endividamento principalmente aos clubes de futebol.
Assim, a nova legislação estabelece que os dirigentes das organizações esportivas podem responder com seus bens particulares aos abusos cometidos nos atos de gestão em que geral risco irresponsável para o patrimônio da entidade desportiva.
Portanto, nos últimos 20 anos, as entidades desportivas vêm sendo incentivadas a aderiram os mecanismos de conformidade, procurando trazer uma profissionalização da sua gestão.
Mas porque tudo isso é importante?
Em 2019, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) apresentou um relatório produzido pela Ernst & Young sobre o impacto do futebol na economia do Brasil.
Através deste relatório, ficou constatado a época que o futebol brasileiro movimenta em sua cadeia, seja ela direta ou indireta, a incrível quantia de R$ 52,9 bilhões. O valor representa certa de 0,72% do Produto Interno Bruno (PIB) do país.
Na mesma toada, em 2022, o Presidente da FIFA, Gianni Infantino, em debate realizado na Organização Mundial do Comércio (OMC), destacou que o futebol mundial movimenta cerca de US$ 286 bilhões por ano, equivalente ao PIB de um país como a Finlândia.
Somente em receitas de clubes de futebol, em termos de receita anual, o valor alcança US$ 45 bilhões.
Diante do cenário apresentado, é inegável que a gestão desses recursos, precisam ser feitas com total responsabilidade e transparência, com a implantação de todas as regras de conformidade.
Alguns clubes no futebol brasileiro atingem receita anual de mais de R$ 1 bilhão, equivalente ao faturamento de grandes empresas que atuam no Brasil, o que demonstra o dever do gestor de agir sob as regras de governança. Uma gestão nesses moldes, é capaz de transformar uma organização, pois traz mais credibilidade, atraindo, assim, mais investimentos.
Deste modo, é urgente a mudança das nossas gestões desportivas, não apenas preparando as nossas entidades desportivas para a gestão profissional, como também formando gestores competentes para agir conforme preceitos de organização, comprometimento, transparência, honestidade e competência.
* O conteúdo do presente artigo não necessariamente representa a opinião do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, sendo de total responsabilidade do Autor deste texto
[1] GIOVANINI, Wagner. Programas de Compliance e Anticorrupção: importância e elementos essenciais. In: SOUZA, Jorge Munhós de; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de (Org.). Lei Anticorrupção e Temas de Compliance. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2017