A nova Lei Geral do Desporto brasileiro: polêmicas e expectativas

Mauricio de Figueiredo Corrêa da Veiga

Vice-Presidente de Relações Internacionais da ANDD e Membro filiado do IBDD

“Oh, Desporto, és a Justiça! A equidade perfeita, perseguida em vão pelos homens nas suas instituições sociais, estabelece-se ao teu redor.
Nada poderia ultrapassar um só centímetro a altura que pode saltar num só minuto o tempo que pode correr.
As suas forças físicas e morais combinadas determinam, por si sós, o limite do seu triunfo”

Georges Hohrod e M. Eschbach, (pseudônimo utilizado pelo Barão Pierre de Coubertin em sua “Ode ao Desporto”, poema que ganhou a Medalha de Ouro na categoria literatura mista nos Jogos Olímpicos de Estocolmo de 1912). 

              Em boa hora a Academia Nacional de Direito Desportivo (ANDD_BRASIL) e o Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD) decidiram unir forças para o aprimoramento do Direito Desportivo, fruto da dedicação e empenho de seus membros, capitaneados pelos respectivos Presidentes, Terence Zveiter e Raquel Lima, notórios defensores das boas práticas no desporto.

              Esta área do direito tem sido protagonista, em múltiplos aspectos; não a toa, tem sido cobrada dos bacharéis em direito nas provas para a obtenção da carteira da OAB, o que demanda uma especialização dos profissionais que atuam nesta área. Outrossim, são muitos os projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional, em especial destaque o PL n.º 1.825/2022, que institui a Lei Geral do Desporto (ou Lei Geral do Esporte, ao arrepio da nossa Constituição da República Federativa do Brasil que se refere, sempre, ao desporto).

              Muito me honrou o desafio para escrever estas breves – e provocantes – linhas para inaugurar este projeto de comunhão de esforços das mais antigas instituições de Direito Desportivo do Brasil, com o intuito de dar o “pontapé inicial” nesta partida que não tem data para terminar.

              O Desporto é um conceito que contempla múltiplos sentidos e várias formas. Abrange uma quantidade infindável de práticas e de reflexões, não se restringindo a um único modelo, pois se desenvolve desde a base, na mais tenra idade, até a prática profissional.  

              Os alicerces da legislação desportiva brasileira estão dispostos na Constituição Federal, que trata do tema “desporto” (e não esporte, conforme neologismo constante no atual projeto de lei) em dois capítulos[fusion_builder_container hundred_percent=”yes” overflow=”visible”][fusion_builder_row][fusion_builder_column type=”1_1″ background_position=”left top” background_color=”” border_size=”” border_color=”” border_style=”solid” spacing=”yes” background_image=”” background_repeat=”no-repeat” padding=”” margin_top=”0px” margin_bottom=”0px” class=”” id=”” animation_type=”” animation_speed=”0.3″ animation_direction=”left” hide_on_mobile=”no” center_content=”no” min_height=”none”][1], com ênfase no notável art. 217.

              O Projeto de Lei n.º 1.825/2022, teve a sua origem no Projeto de Lei do Senado n.º 68/2017, formulado após exaustiva rodada de debates com a participação de todos os setores ligados ao desporto e ao direito desportivo.

              Tendo em vista as mudanças propostas pela Câmara dos Deputados, o PL voltou ao Senado Federal, em obediência às regras do processo eleitoral.

              O projeto de lei em questão será o responsável por consolidar as normas do desporto brasileiro e estabelecer a “Lei Geral do Esporte”, que passará e dispor sobre o Sistema Nacional do Esporte, a ordem econômica desportiva, a integridade desportiva e o Plano Nacional para a Cultura de Paz no Desporto.

              É trazida a definição de desporto, sendo este entendido como “toda forma de atividade predominantemente física que, de modo informal ou organizado, tenha por objetivo atividades recreativas, a promoção da saúde, o alto rendimento esportivo ou o entretenimento”.

              O aplicador da lei deverá ter em mente que o futuro diploma legal não poderá ser aplicado de forma isolada, mas em estreita observância e harmonia com a Carta Olímpica, a Carta Internacional da Educação Física, da Atividade Física e do Desporto adotada pela Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

              Muito salutar é a preocupação com os patamares mínimos civilizatórios, com atenção e destaque para as normas de proteção a gravidez e ao trabalho do menor, em consonância com os ditames dos diplomas internacionais já mencionados.

              Na medida em que o desporto é classificado como de alto interesse social, sua exploração e gestão sujeitam-se à observância dos seguintes princípios: I – da transparência financeira e administrativa e da conformidade com as leis e regulamentos externos e internos; II – da moralidade na gestão esportiva; III – da responsabilidade social de seus dirigentes.

              Há importantes alterações introduzidas pelo projeto de lei em comento e neste artigo vamos abordar os temas insculpidos no Capítulo III, que trata das relações de trabalho no desporto.

              A atividade do atleta profissional é bem definida e se amolda ao princípio da primazia da realidade, na medida em que reconhece como atleta profissional “o praticante de esporte de alto nível que se dedique à atividade esportiva de forma remunerada e permanente e que tenha nessa atividade sua principal fonte de renda por meio do trabalho, independentemente da forma como receba sua remuneração”[2].

              Aos treinadores são dedicadas importantes previsões, bem mais amplas do que a atual lei que apesar estar em vigor há quase três décadas, nada disciplina acerca desta importante profissão.

              De igual sorte, a atividade dos árbitros também é contemplada com subseção específica.

              As entidades de prática desportiva, assim denominadas na Lei Pelé, passarão a se chamar organizações esportivas voltadas à prática esportiva profissional, com deveres e obrigações estabelecidas pela lei.

              O Contrato Especial de Trabalho Desportivo está disciplinado na Seção IV com importantes Subseções que contemplam: 1) o término do contrato desportivo; 2) cessão de atletas (popularmente denominado de empréstimo); 3) transferências e cessões internacionais; 4) direitos econômicos; 5) contratos de intermediação, representação e agenciamento desportivo; 6) transição de carreira do atleta profissional; 7) disposições específicas do futebol; 8) contrato de formação desportiva; e 9) mecanismo de solidariedade na formação desportiva.

              Cada tópico merecerá uma análise aprofundada, razão pela qual este breve artigo pretende apenas destacar o vasto conteúdo existente que merecerá uma análise minuciosa.

              A relação do atleta profissional com o seu empregador será regulada, em primeiro plano, pela legislação desportiva, pelos acordos e convenções coletivas, pelas cláusulas estabelecidas no contrato de trabalho e, de forma subsidiária, pela CLT e normas da Seguridade Social.

              Esta previsão já estava prevista na Lei Pelé. Entretanto, demandava um esforço interpretativo para se chegar a esta conclusão. No texto atual, não há margem para interpretação, pois o texto legal é claro e objetivo.

              A Cláusula Compensatória Desportiva é parte integrante do contrato do atleta e passa a ter uma importante alteração nesta lei.

              Com efeito, a referida cláusula será paga pelo clube em favor do atleta em parcelas mensais iguais e sucessivas até o termo final do contrato originalmente pactuado e será devida a partir da rescisão do contrato.

              Salutar e importante alteração, diz respeito à celebração de novo contrato desportivo pelo atleta.

              Na hipótese de ser celebrado novo contrato no curso do pagamento da cláusula compensatória esportiva o atleta, com distinta organização desportiva, o clube anterior estará isento do pagamento das parcelas finais da cláusula compensatória quando o salário do atleta com a nova organização esportiva for igual ou superior àquele que recebia anteriormente, e, caso o salário seja inferior, o clube anterior pagará somente a sua diferença, seguindo o parcelamento em curso apenas pelo saldo.

              Trata-se de preceito justo e que evita o enriquecimento ilícito.

              Ainda há muito o que se debater acerca deste novel diploma legal, mas certamente os membros da ANDD e do IBDD poderão contribuir, com muito mais subsídios, do que este modesto autor, para instigar e fomentar o debate.

              Vida longa ao desporto, ao Direito Desportivo, à ANDD e ao IBDD.

              Altiora Semper Petens!


[1] A CRFB utiliza a palavra desporto em seis oportunidades, entre os artigos 24 e 217.

[2] Art. 71, Parágrafo Único do PL n. 1.825/2022.

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