A NOVA LEI GERAL DO ESPORTE E O RACISMO.

Beline Nogueira Barros[i]

Membro Filiado ao Instituto de Direito Desportivo do Brasil (IBDD) e Membro da Comissão Jovem da Academia Nacional de Direito Desportivo (ANDD)

João Vitor Viana de Paiva[ii]

INTRODUÇÃO

O racismo no futebol não se limita aos campos europeus e aos recentes casos ocorridos no Campeonato Espanhol, mas no Brasil a prática tem avançado de forma preocupante.

Os casos de racismo no futebol brasileiro cresceram 40% (quarenta por cento) em 2022, onde foram registrados 90 casos de ofensas raciais contra 64 casos em 2021, segundo levantamento do Observatório da Discriminação Racial do Futebol[1].

Recentemente, o caso Vinicius Jr. estampou as principais manchetes mundiais, entretanto, tal caso não é só um caso, são vários. O atacante do Real Madrid é vítima de ataques, insultos e diferentes níveis de racismo há anos. Desde quando atuava no Brasil pelo Flamengo, ocorreram inúmeros episódios que o levaram ao estopim diante do Valencia, já em solo espanhol, quando o brasileiro decidiu não se calar e tornou-se símbolo da luta contra o racismo no futebol mundial.

Sendo assim, tal acontecimento ressaltou um racismo que o jogador brasileiro, como classe, infelizmente habituou-se a sofrer, seja no futebol brasileiro ou no exterior.

Historicamente, o brasileiro fã de futebol conhece diversos casos emblemáticos, como: Tinga – em 2005 – sendo o primeiro caso de racismo havendo punição no futebol brasileiro após o jogador ser chamado de macaco por torcedores do Juventude; Goleiro Aranha, também chamado de macaco por torcedores do Grêmio em 2014 (com exclusão do Grêmio da Copa do Brasil[2]); Daniel Alves, que teve uma banana jogada em sua direção na Espanha; Taison na Ucrânia e até Neymar na França, quando acusou zagueiro do Olympique de Marselha de injúria racial.

“O jogador de futebol compreendeu que aquilo que acontece em campo, que ele deveria morrer em campo, ele já entende que isso é crime, que o racismo é crime, não pode morrer em campo e precisa ser denunciado.[3]

O Vinicius Jr. seria uma voz isolada na luta contra o Racismo no Campeonato Espanhol? Não mais, graças ao apoio de seus companheiros de clube e outros atletas brasileiros que disputam a La Liga, mas em seu país natal, a legislação parece que finalmente avança para punir os culpados de atos desumanos e covardes como estes apontados.

É suficiente? O goleiro Aranha entende que não e pontuou em entrevista[4]. “Muitas vezes a gente fica só nas palavras e acaba não tendo uma atitude. Tapinha nas costas, uma palavra de apoio, isso é muito fácil. A história do brasil mostra muito disso: o Brasil é um país em que todo mundo conhece um racista, mas ninguém se declara racista. Então é muito difícil quando a gente não vê atitudes reais.”

Nesta seara, concomitantemente ao contexto de vasta discussão acerca do tema após o caso Vinicius Jr, a Lei Geral do Esporte foi sancionada e, a partir de seu texto, previu a mudança de dispositivos legais da Lei anterior para respaldar legalmente a fiscalização, combate e punição de atos de discriminação relacionados ao esporte, inclusive com a possibilidade de aplicação de multas e outras punições.

Portanto, nesta senda, ao nosso ver, são incontáveis os acertos da nova Lei Geral do Esporte para fiscalizar, prevenir, combater, conter e punir casos tão frequentes no futebol brasileiro, que mancham a modalidade, visto que podem ser analisados perante uma ótica de passado histórico que não evoluiu.

A LEI GERAL DO ESPORTE.

Logo no Capítulo II da referida Lei, de Título “Do Sistema Nacional do Esporte e do Sistema Nacional de Informações e Indicadores Esportivos” – Seção I, Disposições Gerais – O artigo 11 versa:

“O planejamento, a formulação, a implementação e a avaliação de políticas públicas, de programas e de ações para o esporte, nas diferentes esferas governamentais, realizam-se por meio do Sistema Nacional do Esporte (SINESP), sistema descentralizado, democrático e participativo, que tem por objetivos:

XVII – adotar as medidas necessárias para erradicar ou reduzir as manifestações antiesportivas, como a violência, a corrupção, o racismo, a xenofobia, a homofobia, o sexismo e qualquer outra forma de discriminação, o uso de substâncias ilegais e os métodos tipificáveis como dopagem.”

Portanto, conclui-se que tal dispositivo legal, através do SINESP, visa adotar medidas necessárias para erradicar ou reduzir as manifestações antiesportivas, dentre elas o racismo, trazendo assim, os aspectos da prevenção e combate a tal discriminação.

Outro dispositivo legal em destaque é o artigo 148, contido na Subseção II – “Da Segurança nas Arenas Esportivas e do Transporte Público”, que versa:

 “O controle e a fiscalização do acesso do público a arena esportiva com capacidade para mais de 20.000 (vinte mil) pessoas deverão contar com meio de monitoramento por imagem das catracas e com identificação biométrica dos espectadores, assim como deverá haver central técnica de informações, com infraestrutura suficiente para viabilizar o monitoramento por imagem do público presente e o cadastramento biométrico dos espectadores.

Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo deverá ser implementado no prazo máximo de até 2 (dois) anos a contar da entrada em vigor desta Lei.

Neste caso, conclui-se que tal dispositivo legal, através do monitoramento por imagem e identificação biométrica dos espectadores, visará controlar e fiscalizar as ações ou infrações cometidas pelos torcedores dentro do estádio, trazendo assim, o aspecto da prevenção e ação contra o crime de racismo.

Ademais, a Seção III do Capítulo II, de título “Da Autoridade Nacional para Prevenção e Combate à Violência e à Discriminação no Esporte (Anesporte)”, em seu artigo 183, § 2° versa:

A torcida organizada que em evento esportivo promover tumulto, praticar ou incitar a violência, praticar condutas discriminatórias, racistas, xenófobas, homofóbicas ou transfóbicas ou invadir local restrito aos competidores, aos árbitros, aos fiscais, aos dirigentes, aos organizadores ou aos jornalistas será impedida, bem como seus associados ou membros, de comparecer a eventos esportivos pelo prazo de até 5 (cinco) anos.

Neste sentido, tal parágrafo alega a possibilidade de punição para as torcidas organizadas em caso de práticas discriminatórias, dentre elas o racismo.

Ainda, o Artigo 184 complementa:

O disposto no § 5º do art. 178 e no § 2º do art. 183 desta Lei aplica-se à torcida organizada e a seus associados ou membros envolvidos, mesmo que em local ou data distintos dos relativos à competição esportiva, nos casos de:

I – invasão de local de treinamento;

II – confronto, ou induzimento ou auxílio a confronto, entre torcedores;

III – ilícitos praticados contra esportistas, competidores, árbitros, fiscais ou organizadores de eventos esportivos e jornalistas direcionados principal ou exclusivamente à cobertura de competições esportivas, mesmo que no momento não estejam atuando na competição ou diretamente envolvidos com o evento.”

Aqui, tal artigo respalda a punição para a torcida organizada ou membro que praticar conduta discriminatória fora do estádio, aumentando a proteção social no cotidiano do esportista, no caso, jogador de futebol.

Por fim, o título “Dos Crimes contra a Paz no Esporte”, no Artigo 201 versa:

“Promover tumulto, praticar ou incitar a violência ou invadir local restrito aos competidores ou aos árbitros e seus auxiliares em eventos esportivos: Pena – reclusão, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa.

            • 1º Incorrerá nas mesmas penas o torcedor que:

I – promover tumulto, praticar ou incitar a violência em um raio de 5.000 m (cinco mil metros) ao redor do local de realização do evento esportivo ou durante o trajeto de ida e volta do local da realização do evento;

II – portar, deter ou transportar, no interior da arena esportiva, em suas imediações ou no seu trajeto, em dia de realização de evento esportivo, quaisquer instrumentos que possam servir para a prática de violência;

III – participar de brigas de torcidas.

            • 2º Na sentença penal condenatória, o juiz deverá converter a pena de reclusão em pena impeditiva de comparecimento às proximidades da arena esportiva, bem como a qualquer local em que se realize evento esportivo, pelo prazo de 3 (três) meses a 3 (três) anos, de acordo com a gravidade da conduta, na hipótese de o agente ser primário, ter bons antecedentes e não ter sido punido anteriormente pela prática de condutas previstas neste artigo.
            • 3º A pena impeditiva de comparecimento às proximidades da arena esportiva, bem como a qualquer local em que se realize evento esportivo, converter-se-á em privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta.
            • 4º Na conversão de pena prevista no § 2º deste artigo, a sentença deverá determinar ainda a obrigatoriedade suplementar de o agente permanecer em estabelecimento indicado pelo juiz, no período compreendido entre as 2 (duas) horas antecedentes e as 2 (duas) horas posteriores à realização de provas ou de partidas de organização esportiva ou de competição determinada.
            • 5º No caso de o representante do Ministério Público propor aplicação da pena restritiva de direito prevista no art. 76 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, o juiz aplicará a sanção prevista no § 2º deste artigo.
            • 6º A pena prevista neste artigo será aumentada de 1/3 (um terço) até a metade para aquele que organiza ou prepara o tumulto ou incita a sua prática, inclusive nas formas dispostas no § 1º deste artigo, não lhe sendo aplicáveis as medidas constantes dos §§ 2º, 3º, 4º e 5º deste artigo.
            • 7º As penalidades previstas neste artigo serão aplicadas em dobro quando se tratar de casos de racismo no esporte brasileiro ou de infrações cometidas contra as mulheres

Neste caso, a possibilidade de aplicação da pena em dobro quando se tratar de caso de racismo afirma o combate ao crime discriminatório e visa a erradicação através de penas mais severas.

 

CONCLUSÃO

Em conclusão, a alteração da Lei Pelé e Nova Lei Geral do Esporte com a criação de novos dispositivos legais visam, no âmbito do combate à discriminação no esporte, aqui, especificamente, elaborar as políticas públicas de combate ao racismo no esporte, especialmente nos estádios de futebol.

Desta forma, tendo em vista a importância do esporte e das competições esportivas na vida e no imaginário da população brasileira, a necessidade de centralização das informações para fins de fiscalização, combate e punição se tornou preponderante ante a quantidade de casos existentes.

Assim, visando uma mudança profunda de hábitos e mentalidade social, a nova redação da Lei Geral do Esporte constitui-se como um acerto do país.

*O conteúdo do presente artigo não necessariamente representa a opinião do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo e da Academia Nacional de Direito Desportivo, sendo de total responsabilidade dos Autores deste texto.

[1] https://observatorioracialfutebol.com.br/casos-de-preconceito-contra-atletas-cresceram-40-nos-estadios-brasileiros-em-2022/

[2] https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2014-09/stjd-exclui-gremio-da-copa-do-brasil-por-racismo

[3] Marcelo Carvalho, diretor executivo do Observatório do Futebol

[4] https://ge.globo.com/mg/sul-de-minas/futebol/noticia/2023/05/22/ele-mostrou-a-sujeira-para-o-mundo-inteiro-diz-aranha-sobre-racismo-contra-vinicius-junior.ghtml

[i] Sócio do GMPR – Gonçalves, Macedo, Paiva e Rassi Advogados S/S; Pós Graduado em Direito Civil e Direito Empresarial pela Faculdade Damásio de Jesus – SP; Pós Graduado em Direito Desportivo pela Universidade Cândido Mandes; Curso de Formação Jurídica para Futebol da Confederação Brasileira de Futebol – CBF; Membro da Comissão Especial de Direito Desportivo da OAB Federal; membro Filiado do  Instituto Brasileiro de Direito Desportivo – IBDD; Membro da Comissão Jovem da Academia Nacional de Direito Desportivo – ANDD; Membro do Conselho Deliberativo da Sociedade Brasileira de Direito Desportivo – SBDD; Coordenador do Curso de Direito do Instituto de Direito Contemporâneo – IDC; Auditor do STJD do Thriatlon e Auditor do STJD do Skate.

[ii] Estudante de Direito da Universidade Federal de Goiás – UFG; Estagiário do GMPR – Gonçalves, Macedo, Paiva e Rassi Advogados S/A, Membro da Comissão de Direito Desportivo da OAB/GO.