Julia Gelli Costa¹
Membro Filiada ao Instituto Brasileiro de Direito Desportivo
Esse questionamento surge em decorrência da Medida Provisória nº 984², já amplamente discutida no meio desportivo, inclusive suas repercussões, até aqui mesmo na Coluna Jus Desportiva do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo.
Muitos foram os Autores que, evidentemente em razão do grande impacto da MP no desporto brasileiro e em diversos aspectos, escreveram recentemente acerca do tema. Destacam-se os textos da Dra. Danielle Maiolini³; e dos Drs. Rafael Ramos[fusion_builder_container hundred_percent=”yes” overflow=”visible”][fusion_builder_row][fusion_builder_column type=”1_1″ background_position=”left top” background_color=”” border_size=”” border_color=”” border_style=”solid” spacing=”yes” background_image=”” background_repeat=”no-repeat” padding=”” margin_top=”0px” margin_bottom=”0px” class=”” id=”” animation_type=”” animation_speed=”0.3″ animation_direction=”left” hide_on_mobile=”no” center_content=”no” min_height=”none”][4]; Cristiano Possídio[5]; Fabrício Trindade[6]; Rafael Bozzano[7] e Felipe Ezabella[8], confeccionados especificamente para este Projeto.
Contudo, a proposta do presente artigo é abordarmos o possível desdobramento da perda de mando de campo por força de Decisão da Justiça Desportiva no que tange a transmissão do evento desportivo, diante do que instituiu a MP nº 984.
Por razões óbvias e diante da falta de precedentes, trataremos o tema com base nos conceitos jurídicos desportivos e de modo hipotético. Não obstante, convém esclarecer que a grande maioria de juristas e especialistas do meio acreditam que a MP em debate irá caducar[9], mediante a expiração do texto perante o Poder Legislativo, em que pese o lobby existente composto por boa parte dos stakeholders do esporte, sobretudo do futebol, que anseiam por alterações quanto a legislação em referência.
A verdade é que a MP nº 984 foi polêmica desde a publicação em 18/06/2020, gerando diversos questionamentos tanto com relação a relevância e urgência, que seriam requisitos estabelecidos pelo artigo 62[10] da Constituição Federal para o instrumento adotado e sua constitucionalidade, como a ampla necessidade de debates prévios acerca das possíveis repercussões, envolvendo representantes das classes impactadas pelas alterações repentinas.
Para melhor contextualizar, a explicação da ementa da Medida Provisória em questão estabelece que: “Altera a Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998 (Lei Pelé), para estabelecer que pertencem ao clube (entidade de prática desportiva) mandante do jogo os direitos de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, do espetáculo desportivo. Determina que serão distribuídos, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo, cinco por cento da receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais, como pagamento de natureza civil, exceto se houver disposição em contrário constante de convenção coletiva de trabalho. Modifica, até 31 de dezembro de 2020, o período de vigência mínima do contrato de trabalho do atleta profissional, de que trata o caput do art. 30 da Lei nº 9.615, de 1998, para trinta dias. Revoga a proibição de que empresas detentoras de concessão, permissão ou autorização para exploração de serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, bem como de televisão por assinatura, patrocinem ou veiculem sua própria marca, bem como a de seus canais e dos títulos de seus programas, nos uniformes de competições das entidades desportivas.” [11] – Grifo nosso.
A vigência da MP fora prorrogada na sexta-feira, dia 14/08/2020, pelo Congresso Nacional, nos termos do parágrafo 7º[12], do artigo 62 da Constituição Federal. Portanto por mais 60 (sessenta dias).
Paralelamente as competições futebolísticas nacionais, em sua maioria, tiveram o início/retorno e, diante deste fato, somado a vigência da MP em questão, surgiram as discussões sobre o direito de transmissão e mando de campo.
Neste sentido, conforme o tema do presente texto, dos pontos que a Medida Provisória visa alterar, trataremos especificamente do Direito de Arena, “consistente na prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, de espetáculo desportivo de que participem” por parte das Entidades de Prática Desportiva, nos termos do artigo 42 da Lei nº 9.615/98, denominada como Lei Pelé, já que a MP estabelece que a única Agremiação detentora do Direito de Arena passa a ser, enquanto da vigência, apenas a Equipe Mandante.
Ocorre que, conforme já mencionado, e oportuno ilustrar face as quase 100 (cem) emendas à Medida Provisória em questão, o texto e consequências do instituto são extremamente polêmicos. Inúmeras são as, muito bem fundamentadas – diga-se de passagem, linhas de argumentação tanto a favor como contra a MP e, pelos mais diversos motivos. Vale aqui indicar a releitura dos outros artigos do projeto Coluna Jus Desportiva do IBDD elencados nas notas de rodapé do presente, para mensurar as diferentes abordagens e opiniões.
Inclusive, outra forma de constatarmos as divergências de interesses e percepções acerca do tema, sendo mais especificamente quanto a exibição, é através do acompanhamento dos litígios sobre os contratos de transmissão preexistentes e abrangência futura frente a MP. Cases como a Globo e Flamengo ou Athletico Paranaense; Turner; e até mesmo o imbróglio sobre os jogos finais do Campeonato Estadual Carioca, exemplificam a repercussão que pode ter tanto na Justiça Comum como também perante a Justiça Desportiva.
Entretanto, traz o presente texto a análise conjunta da Medida Provisória, no que dispõe sobre a titularidade do Direito de Transmissão do evento esportivo, traçando um paralelo com as normas referentes as competições.
Mais especificamente, em que pese a importância dos Regulamentos diversos, tendo em vista a pluralidade dos mesmos a depender da respectiva entidade de administração do desporto e modalidades, bem como competições, passemos a observar o Código Brasileiro de Justiça Desportiva[13] e suas implicações quanto ao “mando de campo”.
O CBJD possui nos seus artigos 114; 170; 175 e 213 a expressão “mando de campo”, enquanto que a MP determina como pertencente à entidade de prática desportiva “mandante” o direito de arena sobre o espetáculo desportivo. Ora, tendo em vista que o inciso VII do artigo 170 do CBJD elenca como uma das penas correspondentes às infrações disciplinares do Código Brasileiro de Justiça Desportiva a “perda de mando de campo”, conclui-se que há uma lacuna nesses casos, ainda que raros, de como será administrado o Direito de Arena uma vez que exclusivo ao Clube Mandante, segundo o teor da alteração instituída pela Medida Provisória, enquanto da sua vigência.
Certamente a pergunta será como já vinha sendo realizado o direito de arena antes da MP. Ocorre que a referida alteração propõe um debate mais amplo e profundo acerca das consequências da penalidade “perda de mando de campo”, na medida em que vincula expressamente a exclusividade do direito.
A definição de pena da perda de mando de campo, nos termos narrados pelo Doutrinador, Dr. Wagner Madruga do Nascimento, vide folha 242 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva – Comentários – Artigo por Artigo, que possui como coordenador o Dr. Ricardo Graiche, da Editora Quartier Latin, é no seguinte sentido:
“Já a perda de mando de campo impede a realização de eventos desportivos em local indicado pelo “mandante”, por um determinado número de partidas. A entidade de prática desportiva punida deverá realizar suas disputas em local determinado pela entidade promotora da competição.
Dentre as infrações que preveem a perda do mando de campo é possível citar o artigo 213, § 1º e 2º do CBJD, que tem o intento de garantir a segurança do evento desportivo e do torcedor.”
À título de curiosidade, tem-se o fato de que a aplicação da pena de perda de mando de campo em casos de condenação preconizada pelo artigo 213 do CBJD já fora obrigatória, porém passou a ser condicionada a critérios como “gravidade” e “prejuízo” ao andamento do evento esportivo, conforme a análise dos Excelentíssimos Auditores Julgadores da D. Justiça Desportiva. Vejamos:
“Art. 213. Deixar de tomar providências capazes de prevenir e reprimir:
I – desordens em sua praça de desporto;
II – invasão do campo ou local da disputa do evento desportivo;
III – lançamento de objetos no campo ou local da disputa do evento desportivo.
PENA: multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais).
§ 1º Quando a desordem, invasão ou lançamento de objeto for de elevada gravidade ou causar prejuízo ao andamento do evento desportivo, a entidade de prática poderá ser punida com a perda do mando de campo de uma a dez partidas, provas ou equivalentes, quando participante da competição oficial.
§ 2º Caso a desordem, invasão ou lançamento de objeto seja feito pela torcida da entidade adversária, tanto a entidade mandante como a entidade adversária serão puníveis, mas somente quando comprovado que também contribuíram para o fato.”
Há ainda a hipótese de “venda do mando de campo”, prática adotada por diversas Agremiações como mecanismo de fonte de renda. Diante da MP tal operação representará a venda dos direitos de transmissão também?
A verdade é que para além da possibilidade concreta de caducidade da Medida Provisória, não temos ainda respostas concretas para tais questionamentos, tanto sobre a pena de perda do mando de campo, como quanto as implicações práticas da possibilidade de os direitos de transmissão serem pactuados integralmente e exclusivamente através da venda do mando de campo.
Sendo assim, é aos questionamentos acima e respectivos debates que se predispõe o artigo em tela. Contudo, inexiste precedente ou norma expressa, ao menos por ora, que possa balizar um entendimento taxativo a respeito.
Portanto será necessário aguardarmos as diversas condicionantes acerca do tema, sobretudo a vigência da Medida Provisória, para que possamos concluir as respostas adequadas.
* O conteúdo do presente artigo não necessariamente representa a opinião do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, sendo de total responsabilidade da Autora deste texto.
¹ Advogada, Pós Graduada e Docente em Direito Desportivo; Pós Graduanda em Gestão do Esporte; Coordenadora Regional do IBDD; Procuradora da JAD – Justiça Desportiva Antidopagem; Subprocuradora-Geral do STJD do Futebol; Auditora do Pleno do STJD do Voleibol; Auditora do STJD dos Desportos Aquáticos; e Presidente do TJD-RJ do Remo; Membro da Diretoria da ANDDJ e Membro do Comitê Especial de Eventos do IIDD.
²http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2019-2022/2020/Mpv/mpv984.htm
³DIREITOS DE TRANSMISSÃO: DE ONDE PARTIMOS E ONDE QUEREMOS CHEGAR?
[4] MALA PRETA E MALA BRANCA: ILICITUDE TRABALHISTA DESPORTIVA E A MEDIDA PROVISÓRIA N.º 984, DE 2020
[5] DIREITO DE ARENA E OS ATLETAS NA MP 984
[6] DIREITO DE ARENA E OS IMPACTOS DA MEDIDA PROVISÓRIA N.º 984/20
[7] LEGISLAÇÃO DESPORTIVA E SUAS APLICAÇÕES AOS ÁRBITROS DE FUTEBOL
[8] Breves Considerações Sobre a Medida Provisória 984/2020
[9] https://www.uol.com.br/esporte/ultimas-noticias/2020/08/17/apos-45-dias-paralisada-congresso-prorroga-mp-do-mandante-por-mais-60-dias.htm
[10] “Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.” (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm)
[11] https://www.congressonacional.leg.br/materias/medidas-provisorias/-/mpv/142594
[12] “§ 7º Prorrogar-se-á uma única vez por igual período a vigência de medida provisória que, no prazo de sessenta dias, contado de sua publicação, não tiver a sua votação encerrada nas duas Casas do Congresso Nacional.” (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm)
[13] https://conteudo.cbf.com.br/cdn/201507/20150709151309_0.pdf
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