A polêmica sobre os direitos econômicos no futebol

09.08.2007
Com o advento da Lei Pelé, vínculo só existe enquanto contrato entre clube e atleta estiver em vigor
Guilherme Costa

 
A Lei Pelé extinguiu o passe no futebol brasileiro. E então, uma outra instituição surgiu para designar a ligação entre clubes e jogadores: o direito federativo. Contudo, o contrato de um atleta (como qualquer outro profissional) deve ser pautado apenas pela cláusula de rescisão unilateral.

O passe surgiu no Brasil durante o século XX, como forma de conter o fluxo constante de atletas para equipes nacionais e internacionais. “Além do contrato de trabalho por ser empregado do clube, o atleta passou a ostentar um vínculo desportivo – o que depois se convencionou como passe. Portanto, ele continuava ligado à equipe mesmo depois do término de seu contrato”, contou o advogado Domingos Sávio Zainaghi durante a quarta edição do Curso de Direito Desportivo do IBDD e da AASP, realizado na sede da AASP.

Zainaghi dissociou, contudo, a idéia do passe com a escravidão. Os dois conceitos são comumente ligados para defender a evolução do esporte em função da Lei Pelé: “Onde já se viu um escravo com salário tão alto e 15% de ganho sobre o valor de seu passe? Além disso, o atleta não era obrigado a fazer transferência nenhuma. O contrato ficava nas mãos do empregador, sim, mas não pode ser comparado com a crueldade de se manter um escravo”.

Com o advento da Lei Pelé, o vínculo desportivo entre jogador e clube se encerrou. Portanto, o que existe é um acordo de trabalho entre as duas partes. A rescisão desse acordo antes da data limite só pode ser feita de duas formas: se houver uma justa causa ou mediante o pagamento da cláusula penal.

“O que muda é que, no passado, mesmo depois do término do contrato de trabalho, o atleta precisava da autorização de sua equipe para mudar de clube. Atualmente, depois que o contrato acabou ele está liberado. E se ele não quiser esperar o término do contrato, basta fazer um depósito da multa, que é de 100 vezes o vencimento anual do jogador”, explicou Zainaghi.

Entretanto, o fim do passe no futebol ainda causa uma série de dúvidas. Durante o encontro de advogados promovidos pelo Instituto Brasileiro de Direito Desportivo e a Associação dos Advogados de São Paulo, esse foi o tema de maior repercussão e de maior polêmica.

“A legislação atual permite que um jogador assine um pré-contrato com outra equipe quando faltarem apenas seis meses para o término do vínculo dele com a equipe atual. Com isso, o assédio sobre jogadores que estão em fase final de contrato é enorme. Mas o procedimento mais correto é que o clube atual do jogador seja consultado antes do estabelecimento de uma negociação”, lembrou Eduardo Carlezzo, diretor do IBDD e também palestrante do evento realizado na sede da AASP.

Essas questões polêmicas acerca de transferências são problemas inerentes apenas ao futebol. Ao contrário das outras modalidades, o esporte mais praticado do país trabalha com contratos com prazos determinados e registro por escrito.

“Nas outras modalidades, a inscrição não se dá pelo contrato e sim por um formulário. Portanto, a parte escrita se torna facultativa. Mas o futebol só aceita registro de atletas que têm contrato em vigor com suas equipes e isso muda as coisas. Eu já fui a uma audiência de um jogador de basquete e, por causa disso e por causa do nome, me perguntaram se a Lei Pelé só se aplicava ao futebol. Mas a Lei Pelé vale para todos os esportes”, disse Zainaghi.

A mudança na legislação, aliás, não acabou com o passe em todos os esportes no Brasil. No Uruguai, por exemplo, o passe existia até a última temporada e a situação só mudou por conta de um litígio com a Fifa.

Os jogadores Gabriel Rodriguez e Bueno Suarez, ambos do Peñarol, tinham contrato até 31 de dezembro de 2004. No Uruguai existia uma questão de renovação automática do vínculo a não ser que as duas partes chegassem a um acordo para a rescisão. No dia 8 de março de 2005, os dois jogadores deixaram de treinar em sua equipe. No dia 19 de julho, assinaram com o Paris Saint-Germain.

De acordo com a legislação uruguaia, a atitude dos dois jogadores foi errada. Contudo, as normas francesas (que seguem o que acontece em toda a Europa) não aceitavam mais a existência do passe. No meio da celeuma, o caso chegou à Fifa, que o submeteu a um tribunal de Zurique (na Suíça, sede da Fifa).

Como Zurique fica na Europa e o passe não existe por lá, prevaleceu o direito vigente na França. E assim, os clubes uruguaios também aboliram a idéia do passe. “Eles precisaram voltar atrás em todas as implementações que haviam feito com esse conceito. O direito suíço do trabalho é que baliza questões como essa e acabou mudando o futebol no Uruguai”, finalizou Carlezzo.

Fonte: Universidade do Futebol

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *