Henrique Soares Pinto¹
Membro Filiado ao Instituto Brasileiro de Direito Desportivo
No corrente ano de 2020, em que muitos assuntos relevantes acabaram perdendo parte de seu protagonismo em razão da pandemia de COVID-19, acredita-se que o tema responsabilidade social passou a ostentar caráter de ainda mais importância na sociedade.
Aliás, e como sabido, a pandemia supramencionada trouxe reflexos até então inimagináveis, sendo capaz de, por exemplo, fazer o “calendário desportivo” ser suspenso e, em alguns casos, simplesmente cancelado, situação que, em que pese não seja inédita, é muito difícil de acontecer.
Isso porque o esporte, o que inclui o desporto de prática profissional, geralmente consegue sobreviver sem alterações bruscas em seus respectivos calendários a situações que atingem gravemente a sociedade, tais quais, a título exemplificativo, guerras, crises econômicas, crises sanitárias e etc.
Em se tratando da COVID-19, contudo, não foi possível passar incólume, uma vez que não é exagero afirmar que o mundo todo sofreu (e ainda sofre) as consequências da pandemia e, outrossim, não se tem notícias de alguém que, ainda que minimamente, não tenha sido atingido em sua rotina pela mudança de cenário ocorrida.
Tempos não tão auspiciosos, no entanto, servem também para que sejam feitas reflexões sobre assuntos que muitas vezes acabam superados por matérias pretensamente mais importantes.
Diante do exposto, verifica-se que a temática acerca da responsabilidade social pode ser enquadrada nesse hipotético rol, de modo que, pois, serve o presente escrito para que sejam realizadas algumas considerações sobre tão importante tópico, desta vez aliado e conectado ao cenário desportivo.
Em complementação ao disposto acima, inobstante, o conteúdo aqui disposto não tem a pretensão de ser definitivo, de modo que o objetivo principal do texto é justamente fomentar debates e reflexões sobre a matéria.
Antes de tratar especificamente da responsabilidade social inserida no ambiente desportivo, contudo, entende-se como pertinente conceituar, ainda que de maneira breve e em linhas gerais, o instituto “responsabilidade social”.
Responsabilidade social, pois, pode ser considerada como a prática de ações e a adoção de comportamentos e posturas em geral com a finalidade de contribuir para um “bem maior”, para a sociedade e, em se tratando de pessoas jurídicas, tanto para o denominado “público externo” quanto em se tratando do intitulado “público interno”.
Ante o exposto, o primeiro questionamento que pode ocorrer é acerca da aplicabilidade da responsabilidade social no âmbito desportivo e, de modo mais específico, em relação ao desporto de prática profissional.
O entendimento ora exposto, então, é tanto no sentido de que a responsabilidade social é, sim, uma obrigação das entidades desportivas quanto, ao mesmo tempo, tal responsabilidade vai além do “simples” cumprimento do que determina o ordenamento jurídico.
Ou seja, além do claro dever das entidades de administração do desporto e das entidades de prática desportiva em cumprir o que determina a legislação, acredita-se que, diante da relevância e da importância social da prática desportiva – notadamente a modalidade do futebol profissional em se tratando de Brasil –, as entidades desportivas podem (e muitas vezes têm o dever) de ir além do estrito cumprimento de obrigações legais.
Neste ponto, aliás, vale lembrar que as entidades, por sua natureza, não agem por si e atuam por meio de seus representantes, executivos e etc., motivo pelo qual acredita-se que os profissionais da indústria desportiva igualmente devem dispor de consciência e de responsabilidade sociais.
Posto isso, e indo além, acredita-se que as entidades desportivas não devem enfocar somente no que determina a legislação para fins de que determinada entidade de prática desportiva, por exemplo, seja considerada um “clube formador”, mas tais entidades podem e devem agir em sentido mais amplo, de acordo com o nível e o alcance social que têm.
Ou seja, agir voluntariamente no sentido de ir além daquilo que é obrigação e trará somente proveitos próprios, no intuito de também alcançar e trazer vantagens para outro(s) público(s), talvez seja a maior característica e, ao mesmo tempo, o maior benefício da responsabilidade social.
É claro que não se defende a ausência de interesse das entidades desportivas em alcançar os seus objetivos próprios, até mesmo porque isso feriria ao menos um dos princípios do desporto de prática profissional, qual seja, por exemplo, a competitividade.
No entanto, também parece cristalino e óbvio que a rivalidade no âmbito de competição e a responsabilidade social perante a sociedade e os públicos externo e interno não são antagônicos, sempre sendo respeitadas as especificidades de cada modalidade e de cada entidade desportiva.
Como consequência ao disposto até aqui, outrossim, não se está afirmando que todas as entidades desportivas devem agir de maneira absolutamente igual, uma vez que cada uma tem a sua realidade e dispõe de condições específicas, sejam elas em caráter financeiro, de pessoal e/ou etc.
O que se está afirmando é que, diante da realidade de cada entidade desportiva, é importante que haja um voluntário engajamento social cada vez maior, tanto para fins de contribuir com o núcleo social que se está inserido, mas também para, como uma consequência, igualmente auferir benefícios de tal conduta responsável socialmente.
Em outras palavras, além de cumprir com o que determina o ordenamento jurídico e agir apenas no sentido de executar ações que possam trazer benefício exclusivo para a entidade desportiva, é importante que ações sejam realizadas com o intuito de beneficiar a comunidade e todos aqueles que podem ser alcançados pela atuação da entidade desportiva, isso sem que o objetivo final seja necessariamente obter alguma vantagem com tais ações socialmente responsáveis, ainda que, de maneira bastante provável, benefícios sobrevirão.
Como exemplo, tem-se que ações relativamente simples de engajamento social em campanhas de adoção, vacinação, doação e/ou etc. automaticamente geram a simpatia da comunidade e acabam por agregar valor à marca.
Outrossim, na mesma linha de ações simples, tais movimentações das entidades desportivas acabam também gerando ainda mais visibilidade (nesse ponto, de uma maneira diferenciada e destacada) para marcas que já possuem certo apelo.
Com isso, e mesmo que esse possa não ser o foco principal, é consequência que a entidade saia mais fortalecida perante a sociedade, os parceiros, os patrocinadores e etc. em se tratando do chamado “público externo”.
Ainda, além de reflexos positivos perante aqueles que podem não participar de maneira direta da entidade desportiva, ações de responsabilidade social perante o intitulado “público interno” também geram efeitos muito benéficos não somente para as pessoas, mas igualmente para as próprias entidades, tais quais, por exemplo, funcionários mais motivados e, como consequência, a tendência de obtenção de resultados melhores.
Isso tudo aliado ao fato de que entidades socialmente responsáveis tendem a ser mais atrativas para os profissionais do mercado, ponto este que, em se tratando de segmentos tão competitivos como, por exemplo, a indústria desportiva, certamente trata-se de mais um grande diferencial.
Ao encaminhar para o final do presente escrito, entende-se como relevante não confundir responsabilidade social com filantropia, uma vez que a filantropia parece ser caracterizada muito mais como um ato de bondade, generosidade, caridade com outrem, ao passo que a responsabilidade social, por seu turno, não se trata de uma ação ou ato isolado, mas sim de um processo contínuo e que, de modo ideal, faz parte do “DNA” da entidade.
Por óbvio, também é muito importante não confundir responsabilidade social com viés político.
Finalmente, a pergunta que pode surgir é se vale a pena o engajamento e as ações de responsabilidade social também no âmbito desportivo, e a resposta é que, sob qualquer ótica, a resposta que se entende como mais adequada é aquela no sentido afirmativo, de modo que as entidades desportivas, respeitadas as suas respectivas realidades e particularidades, não devem encarar ações de responsabilidade social como fardo e/ou como custo, mas sim como investimento e, ademais, como oportunidade de fazer diferente e contribuir para uma sociedade melhor.
* O conteúdo do presente artigo não necessariamente representa a opinião do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, sendo de total responsabilidade do Autor deste texto.
¹ Gestor do Esporte e Advogado. Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais. Pós-Graduado em Gestão do Esporte, Marketing Esportivo e Direito Desportivo. Especialista em Gestão de Futebol e em Gestão de Clubes de Futebol. Sócio, Coordenador Regional e Membro Filiado ao Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD). Membro da Comissão Especial de Legislação e Direito Desportivo (CELDD) da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do Rio Grande do Sul (OAB/RS). Sócio Fundador, Presidente Executivo e Coordenador-Geral do Núcleo de Gestão do Esporte do Instituto Riograndense de Gestão e Direito Desportivo (IRGDD). Ex-Auditor da Primeira Comissão Disciplinar do Tribunal de Justiça Desportiva de Futebol do Rio Grande do Sul (TJD/RS – Futebol). Ex-Auditor Presidente da Comissão Disciplinar e Auditor do Pleno do Tribunal de Justiça Desportiva de Rugby do Rio Grande do Sul (TJD/RS – Rugby).