A União Européia e o Desporto

A União Européia e o Desporto

O desporto é uma das actividades humanas mais praticadas em todo o mundo. Por dinheiro ou por prazer, regular ou ocasionalmente, milhões de pessoas na União Europeia participam em várias formas de actividade desportiva. Alguns praticam modalidades individuais, como a pesca, o jogging ou a bicicleta. Outros preferem jogos de equipa, como o futebol, o rugby ou o basquetebol.

O desporto pode melhorar o bem-estar físico de um indivíduo e ajuda a desenvolver uma vasta gama de capacidades pessoais que são úteis na vida diária, como o vigor físico e o espírito de equipa. O desporto atrai muitas pessoas a organizações e associações, propiciando o envolvimento activo em iniciativas culturais e o exercício de responsabilidades democráticas, lança uma ponte sobre as diferenças nacionais e culturais, ajuda a integração social dos deficientes e aproxima as pessoas, quer como participantes, quer como espectadoras. Resumindo, é uma maneira excelente de promover a compreensão internacional – um objectivo fortemente apoiado pela União Européia.

Mas o desporto profissional é igualmente um negócio importante. Há milhões de ecus e milhares de postos de trabalho em jogo. O interesse financeiro não se resume aos resultados afixados nos estádios de futebol ou ao que se passa no interior dos recintos desportivos, alargando-se também à transmissão de direitos, ao patrocínio de produtos e às outras actividades a jusante.

A União Europeia não pretende envolver-se no mundo do desporto apenas por ele próprio. Não quer duplicar o que já está a ser feito, nem tenta fazer o que melhor pode ser feito a nível nacional e regional. Mas pode utilizar a sua influência para reunir as pessoas envolvidas no desporto, levando-as a trocar ideias e a promover as melhores práticas. Pode incentivar actividades específicas, como desportos para pessoas deficientes. Pode igualmente assegurar que, quando o desporto é uma actividade económica genuína, as regras da UE são inteiramente aplicadas. Em suma, há um vasto campo de actividades da UE com implicações directas no mundo desportivo.

O APOIO DA UNIÃO EUROPEIA AO DESPORTO

A acção da União Europeia em prol do desporto não constitui uma novidade. Remonta há vários anos e continua a expandir-se. Num total de 24 direcções-gerais da Comissão Europeia, 20 lidam regularmente com políticas que têm directamente a ver com o desporto. Estas actividades vão desde a livre circulação das pessoas até ao financiamento e à tributação dos desportos.

As regras de concorrência da União, por exemplo, podem ter incidência directa nos direitos de transmissão pela televisão. A legislação da União em matéria de publicidade tem implicações no financiamento dos eventos desportivos. A criação de um mercado único de seguros europeu abre a possibilidade de contrair apólices de seguro contra acidentes desportivos com companhias estabelecidas noutros Estados-Membros.

No plano do combate da União Europeia para reduzir o desemprego, o sector dos desportos é daqueles em que podem ser criados novos postos de trabalho e em que a UE pode recolher bons resultados do seu apoio em termos de investimentos para infra-estruturas, novas tecnologias, ensino e programas de intercâmbio. Existem actualmente possibilidades de trabalho para peritos em novos desportos, em clínicas especializadas em medicina desportiva e em equipamentos termais, beneficiando do interesse crescente mostrado pelas pessoas que procuram manter-se em forma, apesar da idade.

O sector dos artigos desportivos, tanto vestuário como equipamentos ou jogos, é um bom exemplo da estreita relação que existe actualmente entre a indústria e a União. O sector emprega cerca de 40 000 pessoas nos 15 Estados-Membros e os fabricantes devem acompanhar os progressos realizados na UE para harmonizar padrões, proteger direitos de propriedade intelectual e reforçar a política de concorrência. As suas actividades serão igualmente afectadas pelo volume de artigos desportivos que a União permite importar de vários países em vias de desenvolvimento e pela legislação em matéria de normas de concepção e fabrico, publicidade enganosa e instruções para os utilizadores.

O principal interesse da Comissão em matéria desportiva consiste em manter um diálogo activo e permanente com todos os intervenientes sobre questões de interesse comum. A informação deve circular em ambos os sentidos. A União precisa de conhecer as preocupações e opiniões do mundo do desporto ao preparar as novas regras da UE, enquanto as autoridades desportivas devem estar ao corrente de posições da União que afectarão as suas actividades.

Desde 1991, tal diálogo tem tido principalmente como palco o Fórum Europeu dos Desportos anual, que assegura uma melhor coordenação entre o mundo do desporto e a Comissão. Reúnem-se neste fórum pessoas envolvidas no desporto, desde funcionários ministeriais nacionais e representantes de organizações não-governamentais até delegados de federações europeias e internacionais. Temas habitualmente em discussão são: questões de saúde e segurança, fundos para o ensino, a criação de empregos no sector desportivo e a eventual inclusão de um artigo específico sobre o desporto na revisão do Tratado de Maastricht.

Estes contactos multilaterais são reforçados por reuniões bilaterais entre a Comissão e as organizações desportivas europeias e nacionais. Criou-se a prática de realizar reuniões semestrais dos responsáveis pelo desporto a nível europeu para desenvolver a cooperação.

O Parlamento Europeu desempenha igualmente um papel importante na criação de uma ponte entre o desporto e a União Europeia. Estes contactos devem-se principalmente à Comissão Parlamentar da Cultura, Juventude, Educação e Comunicação Social. Mas, desde 1992, um grupo horizontal de deputados europeus de vários grupos políticos tem promovido reuniões regulares para examinar as implicações da evolução da União Europeia a nível dos desportos.

Outro importante interveniente neste fluxo bilateral de informações é o “help desk” especial da Comissão, SPORT INFO EUROPE, que pode auxiliar os interessados, tanto dentro como fora da instituição, a encontrar a informação de que necessitam nos variados departamentos da Comissão e actua como um canal útil para facultar ideias e dados aos decisores. Para contactar o SPORT INFO EUROPE: tel. (32-2) 296 92 58 e fax (32-2) 295 77 47.

O objectivo da União é promover o “desporto para todos”. Em 1996, a Comissão consagrou um orçamento de 3,5 milhões de ecus para enfrentar este desafio, tendo dedicado especial atenção a dois programas específicos.

O Eurathlon foi lançado pela Comissão em 1995 com o propósito de facultar um enquadramento para os subsídios da UE às diferentes modalidades desportivas. O seu objectivo global consiste em utilizar o desporto como um veículo para favorecer o entendimento entre as pessoas e, assim, derrubar barreiras sociais e promover a educação para a saúde. Vários dos projectos têm objectivos específicos, tais como combater o desemprego, o racismo e a violência ou promover a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres. Outros estão antes orientados para programas de formação para dirigentes e atletas e para encorajar os intercâmbios no plano desportivo.

No seu primeiro ano, o programa dispôs de um orçamento de 700 mil ecus e apoiou mais de 80 projectos seleccionados por júris independentes em numerosas modalidades desportivas. Em 1996, apoiou 175 projectos, abrangendo 50 modalidades diferentes, desde atletismo e patinagem até esgrima, voleibol, remo e pára-quedismo. A modalidade mais popular foi o futebol. Todos os projectos envolveram indivíduos, atletas ou dirigentes, de três Estados-Membros da UE, pelo menos.

O Desporto para pessoas deficientes traduz claramente a convicção da União de que todos os seus cidadãos devem ter as mesmas oportunidades independentemente das suas origens ou capacidades individuais. Cerca de 10% da população da União – mais de 36 milhões de pessoas – sofre de uma ou outra forma de deficiência, tanto física como mental ou sensorial.

A gama de actividades apoiadas pela União no quadro deste programa testemunha do ânimo, da dedicação e das capacidades de atletas que ultrapassaram as suas tragédias pessoais de forma a afirmarem-se no campo desportivo. Entre as manifestações de maior relevo incluem-se os Jogos Para-olímpicos de Inverno em Lillehammer, o Campeonato Europeu de Basquetebol em cadeira-de-rodas, o Campeonato Europeu de Atletismo para Cegos e os Jogos Para-olímpicos de 1996 em Atlanta. Mas são também encorajadas outras actividades. O programa permitiu igualmente que cerca de 80 pessoas com corações transplantados participassem nos “20 quilómetros” de Bruxelas, enquanto vários desportistas deficientes participaram numa prova de estafetas de 1 500 quilómetros entre Paris e Santiago de Compostela pelo caminho da peregrinação e num congresso na Alemanha para mais de 400 delegados sobre reabilitação pelo desporto.

Outras iniciativas:
• Uma campanha conjunta com o Conselho da Europa contra as drogas no desporto. Foi editado um guia do “desporto sem doping” que inclui informações e conselhos para atletas, professores, treinadores e médicos.
• Medidas para eliminar restrições à importação temporária de equipamentos desportivos para competições ou outras manifestações.
• Legislação específica sobre animais utilizados no desporto, como cães, cavalos e pombos.

A LEGISLAÇÃO EUROPEIA E O DESPORTO

Um acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de Dezembro de 1995 firmou jurisprudência no sentido de que a legislação europeia, que põe a tónica na liberdade de circulação das pessoas e institui o princípio fundamental da não-discriminação em razão da nacionalidade, é também válida para as actividades económicas, entre as quais o desporto profissional. O processo dizia respeito ao futebol e a um jogador profissional belga, Jean-Marc Bosman. Mas teve repercussões muito mais amplas.

A decisão confirmou inequivocamente que os princípios fundamentais da União destinados a abolir os obstáculos que impedem os trabalhadores ou os seus familiares de trabalhar noutro Estado-Membro também são aplicáveis aos desportos profissionais. Os direitos de transferência após a expiração dos contratos são agora considerados obstáculos ilegais.

O caso teve já um grande impacto no domínio do futebol cujas organizações foram obrigadas a alterar o sistema de transferências entre Estados-Membros (embora o sistema possa permanecer em vigor dentro do mesmo Estado-Membro).

Este caso terá implicações noutros desportos, como o hóquei, o rugby, o basquetebol ou o judo. As associações e os dirigentes desportivos poderão igualmente ter de reconsiderar as estruturas complexas que frequentemente existem entre jogadores profissionais, semi-profissionais e amadores. A decisão do Tribunal de Justiça implica mudanças no mundo do desporto não só nos 15 Estados-Membros da UE, mas também na Noruega, na Islândia e no Liechtenstein, a ela ligados pelo Espaço Económico Europeu.

O caso Bosman é o melhor exemplo do impacto da União Europeia no desporto. Mas não é, de forma alguma, um caso único.

As regras da política de concorrência da União foram aplicadas pela primeira vez às vendas de bilhetes para manifestações desportivas em 1990. Enquanto os adeptos do futebol se preparavam para a Taça do Mundo, a Comissão Europeia decretou que o acordo mediante o qual um operador de viagens detinha direitos exclusivos de venda de bilhetes de entrada como parte de uma viagem organizada ao principal acontecimento futebolístico mundial era um acordo de distribuição exclusiva que restringia a concorrência em detrimento dos adeptos do futebol. Estes passaram a poder optar entre vários distribuidores para adquirir bilhetes ou viagens organizadas para desafios de futebol, encontros de atletismo ou outras importantes manifestações desportivas.

A legislação europeia também garante que os instrutores desportivos que seguiram formação e obtiveram qualificações profissionais reconhecidas num Estado-Membro da UE terão as suas qualificações reconhecidas nos outros Estados-Membros sem necessidade de se submeterem a uma série de testes. Este sistema de reconhecimento mútuo, por exemplo, permite que instrutores de ténis formados no Reino Unido ou na Áustria possam ensinar essa modalidade na França ou na Itália.
A legislação da UE em matéria de radiodifusão transfronteiras, grande parte da qual envolve programas desportivos, estabelece exigências em matéria de publicidade televisiva e patrocínio. Nomeadamente, está proibida a publicidade de produtos do tabaco em manifestações desportivas. Estão em curso diligências para estabelecer regras à escala da UE no respeitante à difusão por satélite e à retransmissão por cabo.

A União está igualmente atenta aos acordos para transmissão exclusiva de acontecimentos desportivos e ao desenvolvimento de canais de televisão de acesso pago para assegurar a protecção dos interesses gerais dos telespectadores. Em 1996, o Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias, no Luxemburgo anulou uma decisão que concedia à União Europeia de Radiodifusão, e aos 67 canais públicos que dela são membros, direitos exclusivos para a transmissão de acontecimentos desportivos.

O CASO BOSMAN

Jean-Marc Bosman era um futebolista profissional belga que anteriormente actuava no R. C. Liège. Em 1990, entrou em conflito com o seu clube, que jogava então na primeira divisão da Bélgica e foi suspenso durante a época de 1990-1991. O jogador moveu uma acção no Tribunal contra o seu clube – e, mais tarde, contra a Federação Belga de Futebol e contra a Associação Europeia de Futebol, UEFA – com base no facto de as regras da UEFA-FIFA em matéria de transferências o impedirem de se transferir para um clube francês, o US Dunkerque.

O futebolista belga impugnou a regra do pagamento de direitos de transferência por um clube após o termo do contrato com o clube anterior. Também pôs em questão a prática generalizada de limitar a três o número de outros jogadores nacionais da UE em cada equipa, mais outros dois considerados assimilados por terem jogado no mesmo país ininterruptamente durante um período de cinco anos (a regra 3 + 2).

O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias baseou a sua decisão no artigo 48.° do Tratado de Roma, que garante a liberdade de circulação das pessoas no seio da União, determinando que os direitos de transferência (excepto quando se trate de transferências dentro do mesmo Estado-Membro) afectam directamente o acesso dos futebolistas ao mercado de trabalho noutro Estado-Membro da UE. Verificava-se, assim, um obstáculo à livre circulação dos trabalhadores, ilegal perante o Tratado. O Tribunal excluiu também qualquer limitação ao número de outros jogadores da UE que podem inscrever-se num clube, com base no facto de esta regra restringir as possibilidades de um futebolista de encontrar trabalho num clube de outro Estado-Membro. A exclusão de jogadores estrangeiros, no entanto, continua a ser permitida nos jogos entre selecções nacionais de futebol. Após considerar as consequências desta histórica decisão, a UEFA aceitou-a em Fevereiro de 1996 e começou a adaptar as suas regras.

VANDALISMO

Infelizmente, o desporto, e particularmente o futebol, também pode ter o seu lado anti-social e perigoso, devido ao comportamento violento de pequenos grupos de adeptos que estragam o divertimento e põem em perigo a vida da maioria. Dado que as disposições comunitárias em matéria de livre circulação das pessoas tornam mais fácil viajar de um Estado-Membro da UE para outro, o fenómeno está em expansão. A União Europeia tem vindo a considerar meios de prevenir meios para prevenir o vandalismo, designadamente tendo em vista os preparativos para a Taça do Mundo de 1998 em França.

Em Março de 1996, os governos da UE adoptaram uma estratégia comum, envolvendo a troca de informações sobre agitadores conhecidos, a avaliação dos riscos globais, informações sobre acordos em matéria de transportes e uma rede de ligação de funcionários especializados no combate ao vandalismo. Estas medidas devem estabelecer um equilíbrio entre a protecção da ordem pública e o respeito pelos direitos individuais e pelas regras comunitárias em matéria de livre circulação e de não-discriminação em razão da nacionalidade.

O Parlamento Europeu definiu a necessidade de uma perspectiva coordenada na UE em matéria de venda de bilhetes, consumo de álcool nas instalações desportivas e concepção e segurança dos recintos desportivos. O Parlamento organizou reuniões com os representantes das associações de futebol, as federações de polícia e outros intervenientes nas manifestações desportivas, com vista à adopção de medidas eficazes.

O FUTURO

Como se tem revelado nos últimos anos, a União Europeia tem um impacto crescente no desporto. A UE continuará a utilizar os seus recursos para incentivar actividades desportivas específicas. Actuará igualmente como árbitro para assegurar a correcta aplicação da legislação comunitária, permitindo a todos um tratamento razoável e iguais oportunidades. Na perspectiva do alargamento da União, o desporto será uma ponte útil entre os povos dos Estados-Membros actuais e futuros. Por todas estas razões, é importante que o diálogo e os contactos entre a União e o mundo do desporto sejam bem coordenados e tão sinceros e construtivos quanto possível.

DESPORTO E ESTATÍSTICAS

O desporto é uma importante actividade de lazer e uma fonte de emprego
• Cerca de 125 milhões de cidadãos da UE participam numa ou outra modalidade desportiva, isto é, mais de uma pessoa em cada quatro. O desporto absorve cerca de 2% das despesas dos agregados familiares e tem um amplo potencial de crescimento.
• Um estudo detalhado na Alemanha mostra que há 85 mil clubes e organizações desportivas neste país, que cerca de 700 mil postos de trabalho dependem do desporto e que este fornece cerca de 1,4% do PNB alemão.
• A França calculou que podiam ser criados no sector do desporto até ao final do século 15 000 novos postos de trabalho.
• O desporto significa frequentemente economias nos serviços médico-sanitários.
• Os estudos efectuados revelam que os homens dedicam ao desporto, em média, 10 minutos nos dias de trabalho e 15 minutos nos fins-de-semana. Para as mulheres, os números são de 5 minutos e 6 minutos, respectivamente.
• Há diferenças importantes dentro da União. As mulheres suecas dedicam ao desporto, em média, oito minutos e meio por dia. Na Grécia, o número correspondente é inferior a um minuto.

O PONTO DE VISTA DO PARLAMENTO EUROPEU

O desporto já não é hoje considerado uma actividade secundária e desnecessária, como outrora se pensava. O desporto é uma parte integrante do ensino e da cultura, desempenhando um papel económico de primeiro plano. O desporto desperta paixões – umas saudáveis, outras menos – e pode envolver enormes somas de dinheiro. Os casos relativos ao desporto chegam cada vez com maior frequência aos tribunais superiores. Poucas outras actividades podem igualar o desporto no respeitante à integração social. Em Março de 1996, quando o Parlamento Europeu definiu as suas prioridades para a Conferência Intergovernamental, declarou que “o desporto deve ser incluído no Tratado Europeu, no contexto do ensino, da formação e da política de emprego, assim como da política cultural. A União deverá encorajar, em especial, as iniciativas transnacionais, respeitando as identidades desportivas nacionais”.

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