A vulnerabilidade dos atletas profissionais

Edio Leitão 

De acordo com o artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor, consumidor é “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. A importância e relevância dessa definição se traduz no fato de revelar o sujeito de direito a ser protegido pela lei, tanto que duas teorias, finalista e maximalista, buscam explicar seu conteúdo, mormente o sentido de “destinatário final”, malgrado este não seja o único determinante.

Em escorço, para a teoria finalista, consumidor é o destinatário fático, que adquire o bem ou produto retirando-o definitivamente da cadeia econômica e o destinatário econômico, que não adquire para revenda, ou uso profissional, sendo que o produto ou serviço se exaure no próprio consumidor com escopo de satisfazer suas necessidades próprias [1].

Já para a teoria maximalista, destinatário final seria o destinatário fático do produto, que poderia adquiri-lo e revendê-lo com escopo de lucro. Malgrado defendermos a primeira corrente já que pela segunda tudo seria relação de consumo, a incidência do CDC não se pauta apenas no critério do destinatário final, mas também a partir de uma análise teleológica, em que o escopo é dar maior proteção àqueles que se encontram em condições de “desigualdade/vulnerabilidade” fática, técnica e informativa dentro mercado de consumo, sem condições de equivalência.

Com efeito, dentro dessa elaboração teleológica, não haveria como excluir um atleta profissional do conceito de consumidor, pelo simples fato de ser “profissional”, porque a sua vulnerabilidade no mercado de consumo se apresenta quando ele adquire um produto ou bem fora da sua área de conhecimento e/ou especialização.

O exemplo que citaremos serve apenas como um paradigma para nortear o escopo central deste artigo, já que sua ratio também pode ser utilizada em outras situações. Infelizmente há tempos que notícias sobre o doping de atletas profissionais vêm fazendo parte das manchetes esportivas. Atletas imbuídos pela necessidade do sucesso a “curto prazo” e despidos do espírito ético/esportivo, dolosamente, utilizam-se de substâncias proibidas para melhorar seu rendimento esportivo e com isso ganhar vantagem sobre seus adversários.

Não obstante, há casos de doping em que o atleta não ingere uma substância proibida por livre e espontânea vontade, mas, por descuido ou por culpa de terceiros. Fato recente e amplamente divulgado foi o caso do nadador César Cielo, que em exame realizado no Troféu Maria Lenk, no início de maio, foi acusado do uso da furosemida, um diurético que esconde outras substâncias proibidas.

Segundo informações veiculadas, a farmácia de manipulação que produz suplementos para o nadador assumiu a culpa pelo exame positivo do campeão olímpico e mundial. A empresa mandou um relatório à Confederação Brasileira de Desportes Aquáticos (CBDA) avisando que causou a contaminação das cápsulas de cafeína ingeridas pelo atleta.

Não identificada culpa ou negligência por parte do atleta, o painel de Controle de Doping instaurado pela CBDA optou por “advertência”, ratificado posteriormente pela CAS (Corte Arbitral do Esporte).

Especificamente no caso em tela, seria o nadador um consumidor final e vulnerável ou deveria ter conhecimento técnico sobre projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de bens/produtos, principalmente de seus suplementos alimentares?

Entendemos que é sim consumidor final, porque destinatário fático e econômico já que o produto adquirido não será novamente inserido na cadeia de consumo, bem como vulnerável, pois o produto que adquiriu está fora da sua área de expertise [2], principalmente porque sua “profissionalização” não está fática ou tecnicamente apta e voltada para fiscalização do processo de produção de um produto. Não há lógica em querer equiparar um suplemento alimentar a um insumo de produção, mas, mesmo que isso fosse crível, em determinadas situações seria perfeitamente possível reconhecer a vulnerabilidade e a qualidade de consumidor final, quando o produto adquirido estiver alheio à sua área de especialidade.

Reflexamente, no caso do nadador, eventuais prejuízos patrimoniais e morais podem ser integralmente reparados, pois consoante inciso VI do artigo 6º do CDC, é direito básico do consumidor “a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”. Entrementes, não é somente a reparação dos danos que deve ser efetiva, como também a prevenção, pois o código tem por escopo proteger não somente o consumidor concretamente lesado, mas também, outros potenciais consumidores que poderão ser vítimas da ineficiência da elaboração/produção do produto ou serviço prestado. Dentro dessa lógica, o fornecedor e ou prestador de serviços passará a adotar medidas preventivas mais eficientes e seguras.

Por fim, a vulnerabilidade do atleta profissional no mercado de consumo deve ser prestigiada, principalmente pelos “experts” em pré-julgamentos sensacionalistas.

Bibliografia

[1]BENJAMIM, Antônio Herman; MARQUES, Cláudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. MANUAL DE DIREITO DO CONSUMIDOR. 2ª ed. São Paulo: RT 2008, p. 71.

[2] BENJAMIM, Antônio Herman; MARQUES, Cláudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Op. cit. p. 73.

Edio Hentz Leitão. Advogado. Pós Graduado em Direito Civil e Processo Civil(UGF), Cursando Gestão e Direito Desportivo pela SATeducacional. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo.

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