Em 2015, Corinthians e São Paulo já se enfrentaram duas vezes, e ao menos mais três confrontos estão garantidos até o fim da temporada – dependendo do desempenho das equipes, outros seis Majestosos podem ocorrer pelos mais distintos torneios. Só que, por cláusula estipulada em contrato, o atacante Alexandre Pato não pode enfrentar o ex-time, a não ser que o time tricolor pague a multa prevista de R$ 5 milhões.
No entanto, existe uma possibilidade jurídica de o jogador, se assim quiser, buscar liminar na Justiça do Trabalho para entrar em campo. De acordo com o advogado João Henrique Chiminazzo, que representa diversos jogadores e trabalhava com o Movimento Bom Senso F.C. até o ano passado, as cláusulas que impedem atletas de atuarem contra determinadas equipes ferem o direito profissional do jogador de futebol.
“O atleta tem o direito de exercer livremente sua profissão, sem nenhum impedimento. Quando ha cláusula em contrato de que não pode enfrentar outro clube, essa cláusula fere o direito dele de exercer livremente sua profissão, e isso que se questiona. Independente de como essa cláusula vai estar”, afirmou o advogado ao ESPN.com.br.
Alexandre Pato pertence ao Corinthians, mas está emprestado ao São Paulo desde o começo do ano passado, em transação que envolveu a ida do meia Jadson ao Parque São Jorge. Com vínculo até o fim deste ano no time tricolor, Pato não atuou até agora em nenhum dos clássicos contra o clube de Itaquera desde que chegou ao Morumbi.
Para o advogado João Chiminazzo, impor determinada condição para o atleta poder trabalhar é proibido e inconstitucional, e o atleta poderia buscar seu direito na Justiça.
“Tem clube que coloca diretamente que o cara não pode jogar, tem clube que coloca multa, então você está pondo uma condição para ele poder trabalhar, e isso é proibido. Se entrar com ação e pedido de liminar dizendo que tem o direito de trabalhar onde quiser, creio que ele consegue”, explicou.
Uma das maiores autoridades em direito desportivo do país, a advogada Gislaine Nunes também concorda que a cláusula é polêmica e inconstitucional.
“Existe a possibilidade de o atleta buscar os direitos que lhe cabem. O jogador não pode ficar refém de decisões que os clubes tomam, isso é ridículo. Não existe nada que justifique essa cláusula. O atleta não pode ser solidário no cumprimento dela, é uma arbitrariedade e afronta aos direitos do profissional”, analisou Gislaine, em conversa com o ESPN.com.br.
“Essa cláusula vem contra todo o consolidado da CLT, contra toda a Constituição Federal, e caso o atleta queira ele pode entrar com ação e pedir sua rescisão de contrato contra o Corinthians, que exigiu essa cláusula no contrato. É uma prova inequivoca de confronto ao exercício do trabalho profissional. Isso é inconstitucional. Ele pode entrar com ação e deveria fazê-lo, pois isso é arcaico, provinciano, uma afronta aos princípios constitucionais”, acrescentou.
A advogada, contudo, sabe que é improvável que o atleta busque seus direitos.
“Claro que ele poderia conseguir uma liminar. E se ele quiser ele pode sim entrar com uma ação. Pode e deve. Mas ele jamais faria isso, e o São Paulo jamais o colocaria para jogar. O atleta jamais vai fazer isso, pois existe uma escravidão velada ao jogador de futebol. E isso acontece pois eles são desunidos, abaixam a cabeça, aceitam e acabou, por isso nunca vão conseguir a plenitude dos seus direitos”, concluiu Gislaine Nunes.
O próprio Alexandre Pato, inclusive, já reclamou publicamente de não poder enfrentar o Corinthians.
“É triste não poder jogar um jogo tão especial, tão importante, que significa muito para todos os torcedores. Esses motivos contratuais são fora do padrão para um futebol verdadeiro. Na Europa isso não existe. Joguei no Milan (ITA) e conheci outros jogadores que passaram pelo momento que estou passando e nunca tiveram problema. Para o espetáculo, todos deveriam jogar. Eu quero jogar, mas vamos ter que enfrentar isso toda vez”, disse o atleta, em março.
CBF mudou a regra em 2015, e Corinthians não tem cumprido sua parte no contrato
Apesar de exigir o pagamento da multa estipulada no contrato, o clube do Parque São Jorge não tem feito sua parte prometida no documento. A equipe não paga sua parcela do salário do atacante há sete meses, em dívida que chega a R$ 2,8 milhões em direitos de imagem. O São Paulo, que vem cumprindo sua obrigação na CLT, poderia até acionar o clube e cobrar uma multa pelo calote.
Por outro lado, desde março de 2015 o artigo 33 do Regulamento Nacional de Registro e Transferência de Atletas de Futebol proibiu quaisquer cláusulas em contratos de cessão temporária que visem limitar a livre utilização do atleta cedido por parte do clube cessionário. O vínculo de Pato com o São Paulo por empréstimo, no entanto, foi assinado um ano antes.
Com base nesse artigo, o advogado Márcio Cruz, especialista em direito desportivo, também consultado pela reportagem, considera inadequado Pato conseguir a liberação dessa forma, apesar de não ser impossível.
“Embora seja possível, entendo inadequado, uma vez que a limitação é para atuar contra aquela equipe e não traz prejuízos ao atleta, além de se preservar o quanto estipulado entre clubes cedente e cessionário com a anuência do atleta. Essas cláusulas são proibidas pela RNRTAF a partir de março/2015 apenas, vigorando o quanto pactuado anteriormente”, afirmou Cruz.
Com os mesmos seis pontos do San Lorenzo no Grupo B da Copa Libertadores, o São Paulo pode ter que entrar no clássico contra o Corinthians, dia 22 de abril, no Morumbi, precisando desesperadamente da vitória para se classificar, já que disputa a vaga ponto a ponto com o time argentino. Além disso, ainda pode enfrentar o arquirrival na semifinal do Paulista, no fim de semana anterior.
O advogado Luiz Alberto Bussab, que era o diretor jurídico do Corinthians na época que o empréstimo foi selado, acha difícil que Pato entre na Justiça para enfrentar o clube.
“Acho difícil que ele vá entrar nessa briga, pois os valores são altos se acabar acontecendo de ele jogar contra o Corinthians. Isso foi muito conversado entre as partes na época, por isso a multa é alta. Acho que nenhum dos três lados entraria nessa questão, ninguém entraria nessa via judicial para ir até as vias de fato depois. Na Justiça ele pode entrar de qualquer maneira, mas aí o contrato vai ser verificado e o que ficou combinado é que ele joga se for pago o valor que está lá”, afirmou Bussab ao ESPN.com.br.
A reportagem tentou contato com os atuais departamentos jurídicos de Corinthians e São Paulo ao longo desta quinta-feira, mas não conseguiu retorno até a publicação da reportagem.
Na Champions, Uefa já vetou cláusula idêntica em semifinal
Existe precedente de uma cláusula idêntica à que existe com Pato ter sido vetada na fase decisiva da mais importante competição de clubes do mundo: a Liga dos Campeões da Uefa. Na edição do ano passado, Atlético de Madri e Chelsea se encontrariam pela semfinal, e Courtois estava emprestado pela equipe inglesa.
No contrato de cessão temporária, a multa para colocar o goleiro em campo contra o clube que o emprestou era de 3 milhões de euros (R$ 10 milhões) por partida. Assim, o Atlético de Madrid teria que pagar 6 milhões de euros (R$ 20 milhões) se quisesse utilizar o atleta nos dois confrontos decisivos das semifinais.
A notícia gerou comoção em Madri, já que Courtois era um dos destaques da equipe sensação na Espanha. Uma revista local promoveu até uma “vaquinha” entre torcedores para arrecadar a quantia, mas não foi necessário: a Uefa, entidade máxima do futebol europeu, vetou de primeira a cláusula, garantindo a presença do belga em campo.
“A integridade da competição esportiva é um princípio fundamental da Uefa. Tanto a Liga dos Campeões quanto as regulações disciplinares da Uefa contêm disposições claras que proíbem estritamente qualquer clube de exercer, ou tentar exercer, qualquer influência sobre os jogadores que outro clube podem (ou não podem) colocar em campo. Segue-se que qualquer cláusula de um contrato privado entre os clubes que podem funcionar de tal forma a influenciar quem um clube coloca em campo é nulo e sem efeito em relação no que diz respeito à Uefa. Além disso, qualquer tentativa de impor essa tal disposição seria uma clara violação tanto da regulamentação da Liga dos Campeões quanto dos regulamentos disciplinares da Uefa e, portanto, sujeita a punições”, disse a Uefa, em nota, na ocasião.
Fonte: ESPN