Alterações na lei de lavagem de dinheiro e os seus impactos no mundo do futebol

Milton Jordão 

O Brasil tem se esforçado deveras e focado sobremaneira atenção, esforços e energias no combate e detecção da lavagem de capitais, inicialmente, direcionando olhares ao tráfico de entorpecentes e à prática de atos de corrupção no âmbito do setor público. Não sem razão o país tem celebrado, desde o crepúsculo da centúria passada, acordos de cooperação jurídica internacional com nações das Américas e da Europa, destacando-se a assinatura e ratificação das Convenções de Viena e Palermo.

No último dia 10 de julho de 2012 publicou-se a Lei n° 12.683, que alterou a n° 9.613/98 (Lei de Lavagem de Capitais), sob o manto de “tornar mais eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro”. Nesta novel redação se ampliou significativamente o espectro de abrangência e alcance da norma penal, inclusive, se extirpou a figura do crime antecedente, bem como se remodelou o mecanismo de controle, ou seja, outorgou-se a órgão administrativo múltiplas novas funções. Muito provavelmente, incumbirá ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), como tem sido até então, editar as normas e procedimentos de identificação de clientes e transações aos novos sujeitos incluídos pela Lei.

Dentre estas novas competências do COAF estão duas novidades, trazidas expressamente na alteração legal em apreço, que têm estreita relação com o mundo do esporte. Tratam-se do arrolamento de“pessoas físicas ou jurídicas que prestem, mesmo que eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza, em operações de alienação ou aquisição de direitos sobre contratos relacionados a atividades desportivas ou artísticas profissionais” (art. 9°, parágrafo único, inciso XIV, alínea f) e de “pessoas físicas ou jurídicas que atuem na promoção, intermediação, comercialização, agenciamento ou negociação de direitos de transferência de atletas, artistas ou feiras, exposições ou eventos similares” (art. 9°, parágrafo único, inciso XV) entre aquelas que têm obrigação de informar detalhadamente ao COAF quem são seus clientes, detalhes de suas transações comerciais, adotar políticas e regramentos instituídos pelo mesmo, dentre outras demandas fixadas nos artigos 10 e 11, da Lei de Lavagem de Capitais.

Noutros termos, a atividade econômica na área do esporte, até então, regida pelos ditames gerais, passará ser disciplinada por complaince. O COAF irá definir as regras e obrigações, mediante resolução, e regulará o mercado do futebol.

Cediço que o Brasil, de 2006 em diante, passou a ser centro de atenções e interesses da comunidade desportiva, que participarão da Copa das Confederações, Copa do Mundo da FIFA de 2014 e dos Jogos Olímpicos em 2016. Induvidosamente, estes megaeventos esportivos não são apenas competições que trazem dividendos desportivos ou lúdicos, trata-se de grande oportunidade de incentivo à economia local (por exemplo, o incremento do turismo) e, principalmente, à economia do mundo do esporte.

Há bastante tempo se lê nos periódicos nacionais a crescente nas cifras dos valores pagos por agremiações estrangeiras às nacionais – com mais contundência no âmbito do futebol – por jovens revelações. Recentemente, especula-se que o atleta Oscar, atacante do S.C. Internacional, deverá ser negociado com o inglês Chelsea F.C. por cifras que giram em torno de 70 (setenta) milhões de reais.

Não somente por isso o futebol passou a atrair a atenção, nota-se um “aquecimento” do mercado brasileiro, através da contratação de jogadores de expressão, como o holandês Clarence Seedorf ou o uruguaio Diego Forlán, que nunca antes se imaginaria como possível sua manutenção em virtude dos altíssimos salários.

É bem verdade que a lavagem de direito através do futebol não é novidade, já foi, inclusive, objeto de interessante report do Financial Action Task Force-Groupe D’action Financeire (FATF-GAFI) – organismo intergovernamental que o Brasil compõe-, em 2009. Ali, resta evidenciado a preocupação das várias nações com a possibilidade do crime organizado tornar lícito dinheiro considerado “sujo”. 

Aliado a este quadro, a aproximação dos já referidos megaeventos esportivos parece ter promovido preocupação no legislador ordinário que ao rever a Lei de Lavagem de Dinheiro trouxe para o rol das pessoas físicas ou jurídicas que pretende manter sob perene fiscalização e controle as atividades empresariais que importem em remessa ou recebimento de valores expressivos de capitais.

Assim, portanto, se indaga: estarão os clubes de futebol, as empresas de assessoria desportivas, os agentes de atletas, os grupos de investidores ou investidores individuais preparados para esta novel realidade?

A bem da verdade, o direito penal se aproxima do mundo do esporte business. Tem-se que ainda não se sabe qual será extensão desta nova lei na realidade cotidiana, principalmente porque caberá ao COAF – imagina-se que seja ele – editar as normas para regular esta atividade, melhor dizendo, tecer as linhas que os clubes, empresários, agências de atletas e investidores deverão percorrer para que as vendas para o exterior ou as aquisições sejam devidamente legalizadas.

Igualmente, se passará a observar com mais rigor o volume de negócios a serem celebrados em virtude da Copa do Mundo ou dos Jogos Olímpicos. Todavia, o alcance da lei é maior, porquanto açambarca o próprio campeonato nacional que movimenta milhões e milhões de reais, bem como as poderosas ligas de vôlei e basquete.

Atualmente, convém recordar que as transações internacionais os negócios celebrados entre clubes nacionais e estrangeiros são reportados ao BACEN, sendo ali especificados os detalhes da aludida contratação. Ora, com isso não se pode extrair que pouco ou quase nada será modificado com a nova realidade do porvir, fruto da alteração na Lei de Lavagem de Dinheiro. A partir de agora, esta será uma atividade de complaince, ou seja, as obrigações serão mais constantes e firmes, advindo responsabilidades administrativas e criminais.

Todavia, a teor das recomendações do FATF-GAFI, será preciso, por parte do COAF, uma articulação junto às entidades de administração esporte (FIFA, CBF, Federações, etc), concebendo um tratamento administrativo e jurídico similar, pensar políticas de boas práticas para o mercado do esporte, para que esta lei atinja fim por ela colimado.

A atividade econômica na área dos esportes sofrerá um choque de transparência e fiscalização. Em certa medida, pode-se dizer que com esta lei abrir-se-á a caixa de pandora, ou seja, valores que antes sempre eram escamoteados ou pouco revelados passarão a ser de conhecimento das autoridades públicas e, a violação de tais preceitos, poderá fazer com que o desportista passe a pelejar em outro certame: as lides dos processos penal e administrativo.

Com efeito, crê-se que esta mudança legal implicará em novas concepções acerca da estruturação das agremiações, das próprias entidades de administração desportiva, empresas de agenciamento e empresários de atletas, exigindo-se cada vez conhecimento de tais normas e vinculação à sistemática que em breve se conhecerá.

O autor é Advogado Criminalista, Conselheiro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), Professor de Direito Penal da Faculdade Ruy Barbosa, Procurador e ex-Defensor Dativo do Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol da Bahia, Diretor Presidente do Instituto de Direito Desportivo da Bahia (IDDBA), membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD). E-mail: [email protected] | Twitter: @miltonjordao

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