Aplicação de regras de Compliance no Desporto

MAURICIO DE FIGUEIREDO CORRÊA DA VEIGA

Membro Filiado ao Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD)

 

Toda instituição, independentemente da natureza de sua constituição, necessita de um conjunto de regras e diretrizes que servirão de alicerce para a realização de seus objetivos.

O futebol é sem sombra de dúvidas, o esporte mais popular do Brasil e há muito deixou de ser apenas “paixão nacional”, podendo ser considerado parte integrante da cultura popular brasileira.

É natural que a entidade responsável por administrar esse imenso patrimônio cultural se preocupe em aprimorar suas práticas corporativas, bem como fortalecer os conceitos de modernidade, transparência, integridade e ética dentro dos mecanismos que movimentam o futebol.

Tal atitude reverbera nas entidades locais de administração do desporto, ou seja, as Federações regionais que deverão trilhar o mesmo caminho.

As entidades de prática desportiva, por serem as responsáveis pela disponibilização de meios e condições para a prática do desporto, também desempenham papel fundamental e o fortalecimento dos conceitos e práticas acima destacados também se faz necessário.

Com efeito, é chegada a hora de uma reformulação de conceitos e procedimentos na busca de soluções arrojadas que conduzam ao aprimoramento e transparência da gestão das entidades desportivas.

Antes de se falar acerca do Compliance, necessário se faz trazer algumas breves linhas acerca da ética que deve ser privilegiada em qualquer norma que traga regras de conduta.

A ética significa o modo de o Homem se comportar segundo valores determinados. Ética é, portanto, a forma de comportamento fundado em princípios onde é preciso priorizar a coerência, com fundamento em princípios norteadores, como os de caráter, os da boa-fé, os valores morais, o respeito à dignidade, a coerência, a estabilidade e a segurança, como virtudes inerentes ao Homem.

Para Aristóteles a ética tem, como propósito, estabelecer a finalidade suprema que está acima de tudo e justifica todas as outras e qual a maneira de alcança-la. Essa finalidade suprema é a felicidade e não se trata dos prazeres, da riqueza, das honras e sim de uma vida virtuosa.

De acordo com a lição de Kant, a liberdade só está presente quando se segue, de forma rigorosa, as leis morais, não havendo negociações, não havendo exceções.

Immanuel Kant fundamenta sua ética no indivíduo racional, que cria leis que podem vir a se tornarem leis sócio-culturais cuja obediência se dá pelo respeito e dever auto imposto e não por sofrimento e dor infringidos no caso de desobediência destes.

Portanto, é o dever e não o temor o fio condutor do proceder ético segundo Kant, razão pela qual uma ação só será vista como um comportamento ético por parte do indivíduo na medida em que fatores internos envolvidos o motivam a executar essa ação por um profundo sentimento de respeito à lei e jamais por temor ou na expectativa de expectativas futura, sendo considerada essa ação como não ética.

Ainda de acordo com o filósofo alemão, o importante é que você faça algo porque considera certo. A sua atitude está correta e a atitude correta é para Kant decisiva para que possamos chamar algo de moralmente correto, não a consequência da ação.

O Código de Ética é um instrumento de realização dos propósitos de um determinado grupo, reunido por uma affectio societatis e com objetivo comum. É através dele que irá exteriorizar o compromisso, a postura e o comportamento deste segmento com a sociedade.

O termo compliance tem origem no verbo inglês “to comply”, que, pela tradução livre, significa cumprir, obedecer, ou estar em conformidade com determinada regra.

Com efeito, pode ser considerado um conjunto de regras e mecanismos internos que dispõe a respeito do código de ética de cada pessoa jurídica de direito privado.

Esse conjunto de regras que tem mudado a forma de relacionamento entre instituições já existe nos Estados Unidos da América desde 1997, quando da edição do Foreign Corrupt Practices Act, também conhecida como FCPA, Lei sobre Práticas de Corrupção no Exterior.

Em território brasileiro foi o ano de 2015 que teve início a adoção de mecanismos de compliance. Em que pese a edição da Lei n.º 12.846 no ano de 2013, foi apenas no biênio seguinte que sua vigência se iniciou tendo em vista a publicação do Decreto Federal n.º 8.420. A Lei n.º 12.846/2013, também conhecida como Lei Anticorrupção, dispõe acerca da responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira.

O programa de compliance é traduzido pela legislação brasileira como programa de integridade e surge em um momento sui generis da nossa sociedade, pois nunca houve uma frequência tão grande de casos de corrupção.

A implementação de normas de compliance é uma realidade e um caminho sem volta. Para as entidades de práticas desportiva, inúmeros são os benefícios que esta nova modalidade de administração pode trazer.

O compliance se refere aos sistemas de controle internos que proporcionam maior segurança à empresa quanto às suas análises econômico-financeiras. Ele possibilita uma atuação correta e adequada no meio em que atua, além de proteger a empresa contra riscos de corrupção.  (MOREIRA, Jaqueline Alba Di Domenico. – Op. Cit. – p. 25.)

Com efeito, a implementação de um programa de compliance eficaz terá o condão de atrair maior número de patrocinadores, tendo em que vista que as grandes marcas (nacionais e internacionais) têm exigido de seus patrocinados um compromisso com gestão efetiva, contabilidade transparente e adoção de mecanismos de prevenção de fraudes e irregularidades. É fato notório que a empresa patrocinadora irá procurar se associar a um clube com princípios éticos e transparentes para promover a sua marca, até mesmo porque há previsão legal de estipulação de sanções para empresas que financiem clubes que pratiquem atos de corrupção.

Outrossim, um programa de compliance permitirá que o clube tenha mais segurança nas negociações de direito de arena, na medida em poderá será exigida mais transparência na entabulação dos acordos de comercialização da transmissão das partidas.

Da mesma forma que a Confederação Brasileira de Futebol criou uma comissão para elaboração de seu código de ética, as Federações e os clubes de futebol também poderão trilhar o mesmo caminho. Um programa abrangente de compliance deverá exigir o comprometimento da alta cúpula da entidade, instalará canais de denúncia independentes, cuidará da elaboração de códigos de ética e conduta para funcionários, administradores e terceiros e para ser implementado deverá contar com ampla independência de sua estrutura e autoridade da área.

Por meio de auditorias regulares e monitoramento, será possível detectar e combater eventuais condutas que possam ser caracterizadas como fraudulentas ou irregulares capazes de acarretar um dano irreversível (ou de difícil reparação) na administração do clube ou entidade de administração do desporto.

Por fim, insta salientar que um programa de compliance efetivo ajudará o clube a viabilizar meios de se obter maior transparência na gestão dos recursos, contratos e patrocinadores, boa governança, aumento da fiscalização e implementação de requisitos necessários para a obtenção de recursos disponibilizados pela administração federal nos termos estabelecidos na Lei Geral do Desporto.

Nota-se, portanto, que os benefícios da implementação dessas novas regras trazem apenas benefícios, nada obstante eventual resistência que possam existir em razão do temor que uma mudança de cultura e comportamento podem gerar.

MAURICIO DE FIGUEIREDO CORRÊA DA VEIGA

Advogado, formado pela Universidade Católica de Petrópolis (UCP);

Doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidade Autónoma de Lisboa (UAL);

Conselheiro da OAB/DF;

Secretário da Comissão Especial de Direito Desportivo do CFOAB;

Membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD);

Membro da Academia Nacional de Direito Desportivo (ANDD);

Presidente da Comissão de Direito Desportivo da OAB-DF; Auditor do Tribunal Pleno do STJD da CBTE; Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB);

Membro da Academia Brasiliense de Direito do Trabalho (ABRADT);