Árbitros: Perigo de vida?

Alexandre Miguel Mestre

Se na passada semana lhe falei, caro leitor, de arbitragem em matéria de justiça desportiva, hoje gostaria de abordar um tema que há muito me chama a atenção conexo com…os outros árbitros, num ângulo pouco focado. Venha daí, comigo.

Começa por ser sintomático (e numa primeira leitura porventura preocupante) que quando procuramos no nosso ordenamento jurídico uma definição, completa e fiel, do que é um árbitro, a encontremos num diploma sobre … matéria criminal.

Reporto-me à Lei n.º 50/2007, de 31 de Agosto, que “[fusion_builder_container hundred_percent=”yes” overflow=”visible”][fusion_builder_row][fusion_builder_column type=”1_1″ background_position=”left top” background_color=”” border_size=”” border_color=”” border_style=”solid” spacing=”yes” background_image=”” background_repeat=”no-repeat” padding=”” margin_top=”0px” margin_bottom=”0px” class=”” id=”” animation_type=”” animation_speed=”0.3″ animation_direction=”left” hide_on_mobile=”no” center_content=”no” min_height=”none”][e]stabelece um novo regime de responsabilidade penal por comportamentos susceptíveis de afectar a verdade, a lealdade e a correcção da competição e do seu resultado na actividade desportiva“. De acordo com a alínea c) do artigo 2.º, “Árbitro desportivo” é “quem, a qualquer título, principal ou auxiliar, aprecia, julga, decide, observa ou avalia a aplicação das regras técnicas e disciplinares próprias da modalidade desportiva“. O legislador conceptualiza, então, o tal “juiz da partida“, na expressão correntemente utilizada na comunicação social como entre adeptos. E, ao contrário de outros diplomas, não utiliza a expressão “árbitro, juiz ou cronometrista“, quiçá (sub)conscientemente focado no futebol, que não nas múltiplas modalidades desportivas.

Na referida lei, há uma norma que versa sobre crimes contra agentes desportivos, responsáveis pela segurança, e membros dos órgãos da comunicação social. Ali se prescreve que caso determinados actos sejam praticados de modo a colocar em perigo a vida dos árbitros, as penas são agravadas, nos seus limites mínimo e máximo, até um terço [os actos são a participação em rixa na deslocação para ou de espectáculo desportivo; arremesso de objectos ou de produtos líquidos; invasão da área do espectáculo desportivo]. O legislador prevê essa lógica de agravamento das penas para vários outros agentes desportivos, mas o facto é que o árbitro… está lá.

Também no Código Penal, isto é, mesmo fugindo a uma legislação penal avulsa especificamente desenhada tendo em vista o fenómeno desportivo, o árbitro… está lá. E não é numa norma qualquer. Estamos no domínio dos crimes contra as pessoas, contra a vida, mais especificamente no âmbito do “Homicídio qualificado“. E o que se prevê é que “[é] susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade um homicídio em que, entre outras, existe a circunstância de o agente praticar o facto contra (…) juiz ou árbitro desportivo sob a jurisdição das federações desportivas, no exercício das suas funções ou por causa delas.” A par também se listam outras potenciais vítimas, alheias ao fenómeno desportivo, mas certo é que o árbitro é o único dos agentes desportivos que… está lá.

Como nós, outros países sentiram a necessidade de proteger a vida dos árbitros. Por exemplo, em França, também em 2007, o “Estatuto do Árbitro”, introduzido através de uma alteração ao “Código do Desporto”, veio, por exemplo, punir com pena de dois anos de prisão ou 30.000 euros de multa a ameaça a um árbitro de agressão ou de morte.

Existe, portanto, uma convicção, no “legislador desportivo” e no “legislador geral”, intra e extra muros, de que o árbitro é o agente desportivo que, em teoria, tem mais probabilidades de estar sujeito a perder a vida.

E porquê? Por um mau julgamento, uma decisão errada – negligente ou dolosa – e inerentes repercussões – desportivas, patrimoniais e outras. Será isto compreensível? Será isto uma inevitabilidade? Estaremos condenados a que um dia aconteça mesmo o pior? Esperamos e estamos convencidos de que não. Mais a mais sabendo do seguinte: se houver indícios de que um árbitro foi corrupto, de que houve tráfico de influências, de que um resultado foi manipulado, então que se investigue e, se for o caso, que se condene. O árbitro pagará, nessa medida, o seu erro. E bastará. Já não será pouco. A justiça estará feita. Ponto final.

No mais, há que encarar as opções legislativas acima mencionadas sem drama, como algo de natural. Afinal, como nos plasma a Constituição da República Portuguesa, no capítulo referente aos “Direitos, liberdade e garantias pessoais“, “[a] vida humana é inviolável“, existe um “Direito à vida“, bem supremo a salvaguardar também nos “palcos desportivos”, face a quem está mais exposto e vulnerável.

 

Fonte: sabado.pt[/fusion_builder_column][/fusion_builder_row][/fusion_builder_container]

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